Câmara vota urgência para projeto de 'estrada-parque' em área do Parque Nacional do Iguaçu

Proposta é criticada por atingir espaço onde vivem onças-pintadas e outras espécies ameaçadas

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Curitiba

A Câmara dos Deputados deve votar nesta quarta-feira (2) um pedido de urgência para apreciação de um projeto de lei que propõe uma nova categoria de unidade de conservação no Brasil, a de estrada-parque, e cria a primeira experiência do tipo na estrada Caminho do Colono, um trecho de 18 km que atravessa o Parque Nacional do Iguaçu, no Paraná.

A proposta é criticada por especialistas por atingir uma área onde vivem onças-pintadas e outras espécies ameaçadas. O parque existe como unidade de conservação desde 1939. A alteração provocaria a reabertura da estrada PR-495, criada na década de 1950 mas fechada em 1986 por determinação da Justiça. A área já foi quase toda recoberta por vegetação nativa.

O requerimento de urgência, assinado por líderes partidários, está na pauta de deliberações da Câmara desta quarta e provocou reações de entidades contrárias à proposta.

Na justificativa do projeto, o deputado federal paranaense Vermelho (PSD) cita que a reabertura da estrada é uma reivindicação da região há mais de três décadas. O trajeto de 100 km por dentro do parque ligava os municípios de Serranópolis a Capanema. Hoje, essa distância pelas rodovias que contornam a área protegida é de 179 km.

Estrada ligeiramente encoberta por vegetação e envolta por floresta
Área conhecida como Caminho do Colono, que atravessa o Parque Nacional do Iguaçu - Marcos Labanca

Em 2019, a Folha sobrevoou a área de helicóptero, percorrendo o mesmo trajeto da antiga estrada, mas encontrou poucos rastros de rota aberta. O único ponto em que o desenho da estrada pode ser percebido –como uma pequena cicatriz em meio à mata fechada— fica no início do parque, na divisa com Serranópolis.

Além de facilitar o escoamento da safra, o deputado diz que, com a reabertura, haverá um resgate da “história e das relações socioeconômicas, ambientais e turísticas da região”. Cita ainda que pode haver uma elevação da consciência da população sobre a preservação do local.

“Quem é contra a abertura da Estrada do Colono não conhece a realidade local e, sobretudo, despreza as demandas do povo paranaense”, afirma na justificativa do projeto, que conta com o aval do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), como já declarou em visitas ao estado.

Já o Ministério Público Federal vem há vários anos defendendo que a estrada cortaria uma “área intocável” do parque, o que tornaria a proposta inconstitucional.

Parecer do órgão aponta que ao menos 20 hectares de mata atlântica devem ser atingidos pela reabertura. Também cita diversos outros potenciais danos, como morte de espécies nativas e atropelamento de animais, além da possível criação de uma nova rota de contrabando na região.

Em setembro de 2019, quando o tema voltou à pauta, o órgão esclareceu que a estrada visa uma simples travessia no parque em um trecho contínuo de floresta e, em operação, vai impor “uma modificação radical do solo do entorno ao longo de todo o seu perímetro”.

Em uma nota técnica de fevereiro do ano passado, o Ministério Público estadual também considerou o projeto inconstitucional. Para o órgão, a reabertura da estrada desrespeita leis de proteção à mata atlântica e a decisão judicial de 1986, que mandou fechar o trecho.

Entidades de proteção ambiental lutam contra a proposta. A Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação divulgou uma nota em abril, quando Bolsonaro visitou Foz do Iguaçu para tratar da ideia de reabertura.

No documento, a instituição alertou para o impacto de uma mudança abrupta nas condições da região, o que poderia levar à dominância de poucas espécies em detrimento de outras.

Destacou ainda que, com 185 mil hectares, o Parque do Iguaçu é a maior área de mata atlântica de interior ainda existente no Brasil. Abriga 550 espécies de aves, dezenas de répteis e mais de 120 mamíferos e é o único refúgio preservado da onça-pintada no sul do país.

A entidade lembrou que os municípios do entorno do parque recebem uma contrapartida pelo ICMS-Ecológico. Segundo o IAT, órgão ambiental do Paraná, esse valor chegou a quase R$ 20 milhões em 2020. Essa verba poderia ser prejudicada no caso de construção da rodovia, de acordo com a Rede.

A possível reabertura da estrada preocupa também a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que reconhece as Cataratas do Iguaçu como um dos patrimônios naturais da humanidade. Entre 1999 e 2001, a reabertura ilegal da estrada do Colono levou à classificação das Cataratas como “patrimônio em perigo”.

Em 2014, um relatório da Unesco voltou a expressar preocupação com a possível reabertura da estrada e lembrou que “a conservação da biodiversidade na mata atlântica é uma prioridade global e razão principal para a inclusão da região na lista de patrimônios da humanidade, para além das impressionantes cataratas”.

O documento ainda expressa preocupação com a possibilidade de uma nova legislação sobre estradas-parque legitimar a abertura de estradas em outras unidades de conservação do país.

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