Como finalização da segunda fase do projeto, o Comprova destrinchou o passo a passo de cinco das verificações realizadas ao longo do semestre.
Após manchas de óleo começarem a atingir praias do Nordeste brasileiro, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, levantou a hipótese de que a origem do material seria venezuelana.
A declaração foi feita em outubro e, pouco tempo depois, viralizou um vídeo em que aparece um navio fazendo um serviço de dragagem na Praia de Matosinhos, em Portugal.
De forma enganosa, a gravação, que na verdade é de abril, foi compartilhada como se fosse de um navio da Venezuela despejando petróleo no litoral nordestino.
As postagens afirmavam terem "descoberto" o enigma da origem das manchas de óleo que atingiram o litoral do Nordeste brasileiro desde o fim de agosto.
O vídeo verificado pelo Comprova, da página Capitão Bolsonaro, foi publicado no dia 10 de outubro e teve 6.800 compartilhamentos em um dia.
Os textos das postagens tinham muitos indicativos de boato: palavras alarmantes, momento oportuno para divulgação (durante o aparecimento das manchas de óleo), poucos dados e informações e nenhum veículo de mídia havia publicado o vídeo viralizado.
À época da checagem, segundo análise do governo e um estudo da Universidade Federal da Bahia, a hipótese mais aceita era que o óleo teria origem venezuelana e estivesse em um navio fantasma (sem identificação e que passa despercebido pelos sonares).
Porém, no início de novembro, a Polícia Federal deflagrou a Operação Mácula, que investiga o derramamento de óleo.
No período, a principal suspeita era sobre navio grego Bouboulina, de onde o vazamento de óleo teria ocorrido entre 28 e 29 de julho, a cerca de 730 km leste da divisa da Paraíba e do Rio Grande do Norte, em águas internacionais no Oceano Atlântico. Esse vazamento teria gerado uma mancha de óleo de 200 km de extensão.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), no entanto, até agora, a causa, o local exato do vazamento e os responsáveis não foram identificados.
Passo a passo da verificação
Quem fez o vídeo original?
Era preciso descobrir onde tinha sido filmado o vídeo em questão. Teria sido mesmo no Brasil?
Com o uso do Invid, é possível buscar (por meio de imagens congeladas do vídeo) postagens que compartilham determinada gravação. Basta ter o arquivo do vídeo salvo no computador ou o link do vídeo.
Contudo, só fomos direcionados para links que continham as mesmas informações do boato.
Depois pesquisamos o termo “navio venezuelano” no Facebook, mas só encontramos outras páginas compartilhando boatos semelhantes e o vídeo com as mesmas informações: de que seria um navio venezuelano que estava despejando óleo no litoral nordestino.
Contudo, uma dessas postagens trazia uma versão do vídeo que continha uma marca d’água com o nome “Diz Não Ao Paredão”.
Buscamos essas palavras no Google e encontramos uma página no Facebook e um perfil no Instagram de um movimento contra a construção de um paredão no porto da cidade de Matosinhos, em Portugal.
Com essas informações, o Comprova visitou a página “Diz Não Ao Paredão” e confirmou que o vídeo vinha de lá e que havia sido postado em 30 de abril de 2019, portanto, meses antes do aparecimento das manchas de óleo no Brasil
Após nosso contato, a página inclusive editou a legenda da postagem no Instagram para desmentir os boatos e esclarecer que as imagens estavam sendo compartilhadas no Brasil com informações erradas.
Apesar de termos esta resposta, não podíamos afirmar com certeza que ele realmente havia gravado o vídeo e, por isso, pedimos que o administrador da página, Humberto Silva, nos enviasse os metadados do arquivo de vídeo.
Metadados são como a impressão digital de um arquivo (foto ou vídeo), por meio dessas informações, podemos checar, a depender das configurações do dispositivo, o dia, a hora e o local onde o arquivo foi feito, além do local de armazenamento.
Os metadados enviados por Humberto batiam com a época das postagens do vídeo na página portuguesa.
Sozinhos os metadados não servem como prova final, pois podem ser adulterados, eles devem ser portanto mais um dos elementos de uma verificação.
Não satisfeitos, procuramos por mais evidências de que o vídeo havia sido filmado em Portugal, então pesquisamos as imagens que haviam sido publicadas com a localização “Praia de Matosinhos” no Instagram.
Localizamos uma postagem do dia 30 de abril do usuário @tiagofazendeiro. Por mensagem na rede social, ele confirmou ter sido o autor da foto e disse ser morador da região e apoiador do movimento.
Contexto
A página “Diz Não ao Paredão” é de um movimento contrário ao prolongamento no Porto de Leixões, em Matosinhos, Portugal. O movimento alega que esta obra no porto prejudicaria as atividades de surfe no local, além de interferir negativamente na biodiversidade marítima.
O vídeo mostrava, na verdade, um navio do tipo draga que realizava um processo de dragagem, que consiste no desassoreamento, alargamento, desobstrução, remoção ou escavação de material do fundo de rios, lagos, mares, baías e canais de acesso a portos.
Segundo a página com a petição contra as obras, o objetivo desta dragagem era depositar cerca de 3 milhões de metros cúbicos de areia no fundo do mar para prolongar em 300 metros a extensão do quebra-mar do Porto de Leixões, o que possibilitaria aos navios chegarem mais perto da costa, consequentemente aumentando a quantidade de cargueiros.
Contudo, a área do Porto de Leixões é repleta de atividades para a comunidade, como surfe e aulas de surfe, além de ser uma praia bastante frequentada por banhistas.
Conclusão
Após dias de verificação, o Projeto Comprova confirmou que o vídeo era verdadeiro (não havia nenhum tipo de edição ou montagem), mas que foi compartilhado fora de seu contexto. O vídeo foi filmado em Portugal antes das manchas de óleo aparecerem no Brasil; e, por fim, o verdadeiro autor, que é português, confirmou o local da filmagem
Esta verificação foi feita por Amanda Miranda (Jornal do Commercio), Cinthia Macedo (SBT), Paulo Roberto Netto (Estadão) e Marina Cid (TV Band) e publicada pelo Comprova em 14 de outubro de 2019.
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