Uma nova portaria do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) obriga pesquisadores do órgão a submeter sua produção científica para aprovação de uma diretoria antes de ser publicada. A medida, publicada nesta semana, entra em vigor em 1º de abril.
Divulgada na última quarta-feira (10), a portaria 151 delega ao diretor de Pesquisa, Avaliação e Monitoramento da Biodiversidade (Dibio) do ICMBIO “a competência para autorizar previamente a publicação de manuscritos, textos e compilados científicos produzidos no âmbito e para este Instituto em periódicos, edições especializadas, anais de eventos e afins”.
“As solicitações deverão ser dirigidas à Dibio para autorização prévia do diretor e devem ser acompanhadas de declaração de responsabilidade, conforme modelo constante no anexo da presente portaria”, afirma a medida.
Assim como outras diretorias do ICMBio sob a gestão do ministro Ricardo Salles (Ambiente), a Dibio é chefiada por um oficial da PM de São Paulo, o tenente-coronel da reserva Marcos Aurélio Venancio. Em seu currículo no site do órgão, consta que ele tem “formação jurídica e na área da gestão pública”, trabalhou como professor universitário e possui apenas uma especialização.
A portaria impactará dezenas de servidores que realizam pesquisas científicas em paralelo ao trabalho no ICMBio, incluindo os que cursam pós-graduação.
“É uma tentativa de controlar não só a produção acadêmica como também a opinião dos servidores”, afirma Denis Rivas, presidente da Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente (Ascema). A entidade está estudando medidas contra a portaria.
“Nós estranhamos que a Embrapa, um órgão de pesquisa por excelência, não tenha um filtro de produção imposto aos servidores”, afirma Rivas. "Uma das missões do ICMBio é a produção científica."
A Ascema classifica de “mordaça aos servidores” o código de ética do ICMBio, instituído por meio de uma portaria em 13 de maio de 2020. A normativa proíbe os servidores de “divulgar estudos, pareceres e pesquisas, ainda não tornados públicos, sem prévia autorização”.
É uma tentativa de controlar não só a produção acadêmica como também a opinião dos servidores
“Qualquer tipo de censura deve ser combatido, principalmente a censura acadêmica e científica. A produção científica deveria ser neutra. Se os funcionários do ICMBio estão produzindo coisas que estão revelando problemas e caminhos para soluções, o órgão deveria acatar isso. Ter esse tipo de censura é muito questionável”, diz a diretora de Ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Ane Alencar.
“Outro ponto importante é que, se tiver de ter algum tipo de autorização, tem de ter alguém com capacidade técnica de avaliar se esse estudo está bem feito ou não. Se passou em uma revista científica, é porque foi avaliado pelos pares. Esse tipo de censura inibe a produção científica."
"As solicitações deverão ser dirigidas à Dibio para autorização prévia do diretor e devem ser acompanhadas de declaração de responsabilidade, conforme modelo constante no anexo da presente portaria”, diz a medida.
A portaria inclui um modelo de declaração de responsabilidade, no qual o servidor precisa informar em qual revista ele submeterá o seu artigo acadêmico.
Outro lado
Procurado, o ICMBio informou que a portaria abrange apenas artigos destinados a publicações oficiais do órgão.
“Pelo código de ética do ICMBio, as publicações científicas oficiais do instituto são aprovadas pelo presidente do instituto. A publicação [portaria] é uma mera delegação ao diretor da Dibio, pois é a diretoria responsável pelos centros de pesquisa, a quem compete expedir posições do órgão”, afirma o órgão.
No site do ICMBio, há duas revistas eletrônicas ativas, BioBrasil e Cepsul (Biodiversidade e Conservação Marinha).
No entendimento dos servidores ouvidos pela reportagem, a portaria impactará dezenas de servidores que realizam pesquisas científicas em paralelo ao trabalho no ICMBio, incluindo os que cursam pós-graduação.
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