Saída de Ricardo Salles tende a destravar negociações ambientais com os EUA

EUA não esperam mudanças na política ambiental do governo Bolsonaro, mas pelo menos o principal interlocutor brasileiro já não é alvo de inquérito

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Washington e Brasília

A saída de Ricardo Salles do comando do Ministério do Meio Ambiente e a entrada de Joaquim Álvaro Pereira Leite devem destravar as negociações ambientais entre Brasil e Estados Unidos, que estavam paradas desde o início de maio. Integrantes do governo americano afirmam que o calendário de conversas pode ser retomado nas próximas semanas, agora que o principal interlocutor brasileiro não é alvo de um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal).

Salles é investigado por suposto favorecimento a empresários do setor de madeiras, e os americanos dizem não querer se associar publicamente a um nome sob investigação policial.

Apesar de nunca terem expressado ao governo brasileiro o desconforto com a figura de Salles, auxiliares de Biden admitem que a postura do ex-ministro era pouco construtiva e que o ritmo das conversas havia desacelerado até ser congelado à sombra da operação da Polícia Federal que atingiu o ex-ministro, em 19 de maio.

Como mostrou a Folha, a última reunião técnica entre negociadores do Brasil e dos EUA ocorreu em 7 de maio. Na ocasião, integrantes do Itamaraty e do Ministério do Meio Ambiente realizaram uma videoconferência com Jonathan Pershing, assessor do enviado especial para o clima da Casa Branca, John Kerry.

Doze dias depois, a PF deflagrou a operação contra Salles, envolvendo informações repassadas, inclusive, pelo governo dos EUA, que avisou autoridades brasileiras sobre uma carga de madeira ilegal apreendida em um dos portos americanos, no estado de Geórgia.

Os EUA não esperam mudanças na política ambiental do governo Bolsonaro com a chegada de Leite, que foi secretário da Amazônia e Serviços Ambientais da pasta. Avaliam, porém, que agora é possível voltar de fato à mesa de negociação com os brasileiros.

Joaquim Álvaro Pereira Leite, novo ministro do Meio Ambiente - Marcos Oliveira/Agência Senado

A visão otimista é vantajosa para Biden, que tenta se consolidar como líder na reconfiguração da geopolítica mundial, ditada pelo clima, em que o Brasil —com 60% da floresta amazônica— é peça-chave.

Desde o início do governo Biden, em 20 de janeiro, foram realizadas sete videoconferências sobre meio ambiente entre Brasil e EUA. Duas delas, com Kerry —Salles esteve nos dois encontros, acompanhado em um deles pelo ex-chanceler Ernesto Araújo e, no outro, pelo novo chefe do Itamaraty, Carlos França, que, recentemente, também conversou com o secretário de Estado americano, Antony Blinken.

As cinco reuniões restantes foram feitas em nível técnico, mas Salles participou de várias delas, com uma postura que passou a incomodar diplomatas americanos.

Como revelou a Folha, em uma dessas conversas, o então ministro apresentou um slide com a imagem de um cachorro abanando o rabo em frente a espetos de frango assado, numa alegoria ao apetite do Brasil por doações internacionais para preservar o meio ambiente.

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Ilustração com base em slide apresentado pelo ministro Ricardo Salles em reunião com autoridades americanas - Catarina Pignato

Depois disso, em discurso na Cúpula do Clima, organizada por Biden em abril, Bolsonaro prometeu aumentar os recursos destinados às ações de fiscalização do meio ambiente, alcançar a neutralidade climática até 2050 —dez anos antes da meta estabelecida anteriormente— e repetiu o compromisso de acabar com o desmatamento ilegal até 2030.

Os números de devastação na floresta amazônica, por sua vez, têm registrado recordes, o que aumenta o ceticismo dos EUA sobre o real comprometimento de Bolsonaro em executar sua promessa.
Maio foi o pior mês de avisos de desmatamento na Amazônia nos últimos anos, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Com a retomada das conversas, os americanos ainda querem arrancar resultados concretos e um plano sólido de preservação ambiental por parte do Brasil, para serem celebrados como uma vitória também de Biden durante a conferência do clima da ONU, marcada para novembro.

Do lado brasileiro, a ideia nas novas reuniões é tentar desenvolver parcerias em bioeconomia e no combate a queimadas, por exemplo, com projetos-piloto que possam ser ampliados se forem bem-sucedidos.

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