Navio desviou do canal e atingiu área rasa pouco antes de encalhar no Maranhão

Vídeo de rastreamento mostra mudança de rota; atalho raso pode ter causado avaria no casco

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São Paulo

O navio com carga da Vale que encalhou no último dia 24 no Maranhão, próximo ao terminal da Ponta da Madeira, havia desviado da rota do canal de navegação e chegou a atravessar área com profundidade menor que seu calado (parte submersa da embarcação), cerca de 20 minutos antes de encalhar.

O trajeto é registrado através do sinal de satélite emitido pelo navio e disponibilizado online por empresas de monitoramento do tráfego marítimo.

O registro do site Marine Traffic mostra o navio deixando o porto e navegando entre as boias vermelha e verde, que indicam os limites laterais do canal. Aos 42 segundos do vídeo, a embarcação passa a seguir para leste —enquanto as boias, visíveis no canto superior esquerdo da tela, continuam ao norte.

A partir daí, o navio passa por trechos de menor profundidade, indicada pelos números espalhados em toda a tela, e logo depois, aos 48 segundos do vídeo, chega a atravessar um trecho de apenas 20 metros de profundidade —menor que seu calado, de 21,5 metros.

 
Essa passagem acontece por volta de 0h30 do dia 25. Apenas 20 minutos depois, às 0h53, o navio já estava praticamente parado.

Para especialistas ouvidos pela Folha, a travessia por esse último trecho raso pode explicar a avaria no casco, enquanto o desvio do canal sugere que o acidente possa ter sido causado por uma falha humana na avaliação da rota.

“Não dá para saber se o encalhe foi mesmo para salvar o navio ou para gerar uma narrativa que pudesse atenuar a questão da negligência”, diz a engenheira naval Gabriela Joelsas Timerman, diretora da consultoria de navegação marítima Iskra.

“As duas hipóteses principais para esse tipo de acidente são falta de perícia, quando o comandante sai para aquela direção sem a informação sobre a variação de profundidade, ou falha mecânica, como um travamento de leme”, diz o engenheiro naval Felipe Ruggeri, diretor da empresa Argonáutica.

“Como o navio é novo e o comandante não relatou nenhuma falha, o motivo mais provável é que ele tenha mesmo traçado uma rota que não era recomendada”, ele completa.

“Tipicamente, na indústria de petróleo e gás, navega-se com folga de 50% na diferença entre a altura do calado e a profundidade da área. E nunca uma diferença menor que 30%”, diz Ruggeri.

Ele também explica que a recomendação para navios de grande porte é navegar pelo canal sempre que ele estiver disponível, já que ali há mais informação disponível e dados atualizados constantemente.

Apesar disso, o desvio feito pelo Stellar Banner é um atalho comum na região. No mapa de calor gerado pelo site Marine Traffic, a posição em que o navio está encalhado é mostrada nas cores amarelo e verde, indicando uma frequência média no uso do caminho por embarcações. A gradação de cores do mapa parte do vermelho, para as rotas mais usadas, e vai até o azul.

“Não é um lugar trivial para se navegar”, avalia Timerman sobre os desafios geográficos da região, como grandes variações de profundidade e de marés, corrente muito alta e mistura de solos de diferentes rios que desembocam ali.

Apesar disso, a praticagem é facultativa no terminal de Ponta da Madeira, que é o maior do país em volume de carga transportada —sendo responsável por 17% da movimentação de carga no país em 2019, segundo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários.  

A recomendação dos especialistas para evitar acidentes como esse é a criação de uma sala de controle, semelhante às torres de comando dos aeroportos, que monitore a movimentação dos navios em tempo real e faça a comunicação com os comandantes, alertando, por exemplo, sobre um desvio do canal de navegação.

“Os navios obrigatoriamente já têm esses sinalizadores de posicionamento, então a recomendação nada mais é do que uma sala com telas mostrando as movimentações em tempo real”, propõe Timerman.

“Seria algo realmente muito simples de ser articulado com as autoridades marítimas e portuárias da região para garantir a segurança da navegação, de modo que um acidente como esse nunca mais iria acontecer”, ela conclui.

A Folha tentou entrar em contato com a dona do navio, a Polaris Shipping, mas não conseguiu falar com a empresa.

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