Descrição de chapéu The New York Times

O copo de isopor do seu cafezinho é o inimigo da vez do ambiente

Fabricante de embalagens enfrenta oposição de ambientalistas nos EUA

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Michael Corkery
Michigan | The New York Times

A Dart Container Corporation é uma história americana de sucesso, segundo alguns critérios.

A empresa familiar foi co-fundada no Michigan por um veterano da Segunda Guerra Mundial formado em matemática, engenharia e metalurgia. Ela desenvolveu produtos que ajudaram a alimentar a economia moderna. A Dart produz milhões de copos de isopor branco, embalagens do tipo clamshell, tampas de copos descartáveis para café e talheres descartáveis —os recipientes de uso único que possibilitam aos americanos comer e beber em qualquer lugar. A empresa emprega 15 mil pessoas em 14 estados do país.

Mas hoje muitos dos produtos criados por essa empresa discreta do Meio-Oeste estão sendo descritos por críticos como pragas ambientais que contribuem para o problema mundial da poluição por plásticos.

Cada vez mais cidades e estados vêm proibindo o uso de um dos produtos mais conhecidos da Dart, os recipientes e embalagens de comida e bebida feitos de isopor, material que pode prejudicar peixes e outras formas de vida marinha. Em dezembro o governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, propôs a proibição em todo o estado de recipientes alimentares de uso único feitos de espuma de “poliestireno expandido”, ou isopor, conhecido mais comumente nos EUA como Styrofoam (o Styrofoam é o nome de marca de um material tipicamente usado para isolamento térmico). No ano passado as embalagens de isopor foram proibidas nos estados do Maine e Maryland, e quase 60 países estão adotando ou já adotaram medidas semelhantes. Alguns políticos eleitos e grupos ambientalistas dizem que as embalagens de poliestireno são difíceis de reciclar em grau significativo.

Produtos da Dart Container Corporation, vendidos nos EUA
Produtos da Dart Container Corporation, vendidos nos EUA - Reprodução/Facebook

“Há evidências muito grandes de que este material está prejudicando a Terra gravemente”, disse Brooke Lierman, deputada de Maryland que propôs a proibição do isopor em seu estado.

Mas a Dart Container, que pertence à família Dart desde sua fundação, na década de 1950, não está cedendo. Enquanto muitas empresas de plásticos se esforçam para proteger seus produtos por meio de associações comerciais e campanhas de marketing que visam mostrá-los sob ótica positiva, a Dart está contestando a regulamentação de modo direto e agressivo.

Pouco depois de Maryland ter aprovado a proibição do isopor, a Dart fechou seus dois armazéns no estado, deslocando 90 empregados e enviando uma mensagem a outros lugares que estudam a possibilidade de adotar leis semelhantes. San Diego decidiu recentemente suspender a implementação de sua proibição do poliestireno depois de ser alvo de uma ação judicial movida pela Dart e uma associação de restaurantes, que argumentaram que a cidade deveria haver realizado um estudo detalhado de impacto ambiental antes de implementar a lei. A prefeitura está realizando essa análise agora.

“Não acreditamos que existam razões objetivas e fortes para atacar certos materiais”, disse o executivo-chefe da Dart, Jim Lammers, em entrevista recente dada na sede da empresa.

A entrevista foi uma das primeiras vezes que a Dart permitiu o acesso amplo de jornalistas às suas instalações em sua sede arborizada em Mason, onde há trilhas para corrida, um jardim contendo homenagens a funcionários e pedras inscritas com palavras como “meritocracia”.

A Dart está travando uma campanha mais ampla para argumentar que seus produtos estão servindo de bodes expiatórios de uma sociedade alimentada pelo consumismo descartável. Para a empresa, os críticos do poliestireno ignoram os impactos ambientais negativos de outros produtos, como muitos copos de papel, que são derivados de árvores e podem emitir gases estufa quando se degradam em aterros sanitários. Pela lógica da empresa, a maioria dos materiais causa algum impacto negativo sobre o meio ambiente, logo, não faz sentido proibir um material e não outro.

“Se abrirmos mão do isopor, qual será o próximo passo?”, indagou Michael Westerfield, diretor de reciclagem da Dart.

A reação contra o isopor está tendo um preço. As vendas de isopor vêm caindo, e a Dart vem ampliando sua linha de produtos para incluir mais produtos de papel, incluindo copos para café vendidos na Starbucks e Dunkin’. Ela está fazendo experimentos com recipientes que podem ser compostados ou fabricados com materiais reciclados.

Produtos da Dart Container Corporation, vendidos nos EUA
Produtos da Dart Container Corporation, vendidos nos EUA ORG XMIT: nE7rJxrf-xFj-c_Q0WEo - Reprodução/Facebook

Hoje o isopor compõe apenas um quinto de todos os produtos vendidos pela Dart. A empresa diz que suas vendas totais de recipientes para alimentos e bebidas, que geram receita anual de US$3 bilhões, estão essencialmente estáveis.

Ao mesmo tempo em que o mercado de poliestireno encolhe, muitos grupos ambientalistas querem abolir o isopor por completo porque, quando ele acaba no lixo, pode facilmente se fragmentar em pedacinhos, prejudicando os peixes e animais que o ingerem. Para os humanos, fibras de plástico já foram encontradas em tudo, desde a água que tomamos até o sal de cozinha, mas os efeitos de longo prazo para a saúde ainda estão sob estudo.

Especialistas industriais e acadêmicos ainda discutem como quantificar melhor o impacto de longo prazo que os recipientes de uso único feitos de materiais diversos –plásticos, papel e vidro— pode ter sobre a mudança climática. Mas, segundo ambientalistas, os danos provocados pela poluição plástica sobre a fauna marinha são imediatos.

“Um copo de papel nunca matou animais marinhos, ao que eu saiba”, disse Jan Dell, engenheiro que trabalhou na indústria de plásticos no passado e hoje dirige o grupo de ativismo Last Beach Cleanup, que combate a poluição plástica.

As mesmas propriedades que podem tornar o isopor um problema ambiental tornam sua manufatura rentável. Os custos são baixos porque o isopor é composto 95% de ar e pode ser produzido usando relativamente pouco plástico bruto.

William A. Dart não inventou os copos de isopor, mas descobriu como produzi-los em massa.

Depois de retornar da Segunda Guerra Mundial e diplomar-se pela Universidade do Michigan, Dart passou um ano trabalhando para a empresa química DuPont. No final dos anos 1950, com a cabeça cheia de ideias sobre plástico, ele voltou à fundição de seu pai em Mason, cidade pequena ao lado de Lansing. Dart começou a testar a criação de copos de poliestireno, material dotado de propriedades de isolamento térmico aparentemente mágicas e que seria usado no setor rapidamente crescente do fast food.

Produtos da Dart Container Corporation, vendidos nos EUA
Produtos da Dart Container Corporation, vendidos nos EUA ORG XMIT: O_U0cCGfYSl3HBMkufEk - Reprodução/Facebook

Uma das primeiras contas importantes da Dart foi a Chick-fil-A. A empresa também vendeu seus plásticos a hospitais e escolas, estádios esportivos e para a Sysco e US Foods, gigantes do setor alimentício.

A empresa alardeia seu longo histórico manufatureiro nos Estados Unidos. Enquanto muitas fábricas americanas foram transferidas para a Ásia, em busca de mão-de-obra mais barata, importar isopor do exterior não é rentável. Segundo a Dart, o custo de importação dos recipientes leves anularia quaisquer economias feitas com a mão-de-obra.

Lammers comentou que a empresa está ficando frustrada com a campanha crescente contra o isopor.

“Como muitas coisas na vida, a produção de embalagens de alimentos e bebidas não é uma discussão que possa ser resumida em frases simplistas”, disse Lammers, que entrou para a empresa em 1986.

Advogado por formação, Lammers se desloca pelo grande campus da Dart em Mason num Honda Accord azul. Com ar de orgulho, ele conduziu um repórter numa tour de um pequeno museu no saguão onde produtos de plástico de uso único estão expostos como se fossem obras de arte. Uma mostra mapeia a história da embalagem tipo clamshell. Outra mostra a trajetória das tampas de xícaras de café ao longo dos anos. O museu celebra os objetos descartáveis do cotidiano: copos azuis para café com desenho em estilo grego e os copinhos de plástico transparente encontrados em consultórios de dentistas. A Dart produz todos.

A única área de acesso proibido foi o Prédio Nº 1, onde são fabricados os copos de isopor branco. A empresa diz que as máquinas que fabricam o isopor, projetadas por Dart na década de 1950 e aprimoradas ao longo das décadas, são um segredo tão protegido que apenas funcionários e clientes seletos são autorizados a ir ao chão da fábrica.

Os herdeiros de William Dart também protegem sua privacidade.

Produtos da Dart Container Corporation, vendidos nos EUA
Produtos da Dart Container Corporation, vendidos nos EUA - Reprodução/Facebook

Seus filhos Robert e Kenneth Dart participam da gestão da empresa, em graus diversos, desde os anos 1980. Kenneth, que renunciou à cidadania americana, se radicou nas Ilhas Cayman, onde hoje é empreendedor imobiliário. Sua fortuna é estimada em US$5,8 bilhões, segundo a Bloomberg. Robert também renunciou à cidadania americana, mas se radicou em Londres, onde ainda vive. A saída do país dos irmãos Dart foi uma das razões que levou o Senado nos anos 1990 a propor uma lei fechando uma brecha fiscal para americanos radicados no exterior.

Embora os dois irmãos não participem mais das operações diárias da empresa de embalagens, eles fazem parte de seu conselho de direção e opinam sobre “grandes gastos de capital e decisões estratégicas”, disse em comunicado uma porta-voz da Dart. Um terceiro irmão, Thomas, encerrou seu envolvimento com a empresa na década de 1980, segundo a Dart.

Em 2012 a Dart adquiriu outra empresa de embalagens do Meio-Oeste do país, a Solo, por US$1 bilhão. A aquisição ampliou em muito a linha de produtos da Dart, que passou a incluir mais recipientes de papel e plástico rígido, como os copos Solo, sempre vistos em festas universitárias e de torcedores de futebol.

Mas, ao mesmo tempo que diversificava suas operações, a Dart nunca desistiu do isopor.

A empresa vem enfatizando há anos que o isopor pode ser reciclado, exatamente como outros tipos de embalagens de plástico. O problema é que a maioria dos sistemas de reciclagem municipais não aceita o isopor, isso porque pode ser difícil encontrar compradores dispostos a pagar o suficiente pelo material usado. Por essa razão a Dart se oferece para coletar e transportar recipientes e embalagens de isopor usados sem custo adicional na maioria das cidades.

Mas o transporte e a reciclagem de isopor consome energia considerável, conforme mostrou uma visita a uma nova usina de reciclagem que Robert Dart ajudou a desenvolver em Indianapolis.

O galpão está cheio de blocos grandes de copos e embalagens de ovos de isopor prensados, trazidos de caminhão ou trem de lugares tão distantes quanto Canadá ou Califórnia. O isopor é selecionado, fragmentado em pedacinhos e então revendido.

Embalagens de comida de isopor não podem ser convertidas em novas embalagens porque os serviços de vigilância sanitária não os aprovaram para tal, diz a Dart. Hoje o poliestireno reciclado geralmente é usado na fabricação de molduras de quadros e dos rolos de plástico no meio do papel de recibos de caixas registradoras.

Dart diz que é possível que o poliestireno usado possa um dia ser reaproveitado em massa na produção de novos copos, mas que no momento a capacidade de coleta e processamento é limitada.

“Gostaríamos muito de chegar a isso”, disse Westerfield, o diretor de reciclagem.

Algumas comunidades duvidam que isso vá acontecer em suas áreas. Quando Claire Wayner era criança, em Baltimore, ela e sua família levaram suas embalagens de ovos e outras embalagens de isopor para um posto de coleta na cidade patrocinado pela Dart. Voluntários nas escolas da cidade enxaguavam resquícios de macarrão com queijo ou cheesebúrguer de centenas de embalagens de almoço escolar e os levavam de carro ao posto de reciclagem.

Apesar dessas boas intenções, Wayner questiona quanto do poliestireno da cidade era reciclado de fato e qual era o mercado real do isopor usado, excetuando para produtos de nicho como molduras de quadros.

“Parece aleatório e absurdo”, disse Wayner, hoje estudante do segundo ano na Universidade Princeton.

No colégio, ela e outros estudantes criaram a organização Baltimore Beyond Plastic, que persuadiu autoridades escolares a eliminar as embalagens de isopor dos refeitórios das escolas públicas da cidade.

Colaborando com outros ativistas ambientais, o grupo estudantil depois trabalhou para as embalagens de comida feitas de isopor serem proibidas em toda a cidade, esforço que foi bem-sucedido. Depois da votação, a Dart fechou o posto de coleta para reciclagem que patrocinava em Baltimore.

Perguntada sobre o fechamento, a porta-voz da Dart, Becky Warren, disse em comunicado: “Investimos nossos recursos para reciclagem em comunidades que apoiam nossos clientes e nossa empresa”.

Para Wayner e outros, a reação da Dart mostra que a empresa não enxergava a reciclagem de poliestireno como empreendimento economicamente viável, mas como trunfo de barganha a ser usado para evitar ser alvo de regulamentação.

“Assim que a empresa perdeu, ela pegou sua bola e foi para casa, por assim dizer”, comentou Martha Ainsworth, líder voluntária da organização ambiental Sierra Club no Maryland.

Mesmo com a proibição do isopor, Baltimore está tendo dificuldade em alcançar suas metas de sustentabilidade. Hoje as escolas da cidade servem o almoço dos alunos sobre bandejas compostáveis. Mas não há instalações na cidade que realizem a compostagem comercial de materiais, de modo que as bandejas são jogadas em aterros sanitários ou incineradores, segundo uma representante das escolas da cidade.

Executivos da Dart dizem que muitos de seus clientes também querem embalagens mais sustentáveis, mas se defrontam com obstáculos financeiros. Algumas empresas de alimentos e bebidas querem embalagens feitas com mais materiais reciclados e compostáveis, mas nem todos aceitam os custos adicionais.

No ano passado a empresa abriu um laboratório em Mason onde químicos usando aventais brancos e luvas azuis de borracha se debruçam sobre béqueres e reatores. Em uma sala, técnicos testavam novos revestimentos não plásticos para copos de papel. Em outro, analisavam amostras de solo para testar quanto tempo um copo compostável leva para se decompor.

Não está claro quanto tempo levará para alguns desses experimentos resultar em produtos que possam ser levados ao mercado, mas Lammer disse que falta pouco.

“Garanto a você que dentro de dez anos seremos diferentes”, ele prometeu.

Tradução de Clara Allain

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