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desmatamento

De quem é a culpa pelas tragédias no Pantanal e na Amazônia?

Estiagem e alta temperatura favorecem queimadas, mas crise climática resulta de décadas de negligência

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Santo Antônio do Pinhal (SP)

Nesta semana o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) emitiu um aviso sinistro sobre a onda de calor que assola a região central do Brasil: temperaturas 5ºC acima da média por cinco dias seguidos aumentaram o risco de morte para o nível de “grande perigo”.

O brasileiro já vinha assistindo, semanas e meses a fio, a imagens de incêndios florestais fora de controle em boa parte do Pantanal e áreas destacadas do cerrado. Na Califórnia também ardem as florestas, mas a repetição do desastre, a cada ano, não atrai mais tanta atenção.

Se não é a Califórnia, é a Austrália. Se não é a Austrália, a Sibéria. Se não a Sibéria, Portugal. Ou Espanha. Grécia. Agora, o Pantanal.

Donald Trump e Jair Bolsonaro, que chegaram aonde chegaram menosprezando a crise do clima e a preservação ambiental, gostam de atribuir queimadas a causas naturais. Estiagens prolongadas ressecam a vegetação, que pega fogo com qualquer raio.

Quando admitem responsabilidade humana, apontam o dedo para adversários. Trump acusa governadores democratas da Costa Oeste de impedir queimadas controladas para eliminar matéria seca que se acumula no chão —capim, galhos e folhas— e se inflama com facilidade.

Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, já tentou inculpar ambientalistas com o mesmo argumento, sem sucesso. Bolsonaro foi mais direto e acusou organizações não governamentais de pôr fogo na floresta —sem provas e sem lógica.

A Polícia Federal chegou a quatro pecuaristas causadores de queimadas não autorizadas que se propagaram pelo Pantanal, uma das maiores planícies alagáveis do planeta. Na Califórnia, 97% dos incêndios são causados por ação humana.

Não resta dúvida de que a mudança de condições atmosféricas favorece e realimenta o inferno de fogo. Na Califórnia, a temperatura média do ar já subiu 1,7ºC nas últimas décadas. A perda de chuvas e neve aumentou em 84 dias, desde 1970, a época anual propícia a incêndios.

O Pantanal enfrenta em 2020 uma das piores secas da história. Negacionistas se apressarão a dizer que é da natureza do clima mudar e que não há por que excluir esse ponto fora da curva de sua margem natural de variabilidade.

Fica mais e mais evidente que se trata de uma recusa a enxergar a realidade. A década de 2011 a 2020 é a mais quente registrada no planeta desde a Revolução Industrial, e este ano concorre para bater o recorde de... 2016.

O gelo que cobre o oceano Ártico reduziu-se à segunda menor área no mês passado, perdendo só para 2012. Em maio, a Sibéria registrou temperaturas 10ºC acima do normal.


Não foi por falta de aviso da ciência que a política ignorou os sinais claros de uma transformação alarmante dos padrões climáticos da Terra. Eventos extremos cada vez mais frequentes —derretimento das calotas polares, elevação do nível do mar, furacões mais intensos, secas e ondas de calor mortíferas—foram previstos e estão sendo observados.

Seis relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC, na sigla em inglês) alertaram para a necessidade de diminuir a queima de combustíveis fósseis (carvão e petróleo, principalmente) e de conter o aquecimento global no máximo em 2ºC, de preferência 1,5ºC. Metade (1ºC) já foi.

O Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) projetou o que deve acontecer em cada bioma do país. No Pantanal, estima que até 2040 o calor aumentará em 1ºC e as chuvas se reduzirão entre 10% e 25%; em 50 anos, a temperatura pode subir de 2,5ºC a 3ºC.

Na Amazônia, até 2070 a precipitação pode recuar 25% a 30%, e os termômetros subirem de 3ºC a 3,5ºC. Somando o impacto do aquecimento global com o desmatamento que voltou a crescer, a maior floresta tropical do mundo pode entrar em colapso, processo que especialistas chamam de “dieback”.

O cenário é por vezes descrito como savanização, com a mata amazônica derivando para uma formação florestal mais aberta, arbustiva. Isso implicaria perda de muitas espécies, hoje adaptadas à floresta chuvosa, e um possível desligamento dos “rios voadores” que levam chuvas para o Sudeste e o Centro-Oeste (Pantanal incluído).

Enquanto negacionistas negam, a ciência avança. Nesta segunda-feira (5), o periódico Nature Communications trouxe estudo de pesquisadores da Holanda, Suécia e Alemanha prevendo que 40% da Amazônia podem se tornar mais parecidas com uma savana até o final do século.

Políticos conservadores recusam precauções ambientais inspirados pela noção bíblica de que a natureza foi presenteada à humanidade para desfrutar e explorar. Ao mesmo tempo, negam que seres humanos tenham o poder de influenciar o destino físico do planeta, para destruí-lo ou salvá-lo, portento que só estaria ao alcance da divindade.

Paranoia, fatalismo e inércia se amalgamam na convicção de que o alarme com as mudanças climáticas e com a devastação da Amazônia e do Pantanal —ou da mata atlântica, do cerrado, de Abrolhos...— tem origem ideológica ou conspiracional. Em poucas palavras, serviria ao propósito de impedir o desenvolvimento do país.

Tal maneira de pensar perdeu apoio na sociedade e no cenário internacional, mas continua viva entre militares brasileiros. É o que inspira a guerra de difamação movida pelo presidente Jair Bolsonaro e pelo vice Hamilton Mourão contra o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e as ONGs que confiam nos dados de queimadas e desmatamento.

Os focos de fogo detectados por satélites no Pantanal em 2020, em pouco mais de nove meses, estão na casa de 20 mil (o triplo de 2019). No pior ano desde 1998, o Inpe registrou 11.644 focos (2005) —e isso num período de 12 meses.

Nunca se viu tanto fogo por ali, e um quarto do bioma foi incinerado. Mesmo assim, o presidente vai à ONU mentir ao mundo que queimadas são um fenômeno cultural, prática comum entre indígenas e ribeirinhos.

No primeiro ano de seu governo, o desmatamento na Amazônia progrediu 34% e ultrapassou 10 mil km2 (meio Sergipe). Neste ano, quando o dado anual do Inpe for publicado (sistema Prodes), dá-se como certo de que poderá ultrapassar 13 mil km2.

Mourão prefere destacar que vêm caindo desde julho os alertas de desmatamento de outro sistema do Inpe (Deter). O vice omite, convenientemente, que esses três meses foram também vice-campeões em número de alertas, perdendo só para os mesmos três meses de 2019, o primeiro ano do capitão e do general no poder.


Os desastres ambientais que assolam o Brasil são tanto resultado das mudanças climáticas (que favorecem queimadas e colapso da floresta) quanto fatores a agravá-las (o carbono emitido em sua destruição realimenta o aquecimento global).

Por sua ação e omissão, os homens estão queimando o futuro do planeta. Mas é a irresponsabilidade dos homens no poder que dificulta apagar os incêndios.

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