Ação de mineradoras no Pará contamina água e prejudica subsistência de caiapós

Impactos ambientais foram atestados pela Funai; empresas Buritirama e Irajá negam responsabilidade

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Maria Fernanda Ribeiro
São Paulo | Repórter Brasil

Há seis anos a terra treme e a poeira sobe na Terra Indígena Kayapó. São os explosivos usados por uma mineradora para detonar rochas de manganês, a 2 km do território indígena, perto de Cumaru do Norte, no Pará. De suas aldeias, os caiapós veem passar os caminhões lotados com o minério, enquanto sofrem com suas terras e rios contaminados.

“As caças fogem com as explosões. O rio agora é só lama. A gente não come mais peixe nem caça; só o que compra no mercado, porque a água tá contaminada e passa doença”, afirma a liderança Kubeí Kayapó, 62. “Dá saudade de comer peixe e de tomar banho no rio.”

O relato de um dos líderes mais antigos na defesa da terra dos caiapós reflete como a fauna, a flora e o modo de vida da etnia vêm sendo prejudicados pela atividade mineradora.

O empreendimento pertence atualmente à Buritirama Mineração (até 2019 era da Mineração Irajá), que possui licença para pesquisar a quantidade de minério existente no local.

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Cerca de 7.000 Kayapó vivem em 19 comunidades e sofrem pressões do garimpo ilegal e de mineradoras há duas décadas, se intensificando desde 2015 - Lucas Landau/Repórter Brasil

O prejuízo socioambiental é apenas um dos problemas dos caiapós com as mineradoras. De acordo com os indígenas e com relatórios da Funai e do Ministério Público Federal, há ao menos outros dois: exploração em área irregular, sem consulta prévia aos caiapós, e criação de uma ‘especulação minerária’ que corrompe indígenas, atrai garimpeiros e traz novos impactos.

A polêmica começou em 2014, quando o Pará concedeu à Irajá uma autorização para lavra experimental, que permite que a empresa extraia o minério do local para testá-lo e vender uma parte no mercado. A área licenciada está na chamada zona de amortização, faixa que impediria os impactos ambientais de chegarem às comunidades.

Em julho de 2019, os caiapós entraram com ação civil pública pedindo indenização por danos materiais, além da suspensão das atividades minerárias. Mas o processo foi extinto pela Justiça, segundo a qual o Instituto Kenourukware Kayapó não tem legitimidade para representar toda a etnia.

Três meses depois, os prejuízos ao território foram confirmados pela Funai. Em relatório de outubro último, o órgão constata alterações na água usada pelos indígenas como fonte de subsistência, ruídos causado pelas máquinas e o afugentamento da fauna.

As violações já haviam sido registradas em relatório do Ministério Público Federal um ano antes, após reunião com 18 caciques caiapós. De acordo com a ata, os indígenas haviam procurado a Funai meses antes e “não obtiveram respostas sobre as explosões da mineração”.

Também foi relatado ao MPF pelos indígenas que “a mineradora não consultou a aldeia sobre os danos ambientais, que entrou destruindo a mata e causando explosões, assustando os animais e que os destroços das explosões afetam a vegetação”.

Questionada pela reportagem, a Irajá afirmou que, nos cinco anos em que pôde explorar o local, nunca realizou atividades dentro do território indígena. E a Buritirama disse que ainda não iniciou as operações no local “e, por esse motivo, não há transporte de minério feito pela Buritirama na região".

O relatório da Funai, contudo, não deixa dúvidas: “Ao visitar a área, foi possível ver que a empresa Buritirama Mineração está operando dentro da poligonal deliberada pelo Departamento de Nacional de Produção Mineral, mas também foi visto atividades minerárias dentro do território indígena, mas não foram encontrados os responsáveis pelo mesmo”.

A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) não informou de quem são os caminhões carregando o minério que passam ao lado das aldeias caiapós.

O flagrante de garimpo na terra indígena feito pelos servidores da Funai é detalhado pelos caiapós: alguns indígenas recebem propina, entre R$ 100 e R$ 300 por caçamba de manganês, para deixar garimpeiros terceirizados entrarem na TI. O minério seria vendido diretamente à empresa de mineração.

Segundo Eliseu, o pagamento corrompe e gera conflitos na comunidade, pois há discordância sobre a exploração do manganês no território. Ele afirma que os indígenas já flagraram e detiveram funcionários da Irajá dentro da TI.

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Área devastada pela atividade de mineração perto da Terra Indígena dos Kayapó, no Pará - Arquivo pessoal/Repórter Brasil

A Irajá não comenta a suposta detenção. A Buritirama afirmou à Repórter Brasil que "não adquire produtos de outras origens e apenas oferta minério extraído e tratado dentro de seus empreendimentos em operação”.

A autorização da Secretaria de Meio Ambiente concedida à Irajá de 2014 a 2019 permitiu que a empresa operasse numa área 3.300 hectares retirando o minério e vendendo uma parte para testar a viabilidade econômica. Entretanto, apesar de a licença autorizar a extração de 12 mil toneladas de manganês, a Irajá relatou ter retirado 46 mil toneladas.

No ano passado, a empresa solicitou mudança de titularidade da área para Buritirama, em uma transação que teria chegado a dezenas de milhões de reais, segundo fonte ligada ao setor.

A exploração de minério em terra indígena é proibida, mas isso pode mudar caso o Congresso aprove um projeto de lei elaborado pelo Executivo, hoje parado no Legislativo.

Além disso, o veto nem sempre é respeitado. A Terra Indígena Kayapó, que abriga cerca de 7.000 pessoas divididas em 19 comunidades, enfrenta o garimpo ilegal há duas décadas.

As consequências são visíveis no ar empoeirado. Somente em 2019, 1.700 hectares foram desmatados em decorrência garimpo ilegal, mostra monitoramento da Rede Xingu+.

A comunidade diz não ter sido consultada sobre as atividades e seus impactos —algo que, segundo o advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Johnatan Razen, é um direito e está previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

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O empreendimento que impacta no território e na vida dos caiapós pertence hoje à Buritirama Mineração, que disputa com a Vale o posto de maior produtora de manganês do país - Arquivo pessoal/Repórter Brasil

“Nunca ninguém, de nenhuma das empresas, veio conversar com a gente. Já tentamos abrir diálogo, mas não há nenhuma relação deles com a gente”, afirma Eliseu Kayapó.

“A gente tem pouco conhecimento sobre os produtos que eles usam, mas sentimos o cheiro da bomba quando explode e vemos a poeira que levanta”, completa Davi Kayapó, liderança indígena, apontando que a exploração se dá nos limites do território.

A consulta pública deveria ter sido feita pela Funai, a pedido da Secretaria de Meio Ambiente, ou, como é comum segundo Razen, solicitada pela empresa. Tanto a Irajá como a Buritirama declararam que o processo é dever da secretaria, que, por sua vez, afirma que “cabe à empresa apresentar um estudo de impacto à Funai”.

A secretaria diz ter comunicado a mineradora e a Funai da proximidade entre o empreendimento e a terra indígena e relata tratar da questão com os responsáveis pelo empreendimento. A Funai não respondeu aos questionamentos da Repórter Brasil.

No primeiro semestre deste ano, o estado exportou 660 mil toneladas de manganês, ou US$ 88 milhões (R$ 470 milhões). O governo Helder Barbalho (MDB) fez da mineração uma de suas prioridades, com promessas de desburocratizar licenciamentos.

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