Bichos que sobreviveram a incêndios na Austrália agora lutam contra escassez

Regeneração ambiental só deve ocorrer daqui a cem anos, segundo estimativa de professor de Sydney

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Caetanno Goldbeck Freitas
Canberra (Austrália)

Na semana passada, a chuva chegou à Austrália e deu uma trégua aos incêndios que destruíram as florestas da costa leste do país, mataram mais de 20 pessoas e carbonizaram mais de 10 milhões de hectares. A previsão dos serviços de emergência e saúde do país é de que as condições climáticas melhorem, colaborando no controle das queimadas e na redução da fumaça.

Mas o saldo devedor de mais de um bilhão de animais mortos e uma devastação brutal para o meio ambiente não será quitado tão cedo. 

Há uma grande chance de que fauna e flora não regressem ao estágio anterior, mas especialistas depositam a esperança na regeneração natural do ecossistema, acostumado às queimadas.

Cuidadora segura um filhote de coala resgatado neste mês na Ilha Canguru, na Austrália  
Cuidadora segura um filhote de coala resgatado neste mês na Ilha Canguru, na Austrália   - Peter Parks/AFP

A recuperação total após os eventos tão graves, no entanto, só deverá ocorrer em pelo menos cem anos. A estimativa é do professor de Ecologia da Universidade de Sydney Chris Dickman, que tem 40 anos de experiência na área. 

“Não há dúvidas de que alguns ecossistemas não voltarão a ser o que eram antes dos fogos, especialmente onde houve extinção local de espécies, o que ainda está sendo analisado. Em certos casos, sim, a natureza pode se regenerar, mas isso pode levar cem anos ou mais”, diz.

Phillip Barton, especialista em meio ambiente na Universidade Nacional da Austrália, corrobora a previsão nada otimista feita por Dickmann. “Estamos presenciando uma situação catastrófica. Toda essa destruição traz consigo efeitos duradouros para a natureza. A verdade é que esse é um tópico a ser observado por muitas décadas”, analisa.

Uma relatório inicial divulgado pelo Departamento de Meio Ambiente da Austrália indica que quase 50 espécies de plantas e animais tiveram 80% da área onde vivem queimadas pelos incêndios. Outras 65 terão de dividir a metade do território que antes estava disponível. 

No total, o levantamento inclui 272 plantas, 16 mamíferos, 14 sapos, 9 pássaros, 7 répteis, 4 insetos e 4 peixes, e 1 tipo de aranha. Destas, 31 estão em extinção, 110 estão ameaçadas e as outras 186 estão em condições vulneráveis.

Inúmeros animais indefesos não conseguiram fugir do fogo que atingiu boa parte do territórios de Nova Gales do Sul, Vitória e Austrália do Sul. É o caso do coala, nativo da Oceania, que num instinto natural de sobrevivência sobe em árvores quando se sente ameaçado. 

O Hospital de Coalas, em Port Macquarie, está atendendo mais que o dobro da capacidade de pacientes desde que os fogos se intensificaram, em meados de outubro do ano passado. De acordo com a presidente da instituição, Sue Ashton, há 75 deles em tratamento intensivo, condição que deve perdurar por meses até que possam retornar à natureza.

“Tem sido um trabalho exaustivo e muito desafiador. É muito triste quando você trata um coala por semanas e depois o vê morrer. Por outro lado, é gratificante quando conseguimos cicatrizar as feridas e os vemos comendo e subindo em árvores”, diz.

Os cangurus, símbolos do país, também foram duramente atingidos pelos fogos, apesar de serem mais ágeis na fuga. Mesmo aqueles animais que conseguiram sobreviver, escondendo-se em buracos embaixo da terra, como é o caso do vombate, não encontraram nada onde antes havia vida e alimento.

“Nem todos animais que vivem em áreas queimadas vão morrer diretamente pelo fogo, muitos ainda morrerão de fome por falta de alimento e abrigo”, diz Chris Dickman.

Na tentativa de minimizar os impactos de forma mais imediata, o governo federal mobilizou equipes de resgate e lançou legumes, como cenouras e batata-doce, de helicópteros e aviões que sobrevoaram áreas destruídas. Anunciou, ainda, uma verba de 50 milhões de dólares australianos para ajudar na sobrevivência das espécies e no resgate de animais.

“É um bom começo para ajudar nos esforços de resposta aos animais que precisam e para restaurar o habitat que necessita de soluções a longo prazo. Entretanto, uma verba muito maior será necessária para recuperar as espécies ameaçadas. Precisamos de planos e tomar decisões que ajudem nossas florestas a cicatrizarem, as espécies ameaçadas a se recuperarem e as condições climáticas a estabilizarem”, disse o CEO da WWF Austrália, Dermot O’Gorman.

Um grupo de estudantes, professores e pesquisadores da Universidade de Sydney em parceria com a Universidade Nacional da Austrália sugere que as carcaças dos animais podem ser usadas em prol do ecossistema. 

Especialista da ONG Humane Society International procura por animais sobreviventes na Ilha Canguru, na Austrália, após os incêndios que devastaram a costa leste do país
Especialista da ONG Humane Society International procura por animais sobreviventes na Ilha Canguru, na Austrália, após os incêndios que devastaram a costa leste do país - Peter Parks/AFP

Eles acreditam que o método possa desempenhar um papel decisivo na recuperação mais rápida das queimadas, fornecendo nutrientes para animais, plantas e microrganismos.

Segundo Phillip Barton, o que está sendo proposto é um processo de descarte alternativo, como a compostagem, “reciclando” animais mortos. Isto mataria a maioria dos germes, enquanto o enterro apenas joga o problema para baixo da terra. 

“Muitas vezes a solução mais rápida e prática é enterrar estes animais, mas podemos usar as carcaças para compostagem. Isso permitiria que esses animais mortos servissem como fertilizantes. O ecossistema reage de maneira muito eficaz a este tipo de processo”, explica Barton.

As carcaças, ressalta ele, podem alimentar um grande número de animais sobreviventes, entre eles lagartos, águias, gatos e cachorros selvagens. Também serviriam para insetos como formigas, besouros e moscas e poderiam ajudar no processo de polinização. 

Por outro lado, carcaças podem transmitir doenças graves e colocar em risco não só a saúde animal como a saúde humana. Além disso, são vistas como uma ameaça à biossegurança nacional. Por isso, o governo decidiu enterrar os animais em valas comuns.

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