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desmatamento

Em vale-tudo do teto de gastos, Amazônia se torna de novo refém

Salles se mostra disposto a fazer uso político da preocupação global com bioma

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São Paulo

Se você se importa, pague o resgate. A lógica dos sequestros passou a servir à gestão do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), conforme ele notou o valor que a opinião pública dá à Amazônia — a qual não era prioridade da sua gestão, avisou de início.

Às 16h54 da sexta-feira (28), o Ministério do Meio Ambiente (MMA) anunciou por nota a suspensão do combate a queimadas e desmatamento na Amazônia, assim como o combate aos incêndios no Pantanal e em todo país, em razão de bloqueio financeiro feito pela Secretaria de Orçamento no Ibama e no ICMBio. Às 20h04, informou que os recursos foram desbloqueados.

Ao contrário do que possa parecer, o bloqueio orçamentário não obriga o MMA a interromper o serviço essencial da fiscalização ambiental.

O ministro podia poupar em atividades menos urgentes, como repasses a prefeituras para encerramento de lixões ou indenizações a proprietários rurais inseridos em unidades de conservação, para os quais se prevê gastar R$ 50 milhões até o fim do ano.

A escolha, porém, foi feita a dedo: “Nas atividades do Ibama serão desmobilizados 77 fiscais, 48 viaturas e 2 helicópteros. No âmbito do ICMBio, serão desmobilizados 324 fiscais, além de 459 brigadistas e 10 aeronaves Air Tractor que atuam no combate às queimadas”, dizia a nota do MMA.

Ao interromper um serviço essencial e de caráter urgente como é a fiscalização ambiental, a escolha de Salles é por escandalizar o país e o mundo, pressionando a opinião pública brasileira e internacional que lhe cobra controle das taxas de desmatamento a concordar com o governo em sua empreitada pela derrubada do teto de gastos.

O argumento do teto de gastos seria plausível se de fato faltassem recursos para o trabalho do MMA. Entretanto a gestão de Salles não tem executado o orçamento da pasta.

Até julho, o Ibama gastou apenas 19% dos R$ 35,5 milhões previstos para conter incêndios florestais. Tampouco foram usados os cerca de R$ 108 milhões repassados pelo Fundo Amazônia antes de a cooperação ser inviabilizada.

As sobras de recursos dão um recado ao Orçamento federal de que os repasses podem ser reduzidos, embora isso não indique eficiência, mas falta de trabalho.

Como a gestão de Salles segue fielmente o projeto de Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão entra em cena como aliado do plano, ainda que apareça em público como um apaziguador das polêmicas em torno da Amazônia.

Vale lembrar que as operações de fiscalização ambiental das Forças Armadas, sob comando de Mourão, não destroem equipamentos. A competência de relações públicas de Mourão é tão bem exercida com os públicos que pressionam pela redução do desmatamento quanto com setores próximos ao governo e que atuam na ilegalidade, como garimpeiros.

Não é a primeira vez que Salles faz de refém a Amazônia e a proteção ambiental dos ecossistemas brasileiros.

Em dezembro, o ministro chocou diplomatas na Conferência de Clima da ONU, a COP-25, ao pedir dinheiro em troca do desbloqueio das negociações. Também defendeu em discursos a monetização dos recursos ambientais.

A estratégia falhou, porque o governo tem inspirado desconfiança na condução da política ambiental.

Há dez anos, a diplomacia brasileira negociava o mecanismo de doações baseadas em resultado, do qual o Fundo Amazônia é o melhor exemplo. Agora, com desmate em franca ascensão e sob incentivo do governo, o pedido de recursos como condição para a conservação da Amazônia soa, para ouvidos brasileiros e internacionais, como sequestro do patrimônio ambiental.

Desta vez, coube a Mourão pagar o resgate. O desbloqueio dos recursos sinaliza que o sequestro político da Amazônia funciona. Para um governo antiambiental em duelos por orçamento, o valor da floresta é servir como refém.

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