Assessor de Salles alvo de operação da PF é exonerado do Ministério do Meio Ambiente

Investigação aponta que funcionário atuou por interesse de empresários no Ibama

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Brasília

Assessor especial do ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente), Leopoldo Penteado Butkiewicz foi exonerado do cargo, segundo consta no Diário Oficial da União desta quarta-feira (2).

A exoneração, a pedido, foi assinada pelo ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos.

Butkiewicz é um dos investigados na Operação Akuanda, da Polícia Federal, que apura a exportação ilegal de madeira.

Como a Folha mostrou, inquérito sobre as suspeitas de irregularidade no Ministério do Meio Ambiente revela mais uma interferência de um dos principais auxiliares do ministro Ricardo Salles no setor de autuação de infrações do Ibama (Instituto Nacional do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

A situação envolve uma empresa do interior de São Paulo alvo de sanções ambientais nos últimos anos.
Após a ação da Polícia Federal, a Folha mostrou a existência nos autos de uma troca de mensagens de WhatsApp em que o assessor especial Leopoldo Butkiewicz intervém junto ao Ibama em favor de um empreendimento agropecuário de Mato Grosso.

De acordo com o material em poder dos investigadores, esse caso não foi o único.

Os diálogos do aplicativo indicam que Butkiewicz abordou servidores do instituto para tratar da Prema Tecnologia e Comércio, com sede em Rio Claro (SP) e que fabrica dormentes ferroviários e postes, entre outros produtos.

"O Ibama está prejudicando esse proprietário", disse Butkiewicz via WhatsApp, em diálogo em 3 de março. "Como deve estar prejudicando outros em casos similares."

Para a PF, a atuação do assessor especial de Salles foi irregular. Não cabia a ele interferir diretamente na área de infrações do Ibama. Butkiewicz participava de grupo de WhatsApp de servidores do órgão ambiental.

Procurados pela Folha, o ministério e o Ibama afirmaram que o assessor prestará os esclarecimentos sobre o assunto no inquérito.

Butkiewicz, Salles, o presidente do Ibama, Eduardo Bim, e servidores vinculados à pasta foram alvo de buscas, apreensões e quebra de sigilos bancário e telefônico no dia 19 de maio.

A Operação Akuanduba foi deflagrada pela PF após autorização dada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).

O Ibama tem poder para embargar uma área se constatar a prática de infrações ambientais, como o desmatamento ilegal recorrente. Nos últimos anos, a Prema foi alvo de pelo menos nove autuações.

Segundo o inquérito, o caso tratado por Butkiewicz dizia respeito à produção, considerada irregular, de conservantes de madeira sem o registro no Ibama. Além de multa, a empresa foi alvo de embargo.

Em 2016, então secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Salles foi a Rio Claro celebrar um TAC (termo de ajustamento de conduta) com o Ministério Público estadual referente a medidas de compensação por dano ambiental causado a uma floresta estadual. O caso envolvia a Prema.

Por WhatsApp, o assessor especial do ministro disse aos servidores do Ibama que iria encaminhar um pedido de desembargo e citou o número do processo relativo à empresa.

Butkiewicz argumentou que havia parecer técnico pelo cancelamento do auto de infração e sugeriu "inserir para julgamento de 1ª instância e baixa de processo".

Ele defendeu ainda a mudança de rotinas do Ibama. "Não podemos ter esse tipo de condução nos processos administrativos. É o momento de revermos esses procedimentos internos", disse.

Apesar da ponderação de um técnico sobre a forma como o assunto estava sendo conduzido, Wagner Matiota, o superintendente do setor de infrações e também investigado pela PF, respondeu afirmativamente: "Agilizamos este caso. E vamos conversar sobre melhorias".

Representante da empresa, o advogado Michel Nogueira Melguinha disse à Folha que a companhia foi procurada por Butkiewicz, que por coincidência é natural de Rio Claro.

"Ele fez contato diretamente com a empresa", afirmou o advogado. "Falou do programa de conciliação ambiental do Ibama, que temos [a Prema] alguns autos de infração e perguntou do nosso interesse em conciliar."

"O contato foi nesse sentido. Não vendeu facilidade, nada prometeu nem se valeu do cargo para induzir qualquer ilegalidade", disse Melguinha.

O advogado frisou que a Prema não quis a conciliação. Sobre o caso mencionado no inquérito da PF, afirmou que uma liminar na Justiça suspendeu os efeitos do auto de infração e do embargo e, por isso, não houve interesse.

Segundo ele, o processo administrativo não sofreualteração após o contato com Butkiewicz.

No caso de Mato Grosso, o assessor especial de Salles interveio no setor de autos de infração do Ibama em favor de um produtor rural de laranjas que teve uma área embargada por desmatamento ilegal.

As mensagens usadas pela PF nas investigações, que mostram a atuação de Butkiewicz, são de 2 de março deste ano. Em 26 de março, houve o desembargo da área pelo Ibama. A ação foi em prol de Marco Aurélio Morales Blanco.

No grupo de WhatsApp, o assessor afirmou que o produtor tinha intenção de conciliação ambiental e que já havia cumprido medidas de recuperação.

Ao assessor, um técnico afirmou que não seria possível a conciliação porque o caso já estava na dívida ativa. Butkiewicz insistiu na necessidade de desembargo da área.

"Para isso, o autuado tem de demonstrar que possui regularidade ambiental e o feito seguir ao agente ambiental para apreciação", afirmou o técnico. "Sim. Já foi feito, precisamos dar prosseguimento", disse Butkiewicz.

Após 24 dias, o Ibama liberou a área, como mostram dados abertos do órgão.

A área fica na Fazenda Rancho Blanco, em Querência (MT). A área é uma região de transição entre Amazônia e cerrado. O desmatamento ilegal de 485 hectares, o equivalente a 485 campos de futebol, ocorreu no cerrado.

A autuação pelo Ibama foi em 2008, mesmo ano do embargo. "Em 2003, obtive licença ambiental para desmatar 985 hectares de vegetação nativa, mas, por erro dos empreiteiros que contratei, esse desmate ocorreu em local diverso do da licença e, ainda, sobre 485 hectares, ou seja, menor que a autorização", afirmou Blanco à Folha, por escrito e por intermédio de um escritório de advocacia.

Ele disse ter pedido ao governo de Mato Grosso, ainda em 2008, a realocação da reserva legal para o local correto, o que só teria ocorrido em 2020.

Blanco disse que pediu em março do ano passado a conversão da multa em compensação ambiental mais o levantamento do embargo. Ele afirmou que não ter sido beneficiado mas sim prejudicado pelo Ibama por ter esperado 13 anos.

"Não solicitei qualquer tipo de interferência no julgamento do meu pedido administrativo, pela obviedade de que exercia regularmente um direito", afirmou. O empresário disse que não conhece nem manteve nenhum contato com Butkiewicz e Salles.​

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