Só Brasil e Iêmen demoram a aderir a protocolo ambiental, e indústria fica à espera de US$ 100 mi

Recurso é oferecido por fundo da ONU e será usado para produzir ar-condicionado, geladeira e freezer menos poluentes

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Brasília

A demora do Brasil em ratificar um acordo internacional para reduzir os gases de efeito estufa tem impedido a indústria local de receber até US$ 100 milhões —ou mais de R$ 500 milhões— em recursos para a preservação do ambiente.

O dinheiro sairá do Fundo Multilateral para Implementação do Protocolo de Montreal reservado para o período de 2021 a 2023.

O acordo é chamado de Emenda de Kigali e define um cronograma de redução da produção e do consumo dos gases hidrofluorocarbonetos, usados nos aparelhos de ar condicionado, geladeiras e freezers.

O texto precisa ser ratificado pelo Congresso Nacional. Neste sábado (5), Dia do Meio Ambiente, a emenda completa três anos de tramitação na Câmara. No período, passou por todas as comissões, mas aguarda há mais de um ano pela votação em plenário.

A aprovação do texto na Câmara e também no Senado é condição para que o Brasil tenha acesso ao montante disponibilizado pela ONU (Organizações das Nações Unidas).

Antes de ratificar o compromisso, o país pode receber aproximadamente R$ 2 milhões para preparar a regulamentação da emenda. Porém, para isso, seria necessário o governo brasileiro encaminhar um comunicado à ONU sinalizando que o acordo será validado pelo Congresso.

Dos 144 países em desenvolvimento, apenas Brasil e Iêmen não fizeram essa manifestação, segundo a Rede Kigali, que reúne organizações a favor do protocolo.

Em setembro deste ano, o fundo deve concluir os cálculos de quanto os países em desenvolvimento vão receber. Especialistas da área temem que a ausência de manifestação prejudique o acesso do Brasil aos recursos.

"Esse dinheiro é importante para ajudar a treinar o pessoal do setor, ajuda também o governo a se preparar para que quando a ratificação venha não tenhamos que começar do zero", diz Suely Machado, ex-diretora do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento) e atual consultora do ICS (Instituto Clima e Sociedade).

"A partir do momento que a emenda for ratificada, teremos de cumprir uma série de medidas de controle. Estamos perdendo tempo", afirma Machado.

Se aderir à emenda de Kigali, o Brasil passará por um processo de transição para redução dos gases hidrofluorocarbonetos.

Em 2024, o país terá de travar o consumo desses gases com base na média de 2020 a 2022. Depois, o Brasil terá de reduzir o consumo gradativamente a partir de 2029, com queda de 10%, e em 2045 deverá ter diminuído em 80% em relação à média inicial.

Embora não causem danos à camada de ozônio, esses gases dos aparelhos de refrigeração têm elevado potencial de efeito estufa. Os mais usados podem ser até 2.000 vezes mais prejudiciais do que o dióxido de carbono.

Ainda não há previsão de quando a emenda de Kigali será votada pelos deputados.

Em abril, representantes do setor entregaram um manifesto com mais de 1.200 assinaturas pedindo urgência ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Para o presidente da Frente Ambientalista, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), falta articulação do Ministério do Meio Ambiente e do governo para o acordo sair da gaveta e ser pautado no plenário da Casa.

Atualmente, a emenda já está em vigor em cem países. "O governo precisa sinalizar para a Câmara votar. Esse é um texto que, se for colocado em pauta, é votação simbólica. É um tema importante, que vai ajudar a indústria nacional", diz Agostinho.

A Folha entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente para comentar sobre o assunto, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

Além dos benefícios ambientais, o setor de ar-condicionado e refrigeração avalia que os recursos disponibilizados com a ratificação da emenda vão ajudar a indústria brasileira a fazer investimentos para se adaptar.

De acordo Arnaldo Basile, presidente da Abrava (Associação Brasileira de Refrigeração, Ar-Condicionado, Ventilação e Aquecimento), o valor a ser liberado pelo fundo é essencial para realizar uma produção mais limpa.

"A assinatura vai trazer benefícios econômicos, porque o uso de gases refrigerantes de maneira mais adequada vai acelerar a evolução tecnológica dos equipamentos", afirma Basile. "Hoje, nós já temos fabricantes que trazem equipamentos com a melhor tecnologia mais desenvolvida possível, cada vez mais fabricantes vêm atuando dessa maneira. Só que falta esse empurrão, falta essa assinatura, essa ratificação para que a gente tenha uma consolidação do mercado como um todo", diz.

Renato Cesquini, diretor de Meio Ambiente da Abrava, considera que o investimento trará melhorias para toda cadeia produtiva do setor.

"O uso dos recursos deverá ser definido pelo Ministério do Meio Ambiente. A nossa expectativa é poder usá-lo na capacitação e treinamento de profissionais, compra de equipamentos e modernização de estabelecimentos como supermercados e indústrias de câmara fria. Há inúmeras possibilidade de aplicação do dinheiro", afirma.

A substituição dos aparelhos atuais por outros mais eficientes resultaria em uma economia de R$ 57 bilhões no Brasil até 2035, de acordo com um estudo do ICS em cooperação com o Lawrence Berkeley National Laboratory (LBNL).

Do total, R$ 30 bilhões deixariam de ser gastos na geração de energia elétrica, e outros R$ 27 bilhões seriam economizados pelos consumidores na conta de luz.

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