Descrição de chapéu pantanal

Banhistas e pescadores esportivos convivem com fogo no Pantanal

Chamas de queimadas históricas assustam, mas não demovem turistas nem de fazer selfies

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Pantanal (MT)

Era perto das 9h da manhã quando a família do funcionário público Álvaro Lima chegou ao córrego Mutum, no município de Santo Antônio do Leverger. Na estrada, atravessaram dezenas de quilômetros de áreas queimadas e se desviaram de árvores e até de um poste derrubados pelo fogo.

Duas horas depois, as chamas, que já consumiram cerca de 20% do Pantanal, alcançaram a margem oposta. Mas nem a família Lima nem os demais banhistas, cerca de 20 moradores da região, arredaram o pé dali.

“Tentamos chegar perto do fogo, mas, quando vimos a extensão, sem material para apagar, ficamos só assistindo daqui”, disse Lima, 59, no final da manhã do último 19, um sábado, enquanto alternava mergulhos no riacho e o preparativo do churrasco.

Homem alimenta bezerros
Funcionário cuida de bezerros feridos pelo fogo de incêndio no Pantanal - Lalo de Almeida/ Folhapress

De tempos em tempos, uma lufada de vento e o calor em ascensão alimentavam as chamas e geravam apreensão nos banhistas, que ouviam o crepitar da vegetação queimando misturado ao barulho da corredeira. No céu, nenhuma nesga de azul, apenas a cor cinza da fumaça onipresente.

Pouco depois do meio-dia, o inevitável aconteceu. Uma faísca atravessou o córrego e caiu em uma palmeira próxima do local de piquenique. Uma palha seca se incendiou, caiu no chão e esparramou o fogo na vegetação seca.

Todos se arrumaram e correram para os carros, estacionados ali perto. Alguns foram embora. Outros, incluindo a família Lima, controlaram os nervos, moveram os automóveis algumas dezenas de metros adiante e voltaram para o banho de rio.

“Vamos ficar aqui até mais tarde. Viajamos longe, 140 km, com filho, esposa. Vamos aproveitar, é só mudar de lugar”, disse Lima, passado o susto, já no início da tarde.

Do outro lado do córrego, oito funcionários da vizinha usina hidrelétrica Mantovilis apareceram na mata combatendo o fogo, usando galhos de árvore como abafadores.

Alguns banhistas se dispuseram a ajudar. Com garrafas plásticas cortadas ao meio, pegavam água do córrego e jogavam nas chamas.

O esforço quixotesco ajudou a controlar o avanço do incêndio. O fogo acalmou, todos banhistas voltaram para o riacho, e os funcionários foram para uma nova frente.

Lima diz que sempre há queimadas na região, feitas por fazendeiros e ribeirinhos, mas desta vez foi diferente. “Neste ano, não teve controle nenhum”, afirma.

“Na estrada, tinha um pântano, você via mais de mil capivaras ali juntas. Filmava, tirava fotos. Hoje, sumiu com a sequidão, a falta de chuva. O pântano não tem água, não tem bicho.”

Dias antes, na rodovia Transpantaneira, um ônibus com 21 pescadores esportivos de Minas Gerais esperava brigadistas do ICMBio controlar o fogo em uma das pontes.

Com latas de cerveja na mão, os pescadores, todos homens, desceram do ônibus para avaliar se a precária estrutura de madeira aguentaria o veículo carregado com barcos, tralha de pesca, comida e bebida. Alguns tiraram selfies tentando enquadrar as chamas e os brigadistas.

“Não vimos notícia nenhuma”, disse o pescador Sérgio Fonseca, sobre o incêndio, enquanto caminhava pela ponte. Veterano na região, ele apresenta o programa “O Bom da Pesca”, em uma TV de Divinópolis (MG). “Estou chocado, chocado. Pensa no que morreu nisso aí.”

O ônibus acabou cruzando a ponte e chegou a Porto Jofre, mas a viagem não saiu como o planejado. Em vez de seis dias, os pescadores anteciparam a volta em dois dias devido ao cenário desolador.

“No primeiro dia de pesca, a gente nem saiu pro rio, pois não conseguia enxergar dez metros à frente, sem contar o ardume nos olhos, a dificuldade em respirar”, disse Fonseca, via WhatsApp, já de volta em casa.

“Levei comigo, pela primeira vez, meu filho de 15 anos. Até chegar ao Pantanal, a 1.900 km de nossa casa, fui falando das belezas naturais, de como é bonito o Pantanal. E o cenário que a gente encontrou foi totalmente diferente. A gente chegou a ver bichos com parte do corpo queimado. Aquelas lindas araras-azuis estavam pretas.”

Antes do incêndio, os 150 km da Transpantaneira, entre Poconé e Porto Jofre, eram um passeio turístico em si. A rodovia, cercada de água e verde, funcionava como um safári para ver jacarés, capivaras, veados e tuiuiús.

Em meados de setembro, das 108 pontes, 60 cruzavam o chão seco, 31 tinham água e 17 estavam quase secas.

Ainda era possível ver animais, mas em situação precária: jacarés em corixos reduzidos, lontras isoladas em pequenas poças ou correndo na estrada. Vários animais foram resgatados com patas queimadas ou exaustos pela sede e pela falta de comida.

O incêndio adiou a retomada do turismo no Pantanal mato-grossense, paralisado desde março por causa da epidemia do novo coronavírus. O reinício pode acontecer em breve. Após quase ser atingido pelo fogo, o hotel Sesc Porto Cercado, o maior da região, planeja reabrir em 9 de outubro.

Os repórteres Fabiano Maisonnave e Lalo de Almeida viajaram ao Pantanal com o patrocínio da iniciativa ObservaMT.

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