Vítima de incêndio, Parque do Juquery não tem plano de conservação

Área foi criada há quase 30 anos e carece de documento central para o manejo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O Parque Estadual do Juquery, mesmo tendo sido criado há quase 30 anos e com modificação de traçado em 2020, a pedido do governador João Doria (PSDB), ainda não tem um item básico para o funcionamento de uma unidade de conservação: o plano de manejo.

O parque, que é uma área de proteção integral, teve cerca de 80% de sua área afetada por um incêndio que começou domingo (22) e só foi extinto na terça (24). O Corpo de Bombeiros continuou com rondas durante a noite para evitar o ressurgimento de focos.

O plano de manejo é um documento técnico que norteia as normas e a gestão dos recursos naturais presentes em um parque. Até mesmo eventos simples, como a visitação de pessoas nas áreas protegidas, está sujeita ao que é indicado no plano.

A existência do documento é determinada pela lei 9.985, de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Em seu artigo 27, aponta: “As unidades de conservação devem dispor de um plano de manejo”.

Segundo a lei, o plano deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da data de criação de uma unidade de conservação. O Parque do Juquery foi criado em 1993. Diz ainda a norma que são proibidas alterações, atividades ou modalidades de utilização em desacordo com o plano de manejo do local.

A Folha procurou a Fundação Florestal, responsável pela gestão e manejo das unidades de conservação no estado. Não houve respostas para os questionamentos até a publicação desta reportagem.

O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) diz que o plano não é somente um documento técnico. A ideia é ajudar na gestão de uma área protegida.

“O plano de manejo é fundamental”, diz Vania Pivello, pesquisadora da USP especialista em conservação e cerrado. Segundo ela, o plano conta com o diagnóstico de uma área, com informações, por exemplo, sobre solo e vegetação, além de dados sobre os arredores, ou seja, questões humanas e econômicas.

Essas informações podem ser importantes para entender possíveis fragilidades da área e, assim, evitar problemas, como incêndios.

“Com tudo isso mapeado, sabe-se onde vai ter mais risco de ter fogo, por exemplo. Então é possível tentar proteger melhor essas áreas”, afirma a pesquisadora. “Você vai saber também o que está perto de estradas, que são um grande potencial para queima, porque um cigarro jogado pode começar um incêndio. Mas também é importante saber o que a comunidade ali do lado faz. Até para ter iniciativas de educação ambiental. Tudo isso tem a ver com o plano de manejo.”

O Parque do Juquery, último remanescente do cerrado na Grande São Paulo, possui ligações com algumas outras áreas de proteção, mas, ao mesmo tempo, é uma espécie de ilha do bioma, cercada por regiões urbanas e rodovias.

Especula-se que o incêndio no parque possa ter começado com um balão. Fabricar, vender ou soltar balões é crime ambiental, com possibilidade de prisão e multa.

De acordo com Pivello, o frio mais agudo e as geadas recentes no país podem ter contribuído para a potência do fogo e levar a outros grandes incêndios.

Isso porque as temperaturas baixas fazem com que folhas sequem e caiam, biomassa que fica na superfície do solo e serve como combustível para incêndios.

“O Brasil vai torrar. Já está torrando”, afirma Pivello, que já desenvolveu pesquisas no Parque do Juquery.

História do Parque

O Parque Estadual do Juquery foi criado em 1993, por decreto do então governador Luiz Antonio Fleury Filho. A unidade de conservação está em uma região de mananciais do sistema Cantareira.

Desde então, a área protegida já passou por duas alterações nos seus limites. A primeira, com inclusão de uma nova porção de terreno, ocorreu em 1999, por decreto do governador Mário Covas.

A mais recente veio por decreto de autoria do governador João Doria, no segundo semestre de 2020, aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo. Nesse caso, uma área do parque foi desafetada (com mais de 242,7 hectares) e outra foi incorporada (com 321,7 hectares).

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.