Incentivado pelo 'senador da cueca', garimpo ilegal emporcalha cachoeiras em terra indígena de RR

Líder indígena diz que Exército não toma medidas contra os garimpeiros no local

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Manaus

A explosão do garimpo ilegal na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (TIRSS) encheu de rejeitos cachoeiras próximas de Uiramutã, sede do 6º Pelotão de Fronteira do Exército. A região é um dos principais pontos turísticos de Roraima.

Fotos tiradas no final de janeiro, cuja veracidade foi confirmada pela reportagem da Folha, mostram as cachoeiras Sete Quedas e Urucá, no igarapé do Urucá, com a água barrenta no lugar da cor esmeralda. Outras imagens da mesma época revelam garimpeiros cavando em um local próximo dali.

Pessoas familiarizadas com a região afirmam que a água do igarapé costuma ficar mais turva após chuvas, mas sem alcançar a tonalidade registrada pelas fotos de janeiro.

Localizada a 290 km ao norte de Boa Vista, Uiramutã é o município mais setentrional do Brasil e está próximo da fronteira com a Guiana. Boa parte das cachoeiras está aberta a visitação mediante autorização dos indígenas, mas o turismo ainda é incipiente, com pouca infraestrutura.

Cachoeira antes e depois da explosão do garimpo

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Água da cachoeira limpa
Água da cachoeira suja

Cachoeira Sete Quedas, no igarapé dentro da terra indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima

Em 2019, a TIRSS sofreu as primeiras invasões de garimpeiros desde que a demarcação havia sido homologada, 11 anos antes. Para lideranças indígenas, eles são estimulados pelas promessas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) para legalizar a atividade. A proposta tramita no Congresso e é considerada prioritária pelo Planalto.

Em Roraima, a invasão garimpeira contou com o apoio do senador licenciado Chico Rodrigues (DEM), flagrado pela Polícia Federal em outubro com dinheiro em sua cueca. À época do escândalo, era vice-líder do governo Bolsonaro no Congresso.

Em janeiro de 2020, quando ainda estava à frente do mandato, Rodrigues visitou um dos garimpos ilegais na TIRSS. Em um vídeo gravado por ele no local, o parlamentar aparece ao lado de indígenas aliados a donos de garimpo afirmando que se trata de um “trabalho fabuloso”, feito sem “danos ambientais”.

Segundo o vice-coordenador do Conselho Indígena de Roraima (CIR), o macuxi Edinho Batista de Souza, os garimpeiros ilegais agem em Uiramutã há pouco mais de um ano. Ele atribui a invasão às promessas de Bolsonaro e, mais recentemente, à aprovação, na Assembleia de Roraima, de um projeto do governador Antonio Denarium (PSL) que libera o garimpo mesmo sem a realização de estudos prévios.

“O projeto é para terras estaduais, mas praticamente apoia essas atividades ilegais. Os relatos das lideranças é de que os garimpos estão crescendo mais agora”, afirma Souza.

O líder macuxi diz que o Exército nada faz na região de Uiramutã contra os garimpeiros, apesar de poderem atuar contra crimes ambientais no marco da Operação Verde Brasil 2.

“A maioria das esferas de governo está ocupada pelo pensamento do Bolsonaro”, diz Souza. “Já denunciamos, chamamos para assembleia, fizemos documento, mapa, entregamos fotografia, mas até agora nada. O Exército está engessado. Alega quem tem a questão da fronteira, mas quem invade é brasileiro mesmo, não é estrangeiro.”

O líder macuxi diz que o garimpo está poluindo os igarapés que abastecem de água e peixe diversas comunidades indígenas, trazendo impacto negativo para a saúde. Em Uiramutã, há relatos de extração de ouro nas nascentes.

A reportagem enviou perguntas por e-mail ao Comando Militar da Amazônia (CMA) questionando a atuação do Exército, mas não houve resposta até a conclusão do texto.

A demarcação da Raposa Serra do Sol tem dois adversários históricos no governo federal: o próprio Bolsonaro e o ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), o general Augusto Heleno.

Como deputado, Bolsonaro se opôs à demarcação no Congresso. Em dezembro de 2018, então presidente eleito, disse que iria rever a medida, que provocou a retirada de fazendeiros não indígenas, principalmente arrozeiros, mas depois recuou da proposta.

Já o general Heleno perdeu a chefia do CMA após criticar a demarcação da Raposa —em palestra, o militar chamou a política indigenista do então presidente Lula (PT) de lamentável e caótica.

Os indígenas da Raposa Serra do Sol votaram em peso contra Bolsonaro em 2018. Apesar de ter obtido 71,5% dos votos no segundo turno em Roraima, ele perdeu para Fernando Haddad (PT) nos três municípios que formam o território: Pacaraima, Normandia e Uiramutã.

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