Descrição de chapéu desmatamento

Grilagem, paramilitares e coca causam desmate da Amazônia colombiana

Relatório aponta que devastação da floresta no país vizinho tem processos semelhantes aos vistos no Brasil

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São Paulo

Grilagem, mineração ilegal e extração de madeira sem autorização são alguns dos motores do processo de desmatamento na Amazônia. E não só no Brasil. A Colômbia enfrenta os mesmos problemas, mas tem também fatores próprios que alimentam a destruição do bioma, como a ação das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) e outros grupos paramilitares e o desmate para cultivo de coca.

Um novo relatório do Instituto Igarapé, em parceria com o InSight Crime, o primeiro de uma série sobre o bioma, apresenta um perfil dos crimes ambientais na Amazônia colombiana e aponta como atores públicos e privados no país —e até brasileiros— participam do desmatamento da floresta.

O roubo de terras públicas na Colômbia, por exemplo, ocorre de forma semelhante ao que é visto no Brasil, com ocupação ilegal, desmatamento e posterior venda de espaços em reservas florestais, parques nacionais e áreas indígenas —que têm sofrido com a intensificação de crimes ambientais no Brasil.

Exemplos de grilagem na Amazônia colombiana, porém, já permitem traçar as diferenças entre os dois países. Nas áreas protegidas da região, é possível encontrar plantações de coca, como na reserva indígena Nukak Makú.

A presença de dissidentes das Farc também é marcante na região e acaba interligada ao processo de desmatamento. Há indícios, por exemplo, de que um dissidente pagou para que áreas do Parque Nacional Tinigua fossem desmatadas para instalação de cultivo de coca. O local também sofre com derrubada de vegetação nativa para criação de pastagem para gado —uma realidade comum e amplamente conhecida no Brasil.

O prejuízo ambiental causado pelas plantações ilegais de coca vai além da derrubada de vegetação. Para o processamento da droga, são usados produtos químicos, como gasolina e ácido sulfúrico, que podem contaminar o ambiente.

Grupos paramilitares também atuam na extração ilegal de ouro na região, pelo menos desde o fim da década de 1990. No momento, segundo o relatório, principalmente dissidentes das Farc dominam, na Amazônia colombiana, a produção ilegal de ouro, metal que tem apresentado ampla valorização nos últimos anos, inclusive durante a pandemia.

Laura Waisbich, pesquisadora-sênior do programa de segurança climática do Instituto Igarapé, afirma que as Farc são um ator importante, mas não o único, no processo de desmatamento e nos crimes ambientais colombianos.

Curiosamente, inclusive, antes do acordo de paz entre o Estado colombiano e as Farc, em 2016, o grupo paramilitar usava a floresta para refúgio e proteção, o que de certa forma preservava a mata. Terminado o conflito, o vazio deixado na região foi ocupado pela instalação de novas atividades econômicas (que acabam gerando desmate) e por dissidentes do grupo.

Um dos problemas dessa extração ilegal é o uso de mercúrio, que contamina recursos hídricos e afeta seres vivos.

O processo de exploração ilegal de ouro em partes da Colômbia conta com mãos brasileiras, segundo dados coletados pelo Instituto Igarapé e pelo InSight Crime. Os dragões (basicamente, uma draga com mais de um andar) são importantes máquinas na mineração local e são obtidas principalmente no Brasil, de acordo com o relatório. Tal maquinário, de forma geral, suga sedimentos do fundo de corpos d’água em busca de ouro.

Depois de obtido, o ouro ilegal costuma seguir caminho até chegar ao município de Tefé, no Amazonas, território brasileiro.

Mas a participação do Brasil vai além. O relatório aponta que os "patrones", como são conhecidos os financiadores e principais responsáveis pela mineração ilegal na Amazônia colombiana, especialmente ao longo do rio Caquetá, são brasileiros.

Segundo Laura Waisbich, o caráter transfronteiriço de crimes ambientais na Amazônia colombiana aponta para a necessidade de uma cooperação regional, algo que já existe, mas que poderia ter expansão e aprofundamento.

Para tratar de questões regionais da Amazônia, há, atualmente, a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica e o Pacto de Letícia, que foi assinado em 2019 e visa proteção do bioma e combate ao desmatamento.

“Esses acordos foram pouco operacionalizados a partir dessa lógica de crimes ambientais”, afirma Waisbich. “Existem instrumentos, mas eles precisam ser aprimorados.”

Política ambiental

Brasil e Colômbia vivem momentos relativamente distintos na política ambiental nacional.

A especialista afirma que o país vizinho, apesar de ter uma estrutura de governança ambiental mais frágil, em linhas gerais, do que a brasileira, tem aumentado sua preocupação com o tema e sua capacidade de fiscalizar e investigar crimes contra a natureza.

Uma nova lei que endurece a punição contra crimes ambientais foi sancionada, na cidade de Letícia, no início de agosto, pelo presidente colombiano Iván Duque. Consta na letra legal que desmatar ou financiar a derrubada de vegetação pode levar a até 15 anos de prisão. “É uma tentativa de resposta do Estado”, afirma Waisbich.

Recentemente, o país também aumentou os cortes de emissões previstos em suas NDCs (contribuições nacionalmente determinadas), relacionadas ao Acordo de Paris e à busca pela mitigação da crise climática.

Enquanto isso, o governo Jair Bolsonaro (sem partido) patina na política ambiental. A atualização recente das NDCs brasileiras não as tornou mais ambiciosas, como era o esperado.

Além disso, o Brasil tem visto sua imagem ambiental ser constantemente arranhada aos olhos do mundo com os aumentos sucessivos de desmatamento e queimadas históricas nos últimos anos.

Mesmo assim, são escassos os planos para conter a devastação. Bolsonaro tem apostado na presença do Exército na Amazônia como forma de combate a crimes ambientais, o que vem se mostrando, segundo dados de desmate e incêndios, insuficiente.

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