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Post acusa, sem prova, MST de ter relação com queimada na Amazônia e no Pantanal

Texto também erra ao afirmar que ONGs e indígenas teriam envolvimento em crimes ambientais

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São Paulo

É falso um texto disseminado via redes sociais segundo o qual João Pedro Stédile, um dos fundadores do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), teria relação com incêndios no Pantanal. A postagem afirma que a PF (Polícia Federal) investiga, além do MST, ONGs pela autoria de queimadas. A PF não comenta casos em andamento, mas informou que todas suas operações deflagradas envolvendo casos recentes na Amazônia e no Pantanal estão no site oficial da entidade. Em consulta ao site, o Comprova não encontrou menções ao MST ou a Stédile no que diz respeito aos incêndios nesses dois biomas.

O post menciona, ainda, que há detidos na Amazônia, e que ONGs e tribos indígenas teriam envolvimento em possíveis crimes ambientais. Essas informações também não são verdadeiras. A peça também pontua que Stédile vive na Venezuela, o que não é verdade, e classifica o líder do movimento como terrorista –acusação imprópria juridicamente neste caso, conforme especialista.

No centro da foto, uma árvore ao longe; foto é em tons de marrom, mostra fumaça das queimadas no Pantanal
Paisagem coberta pela fumaça das queimadas no Pantanal - Lalo de Almeida/Folhapress

A autoria do material é atribuída a um general da reserva do Exército. Ao Comprova, ele confirmou que postou o conteúdo no Facebook após receber pelo WhatsApp, mas não sabe sua origem. “Compartilhei como recebi. Não sei qual é a fonte”, disse ele. A página que divulgou o material verificado aqui foi acionada, mas não retornou o contato.

De onde vem?

Em 28 de setembro, a página “General Mourão - Eu Apoio” fez uma publicação com o título: “Polícia Federal na cola de João Pedro Stédile do MST”. Nela, o texto é acompanhado por uma montagem que traz o rosto do economista à frente do Movimento Sem Terra com aplicações de desenho que aludem a chamas. O conteúdo é atribuído ao general da reserva Paulo Chagas, que divulgou o material no mesmo dia, pela manhã, às 9h02.

Contatado via WhatsApp, o militar retornou dizendo que apenas compartilhou o material. “Não sei qual é a fonte. Recebi em um grupo de Zap e compartilhei no FB”, afirmou.

A possível origem das acusações contra o integrante da direção do MST é uma peça anterior que o acusava de ter declarado que o movimento estaria disposto a “incendiar o Brasil para derrubar Bolsonaro”. Em 21 de setembro, a Agência Lupa mostrou que a frase não foi encontrada em nenhuma entrevista concedida por Stédile, nas redes sociais do MST ou no site oficial do movimento.

O mesmo tema foi objeto de análise do Boatos.org, que destacou que a mensagem se baseia em uma informação sem comprovação: a de que o MST seria responsável pelos incêndios no Pantanal.

O texto da publicação analisada também apareceu seis dias antes, em 22 de setembro, em um blog e, um dia depois, em 23 de setembro, em uma série de postagens no Twitter, com link para um grupo fechado de Facebook chamado “Grupo Elas e Eles com Bolsonaro”.

Stédile terrorista?

A postagem verificada aqui também classifica João Pedro Stédile como “terrorista” ao culpá-lo por queimadas no Pantanal. O Comprova consultou o professor de Processo Penal no curso de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Matheus Felipe de Castro para saber se o fundador do MST poderia ser considerado terrorista segundo a lei brasileira.

Foto mostra João Pedro Stédile, um dos principais líderes do MST, olhando de lado. Ele está de camisa com listras azul e branca. Atrás dele, está o nome "Lula" em letras grandes, em amarelo e fundo preto
João Pedro Stédile, um dos principais líderes do MST - Marlene Bergamo/Folhapress

O professor apontou que a chamada Lei Antiterrorismo define o que é considerado terrorismo no país, como a prática de atos “por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião”. Essa mesma lei diz, no entanto, que isso “não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais”, entre outros.

Para o advogado, seria impróprio pela tipificação penal brasileira chamar o líder de um movimento social de terrorista mesmo se houvesse suspeita de um incêndio, por exemplo, já que este crime possui outra legislação específica.

“Não estou dizendo que um movimento social não poderia começar a praticar o terrorismo, mas você precisaria ter totalmente caracterizado o ato de terrorismo, com razões de xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião. E nenhuma dessas razões é mencionada naquele artigo (objeto desta verificação). Ele simplesmente diz que a Polícia Federal o investiga [a Stédile] por incêndio no Pantanal e já o chama de terrorista. Só como está colocado ali, é uma utilização indevida e sensacionalista, que não está baseada na legislação” afirmou, em entrevista por telefone.

Na Câmara e no Senado existem projetos de lei que tentam incluir movimentos sociais entre os grupos enquadrados na Lei Antiterrorismo, mas nenhum deles já foi, ou está em vias de ser, aprovado. As situações dos projetos foram consultadas no site das duas Casas.

Questionada sobre investigações contra João Pedro Stédile e se alguma poderia ser tipificada como terrorismo, a PF respondeu que “não se manifesta sobre nomes de investigados, tampouco sobre eventuais investigações em andamento”.

Stédile mora na Venezuela?

A assessoria de comunicação do MST informou que Stédile não mora na Venezuela, como pontua o material verificado, mas, sim, no Brasil. Também reafirmou que ele não ameaçou “incendiar o Brasil” em caso de vitória de Bolsonaro.

Stédile também aparece como membro em situação regular de filiação ao PT em Cachoeirinha, no Rio Grande do Sul.

Verificação

Em sua terceira fase, o Comprova verifica postagens suspeitas que tenham viralizado nas redes sociais que tenham ligação com políticas públicas do governo federal ou com a pandemia do novo coronavírus. É o caso do post verificado aqui.

O Brasil padece de uma série de problemas ambientais, principalmente em decorrência das queimadas que consomem a Amazônia e o Pantanal. Os 14 dias de setembro deste ano já registraram mais focos de incêndio na floresta amazônica do que em todo o mesmo mês no ano passado. Já o Pantanal —apontado como maior planície alagada do Planeta e com um bioma que cobre Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bolívia e Paraguai— é vítima de um dos maiores incêndios da história.

O post divulgado pela página “General Mourão - Eu Apoio” teve mais de 2,5 mil interações no Facebook até 30 de setembro.

Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

A investigação desse conteúdo foi feita por GZH e NSC e publicada na quinta-feira (1) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por Folha, UOL,  Jornal do Commercio, Estadão, Correio e A Gazeta.

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