Descrição de chapéu pantanal

Disputas na comissão do Senado sobre queimadas sepultam plano para o Pantanal

Relatório final defende tese do 'boi bombeiro' e aponta necessidade de brigadas permanentes

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Brasília

Enquanto o Pantanal era consumido por chamas, senadores reunidos na comissão que acompanhava as ações de combate às queimadas apostavam na elaboração de um estatuto para o bioma para evitar novas tragédias ambientais. No entanto, uma disputa que separou parlamentares de Mato Grosso e de Mato Grosso do Sul terminou por sepultar a iniciativa.

Uma nova proposta de estatuto virou um projeto de lei, de autoria do presidente da comissão, senador Wellington Fagundes (PL-MT), mas agora vai precisar percorrer os trâmites usuais do Legislativo, sem a pressão do momento provocada pela opinião pública diante da morte de animais exóticos e da perda da vegetação nativa.

Funcionários monitoram um acero na tentativa de controlar um foco de incêndio na fazenda Santa Tereza, na Serra do Amolar, no Pantanal de Mato Grosso do Sul
Funcionários monitoram um acero na tentativa de controlar um foco de incêndio na fazenda Santa Tereza, na Serra do Amolar, no Pantanal de Mato Grosso do Sul - Lalo de Almeida - 4.out.20/Folhapress

Sem um estatuto para apresentar, o relatório final da comissão apontou a necessidade de uma brigada permanente no Pantanal para combater os incêndios e encampou a tese do “boi bombeiro”.

As queimadas destruíram uma área de 40,1 mil km² do Pantanal, o que corresponde a mais de um quarto do bioma. Especialistas estimam que pode levar cinco décadas para a recuperação da vegetação.

A situação ainda pode se agravar nos próximos anos, uma vez que a Secretaria Nacional de Defesa Civil —em participação de audiência da própria comissão— estima que a seca severa pode durar cinco anos.

No calor do momento, foram montadas duas comissões no Congresso para acompanhar as ações de enfrentamento do governo federal e também para apurar as causas das queimadas recordes. Na Câmara dos Deputados, a oposição tomou a frente dos trabalhos, mantendo um tom crítico ao governo, buscando apontar culpados.

Por outro lado, a comissão do Senado era considerada mais “amigável” e não à toa teve a participação dos principais ministros relacionados com o tema. Os trabalhos então adotaram um tom mais propositivo e, nesse contexto, a elaboração de um estatuto para o bioma se tornou a missão dos senadores.

A resistência à elaboração do estatuto começou de maneira isolada com a senadora Soraya Thronicke (PSL-MS). A parlamentar, ligada ao setor do agronegócio, defendeu que o estado de Mato Grosso do Sul já possuía uma legislação de preservação do Pantanal.

“O Mato Grosso do Sul tem o seu estatuto do Pantanal, que ficou substanciado em decreto”, afirma, em referência ao decreto que regulamentou no estado o Código Florestal.

“Para sair esse decreto, foi muito difícil na época, porque principalmente os produtores rurais tiveram que aceitar preservar, além dos 20% que já tinham que preservar, mais 30%. Então você imagina o que é ter o patrimônio e poder usar 50% dele. Então foi muito discutido, doído, muito tempo de discussão. Você sabe a novela que é para que o brasileiro consiga produzir”, disse.

“Como eu trabalho muito ligada ao agro, e é o agro de todo tamanho que você pode imaginar, do pequeno produtor. Não é aquela questão do produtor rural grande que é contra isso. Não estou aqui fazendo lobby, jamais para um setor. Eu recebi a posição contrária de todos”, completou.

O presidente da comissão, senador Wellington Fagundes (PL-MT) reconhece que seu estado está atrasado em estabelecer uma regulamentação do Código Florestal, referente ao Pantanal, mas afirma que seria possível estabelecer um estatuto geral para o bioma, com normas genéricas, propostas de educação ambiental, entre outros pontos.

“O estatuto do Pantanal que nós estávamos propondo era apenas uma legislação norteadora, não era específica em nada. O Mato Grosso do Sul tem medo de que a gente vá fazer uma coisa para prejudicar aquilo que eles já avançaram”, afirmou.

Ao término dos trabalhos, os opositores a um estatuto já eram maioria. Fagundes, portanto, usou a minuta elaborada e apresentou como um projeto de lei de autoria individual.

Na ausência do estatuto, um dos principais pontos do relatório final do senador Nelsinho Trad (PSD-MS) é a recomendação para o estabelecimento de uma brigada permanente para combater os incêndios.

O documento se abstém de fazer críticas à morosidade do governo federal nesse aspecto, apesar do presidente do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis), Eduardo Fortunato Bim, ter reconhecido em audiência na comissão que a contratação dos brigadistas foi feita com atraso.

Apenas cita, em relação a fatores humanos, a “falta de ações preventivas e de manutenção nas faixas de domínio”.

Os brigadistas normalmente são contratados a partir do mês de abril, para receberem treinamento e estarem em campo no início da temporada de seca. Neste ano, no entanto, as contratações só foram concluídas no fim de julho, quando as queimadas já consumiam boa parte do bioma.

“A gente teve um revés neste ano, por causa da pandemia. Isso atrasou um pouco e tivemos um pouco perda do treinamento preventivo, uma prática que a gente faz todo ano”, disse o presidente do órgão.

O documento então elenca a necessidade de brigadas permanentes, que já estejam em campo para atuar no início das queimadas. Além disso, aponta como fundamental a existência de reservatórios, uma vez que uma das dificuldades enfrentadas para combater os incêndios neste ano foi levar equipes e água para locais de difícil acesso.

“A dificuldade de acesso à água e a insuficiência de pessoal, de veículos e de equipamentos foram fatores que dificultaram o controle da propagação do fogo no Pantanal. Por isso, é fundamental que a União possua brigadas permanentes de incêndio, devidamente equipadas, e reservatórios de água seguros para proteger esse patrimônio de todos os brasileiros que é o Pantanal”, afirma o documento.

O relatório final dá grande peso para a questão climática como a principal causa das queimadas históricas do bioma. No entanto, o texto também aponta como fator que ajudou a propagar as queimadas a redução da atividade de pecuária na região.

Ou seja, sem mencionar o nome, o documento corrobora a polêmica tese do “boi bombeiro”, defendida na comissão pelos ministros da Agricultura, Tereza Cristina, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A tese defende que o gado consome a biomassa, que ajuda a propagar o foco. Especialistas questionam essa relação de causa e consequência.

“Portanto, apesar da ocorrência de incêndios florestais e queimadas estar fortemente relacionada às condições climáticas, áreas de campo não pastoreadas, com o acúmulo da biomassa do capim, constituem material de alta combustão que contribuem de maneira expressiva para ocasionar incêndios”, afirma o texto.

Ao participar de audiência da comissão, no dia 9 de outubro, Tereza Cristina disse que "aconteceu um desastre porque nós tínhamos muita matéria orgânica seca, e, talvez, se nós tivéssemos um pouco mais de gado no Pantanal, teria sido um desastre até menor do que o que nós tivemos neste ano”.

O documento também recomenda o uso do fogo controlado, uma técnica eficiente quando usada pelos órgãos ambientais. Mas, especialistas apontam que pode ter efeito contrário, se a prática acabar liberada indiscriminadamente para os agricultores.

Outros pontos defendidos pelo relatório é a criação de um Conselho do Pantanal e de um Fundo de financiamento para o bioma, dois mecanismos já existentes em relação à Amazônia.

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