Jovens portugueses processam países europeus devido ao aquecimento global

Resultado de ação no Tribunal Europeu de Direitos Humanos pode forçar decisões mais ambiciosas contra emissões de gases do efeito estufa

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Lisboa

Após enfrentarem verões com temperaturas recordes e presenciarem uma série de incêndios florestais perto de casa, um grupo de seis jovens portugueses decidiu processar formalmente 33 países europeus devido ao aquecimento global.

Com o apoio de uma organização não governamental e mais de R$ 187 mil obtidos em um financiamento coletivo, o grupo apresentou queixa a uma das mais altas instâncias legais do continente, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

É a primeira vez que um caso de alterações climáticas chega até esta corte. Uma decisão favorável aos jovens portugueses teria poder vinculante e acabaria por obrigar que os países tomassem medidas mais ambiciosas para cortar emissões de gases do efeito estufa.

O processo diz respeito às emissões de gases do efeito estufa que os países têm dentro de suas fronteiras e aborda também o impacto causado por elas na vida dos habitantes de outras partes do mundo.

São alvos da ação todos os países 27 países da União Europeia, além de Reino Unido, Noruega, Suíça, Rússia, Ucrânia e Turquia.

“Resolvi participar porque as alterações climáticas são a maior ameaça ao meu futuro e ao futuro da minha geração”, disse Cláudia Agostinho, 21, estudante de enfermagem e uma das autoras da ação.

A jovem nasceu e cresceu na região de Leiria, cuja floresta de pinhais foi devastada durante a onda de incêndios florestais que fizeram mais de cem mortos em Portugal em 2017.

Pinhal de Leiria, reserva florestal destruída pelos incêndios que atingiram a região central de Portugal em 2017; foto aérea mostra grande descampado com restos de árvores, tudo marrom e seco
Pinhal de Leiria, reserva florestal destruída pelos incêndios que atingiram a região central de Portugal em 2017 - Lalo de Almeida - 10.nov.17/Folhapress


“Foi avassalador ver como as florestas, onde normalmente adoro estar, de repente se tornaram locais extremamente perigosos. Nesse momento [o incêndio de 2017], percebi claramente que as alterações climáticas estão a fazer do mundo um lugar cada vez mais perigoso. E que a minha geração está cada vez mais vulnerável e sem perspectivas de futuro”, afirmou ela, em uma chamada de vídeo durante o lançamento público da ação.

Também de Leiria, Catarina Mota, 20, se diz preocupada com o futuro em um mundo assolado pelas mudanças climáticas.

“Vivo com a sensação de que todos os anos a minha casa se torna o lugar mais hostil. Tenho consciência de que, à medida que envelhecer, serei exposta a ondas de calor que podem durar várias semanas. E isto assusta-me imenso”, disse.

Além delas, outros dois jovens de Leiria assinam a ação: Martim, 17, e Mariana Agostinho, 8, a mais nova do grupo.

Completam a ação os irmãos Sofia, 15, e André Oliveira, 12, moradores de Lisboa.

Diretor da ONG britânica Glan (Global Legal Action Network), que está movendo a ação para os jovens, o advogado Gearóid Ó Cuinn afirma que o caso é sólido e recheado de evidências científicas para responsabilizar os 33 países acusados.

O objetivo principal, segundo ele, é conseguir uma decisão vinculante que obrigue os países a tomarem medidas mais ambiciosas contra as mudanças climáticas.

“Outro ponto importante neste caso é que nós estamos pedindo que os países também assumam responsabilidades por suas contribuições nas emissões no exterior, e não apenas nas que ocorram diretamente dentro de suas fronteiras. Isso significa contar a exportação de combustíveis fósseis e também a importação de bens produzidos em países como a China, que são intensivos na emissão de carbono”, completa Ó Cuinn.

Países no banco dos réus

Nos últimos anos, tem havido um movimento crescente de processos contra países e empresas por conta dos efeitos do aquecimento global.

Segundo o diretor da Glan, recorrer aos tribunais é o último recurso diante da falta de ação de muitos governos.

Uma pesquisa do Instituto Gratham, da London School of Economics, indica que, em 2019, houve processos relacionados às mudanças climáticas em pelo menos 28 países.

Embora a maior parte das ações ainda se concentre nas cortes dos Estados Unidos, há cada vez mais iniciativas em outras partes do mundo.

Na Europa, uma das de mais destaque aconteceu na Holanda. Em 2019, após um processo, a Suprema Corte do país decidiu que era dever nacional reduzir mais rapidamente as emissões de carbono nacionais.

Em abril, o governo holandês anunciou metas mais ambiciosas e planos de redução de emissões.

Outro caso midiático envolve o Brasil e a ativista Greta Thunberg, 17.

A adolescente sueca faz parte de um grupo de 16 jovens que entrou com uma queixa na ONU contra Brasil, Alemanha, Argentina, França e Turquia. As nações, que estão entre as maiores poluidoras do mundo, são acusadas de violarem os direitos infantis no âmbito da Convenção dos Direitos da Criança, assinada há três décadas.

No caso do atual processo movido pelos jovens portugueses, especialistas em direito internacional apontam um possível empecilho: as regras dizem que, para que um caso chegue ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, é preciso que os autores da ação tenham esgotado os recursos nos tribunais domésticos.

Ou seja: isso representaria a necessidade de entrar, primeiro, com processos nas cortes locais dos 33 países.

O diretor da Glan, Gearóid Ó Cuinn, afirma que o caso foi construído já tendo como premissa pedir à corte uma exceção a essa exigência.

“Essas crianças têm sido diretamente prejudicadas pelas emissões de outros países. Os incêndios florestais, as ondas de calor realmente intensas e outras coisas só vão piorar. Como crianças portuguesas, a ideia de que elas poderiam recorrer às cortes locais de todos esses outros países e lá entrar com ações judiciais não é prática. E esta é uma situação em que a corte permitiria uma exceção para essas crianças pularem este primeiro passo”, afirma.
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