Despacho do Ibama que facilita exportação de madeira motivou investigação da PF

Com a decisão de Alexandre de Moraes, volta a vigorar norma que exige a solicitação de autorização de exportação ao Ibama mediante sete documentos

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Manaus

No centro da operação da Polícia Federal que atingiu o ministro Ricardo Salles (Ambiente), está o despacho da presidência do Ibama de 25 de fevereiro de 2020, que elimina a exigência de autorização de exportação de madeira por parte do órgão ambiental federal, com a exceção de espécies sob risco de extinção.

A pedido da Polícia Federal, o despacho 7036900/2020 foi suspenso em caráter liminar nesta quarta-feira (19) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Ele também afastou do cargo o presidente do Ibama, Eduardo Bim, que assina o documento.

O ministro Ricardo Salles em dia que foi alvo de operação da PF - Reuters


Uma das principais críticas ao despacho de Bim era de que ele permitia a exportação apenas com os documentos de transporte, incluindo as guias florestais (GF) emitidas pelos governos estaduais e facilmente fraudadas.

Os principais estados produtores de madeira nativa, Mato Grosso e Pará, não estão integrados ao Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), como prevê o Código Florestal, de 2012.

Contraditoriamente, o Ibama trava uma batalha judicial com esses estados para exigir essa adequação, acusando-os de falta de transparência.

Com a decisão de Moraes, volta a vigorar a Instrução Normativa 15/2011, que exige a solicitação de autorização de exportação ao Ibama mediante a apresentação de sete documentos.

Na petição ao STF, a PF diz que Bim emitiu o despacho “mesmo com parecer contrário de servidores públicos experientes do órgão e somente após as apreensões de algumas cargas que teriam chegado aos EUA e à Europa sem documento idôneo.”

A PF descreve a apreensão de três contêineres com madeira brasileira no porto da Savannah (EUA), embarcados no Pará, em 10 de janeiro de 2020, exportados sem a autorização do Ibama. A empresa responsável é a Tradelink Madeiras.

Em 5 de fevereiro, a Superintendência do Ibama no Pará enviou cartas de “certidão" às autoridades americanas, para conseguir o desembaraço. Duas semanas depois, em 21 de fevereiro, um funcionário da embaixada americana se reuniu com Bim para “discutir as comunicações conflitantes do Ibama”, segundo ofício da representação diplomática dos EUA enviada à PF.

Finalmente, em 25 de fevereiro, as autoridades norte-americanas receberam a cópia do despacho de Bim eliminando a exigência do aval do Ibama. A nova normativa foi publicada no mesmo dia no Diário Oficial.

“À luz do exposto, o FWS [Serviço da Vida Selvagem e Pesca, órgão ambiental americano] tem preocupações com relação a possíveis ações inadequadas ou comportamento corrupto por representantes da Tradelink e/ou funcionários públicos responsáveis pelos processos legais e sustentáveis que governam a extração e exportação de produtos de madeira da região amazônica”, informou a embaixada à PF.

O despacho de Bim favoreceu principalmente empresas exportadoras, de maior poder econômico, mas não teve impacto na fiscalização dos planos de manejo aprovados pelos governos estaduais, principal foco dos fiscais do Ibama.

Isso ocorre porque, nos portos de exportação, a madeira ilegal já está esquentada e misturada à madeira legal, exigindo uma perícia sofisticada para detectar irregularidades. A madeira apreendida nos EUA, por exemplo, vai passar por uma análise de isótopos estáveis para determinar sua origem geográfica.

Além do despacho de Bim, a investigação da PF tem outras linhas, relativas à fragilização da fiscalização ambiental e do julgamento das infrações.

A PF também detectou uma “movimentação extremamente atípica” nas conta bancárias do escritório de advocacia no qual o ministro Salles é sócio, com 50% de participação.

De janeiro de 2012 a junho de 2020, foram movimentados R$ 14,1 milhões, segundo dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras). Salles classificou a operação de exagerada e negou irregularidades.

Os crimes investigados pela PF incluem corrupção passiva e ativa, facilitação de contrabando, prevaricação, contrabando, lavagem de dinheiro e crimes contra a administração ambiental.

A operação da PF, batizada de Akuanduba, foi deflagrada semanas após Salles entrar em confronto com o delegado da PF Alexandre Saraiva. O ministro defendeu publicamente empresas envolvidas na maior apreensão de madeira da história, ocorrida em dezembro, na divisa do Pará com o Amazonas.

O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tomou o lado de Salles, e Saraiva, responsável pela apreensão, perdeu o cargo de superintendente da PF no Amazonas. Nesta quarta-feira, o delegado postou no Twitter: “Cantem de alegria todas as árvores da floresta”.

Em junho do ano passado, uma ação civil pública já havia tentado, sem sucesso, derrubar o despacho de Bim, sob a justificativa de que representava uma ameaça à preservação ambiental. A ação foi protocolada pelo Greenpeace, pelo ISA (Instituto Socioambiental) e pela Associação dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente (Abrampa).

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto afirmava que a maior apreensão de madeira da história ocorreu na divisa do Pará com o Mato Grosso. O fato ocorreu na divisa do Pará com Amazonas. O texto foi corrigido. 

 

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