Descrição de chapéu pantanal

Secretarias de Meio Ambiente de MT e MS refutam tese de 'boi bombeiro' no Pantanal

Dados do IBGE e do Inpe também derrubam ideia de que expansão da pecuária ajudaria a reduzir queimadas

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São Paulo

Os ministros Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Tereza Cristina (Agricultura) têm defendido que o Pantanal tenha mais atividade pecuária porque, assim, os bois poderiam ajudar na prevenção de queimadas —os chamados “bois bombeiros".

No entanto, as próprias secretarias de Meio Ambiente dos estados pantaneiros apontam que a boiada não só não previne como está associada à ocorrência de fogo. Dados comparativos da quantidade de bois e de queimadas no bioma apontam na mesma direção.

Ao cruzar os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de rebanhos bovinos com os focos de queimadas, que são registrados pelo Programa Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), vê-se o oposto do apontado pelos ministros.

O tamanho dos rebanhos nos municípios do Pantanal está associado positivamente com a quantidade de focos de fogo registrados, apontam dados de 2018 (os mais recentes do IBGE quanto ao tamanho do rebanho brasileiro). Ou seja, de forma geral, municípios com mais gado costumam ter mais fogo.

A correlação já derruba a hipótese do boi bombeiro, afirma Ubirajara Oliveira, pesquisador do centro de sensoriamento remoto da UFMG e um dos responsáveis pelo cruzamento dos dados.

Além disso, a documentação existente sobre as ligações de desmatamento, fogo e agronegócio afasta a figura do boi bombeiro da realidade brasileira.

E a observação não vale apenas para o Pantanal. Segundo Oliveira, a mesma associação entre focos de fogo e número de bois no rebanho do município foi verificada na Amazônia.

“A princípio , parece até uma ideia plausível. Podemos pensar que o boi vai consumir a biomassa e isso poderia reduzir a chance de grandes incêndios, mas o que soa estranho é que o fogo muitas vezes está associado a propriedades rurais, como queima de pasto”, diz Oliveira. “Cruzando esses dados vimos que há uma relação positiva e bastante forte.”

Como a análise usa dados gerais (referentes a municípios inteiros), a associação não indica necessariamente a existência de “bois incendiários”, ou seja, que criação de gado é a responsável direta pelas queimadas.

Os dados mais recentes do IBGE (2018) apontam ainda para uma pequena redução no número total de bois no bioma, a qual está associada a um crescimento no abate e ao recorde de exportação naquele ano. No Centro-Oeste, a redução foi somente de 0,4%. Salles afirmou que “vem havendo naquela região [Mato Grosso] uma perseguição muito grande contra os pecuaristas. Resultado: diminui o gado, aumenta a quantidade de capim e de mato".

Mato Grosso concentra 14% do rebanho nacional, e, no ranking de cidades com maior quantidade de gado, Corumbá e Ribas do Rio Pardo, as duas no Mato Grosso do Sul, ocupam o segundo e terceiro lugares, respectivamente.

Questionada sobre uma possível ligação entre o nível de queimadas atuais no Pantanal e o tamanho dos rebanhos de gado no estado, a Secretaria de Meio Ambiente d Mato Grosso afastou a possibilidade.

“Vemos que os incêndios de 2020 estão relacionados à seca severa que estamos vivenciando”, disse, em nota.

Jaime Verruck, secretário da Semagro (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento Econômico e Produção e Agricultura Familiar), de Mato Grosso do Sul, afirma que a correlação entre mais bois e menos incêndios não existe.

A ideia do boi bombeiro, de que diminuíram os bois, comeu menos, então pegou mais fogo, eu acho que é muito simplista”, diz Verruck.

Apesar disso, o secretário destaca o papel essencial de turismo e do gado para a região do Pantanal. “O boi tem um papel fundamental sob o ponto de vista da atividade econômica”, diz Verruck.

Salles também afirmou que uma suposta redução de queimadas em anos anteriores teria levado a um acúmulo de matéria orgânica e incêndios maiores em 2020.

Os dados do Inpe, contudo, contradizem o ministro. Os anos de 2019, 2017 e 2016 tiveram números de queimadas próximos à média histórica do bioma. Somente 2018 teve registro abaixo da média.

Além disso, os períodos proibitivos de uso de fogo no bioma servem exatamente para evitar incêndios de grandes proporções como os vistos em 2020.

“O período proibitivo é determinado para os meses de estiagem, pois já é sabido que em todos os anos os focos de calor se concentram nos meses de julho, agosto e setembro. A seca e os ventos fortes da estação tornam o cenário mais propício à propagação de grandes incêndios florestais”, afirma, em nota, a secretaria do Mato Grosso.

Verruck destaca que, sem autorização pelo órgão ambiental, as queimadas são proibidas. Contudo, o secretário afirma que, de fato, faltam políticas de fogo frio, um dos expedientes defendidos por Salles, no qual as próprias autoridades definem locais prioritários para aplicação do fogo de forma preventiva.

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