Ativistas enfrentam custos altos e restrições de viagem para chegar à COP26

Alguns participantes da cúpula climática conseguiram recursos, vistos e vacinas, mas outros desistiram

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Valerie Volcovici Kate Abnett
Washington e Bruxelas | Reuters

O ativista climático nigeriano Goodness Dickson achou que o fato de ter sido convidado a participar da cúpula climática da ONU na Escócia significava que ele não teria dificuldade em comparecer.

Mas o custo alto de hotéis, as restrições de viagens em função da Covid-19 e as exigências de quarentena levaram Dickson e outros ativistas de países em desenvolvimento a temer que suas vozes não sejam ouvidas na conferência COP26 que terá lugar em Glasgow entre 31 de outubro e 12 de novembro.

A Reuters conversou com ativistas de vários países, incluindo Bangladesh, Paquistão e Uganda. Alguns conseguiram recursos, vistos e vacinas para comparecer à cúpula, mas outros desistiram.

Pessoas fazem parte de marcha pelo clima e em preparação à COP26, em Bruxelas - Yves Herman - 10.out.2021/Reuters

Dickson ainda quer chegar à COP26, onde espera poder falar pessoalmente aos delegados dos países sobre como é tentar estudar em escolas quando a temperatura chega a 43ºC. Ele acha que os países desenvolvidos precisam ouvir a experiência pessoal daqueles que são mais vulneráveis à mudança climática.

"Ainda estou procurando dinheiro para viajar", disse o militante de 28 anos, representante da ONG nigeriana Eco Clean Active. Ele calcula que sua viagem custará mais de US$ 4.000, com os custos de hospedagem e quarentena já incluídos.

"Receio que o continente africano seja pouco representado na COP", explicou.

O Reino Unido, que vai sediar a conferência, ofereceu alguma ajuda financeira e vacinas a delegados que de outro modo não teriam acesso a elas.

"Estamos trabalhando incansavelmente com todos nossos parceiros, incluindo o governo escocês e a ONU, para garantir que a cúpula em Glasgow seja inclusiva, acessível e segura, com um conjunto amplo de medidas de mitigação da Covid", disse um porta-voz da COP26, acrescentando que o provedor de hotéis MCI, aprovado pelo governo, ofereceu aos delegados uma gama de opções de hospedagem a preços justos.

Este mês o Reino Unido eliminou a exigência de quarentena para viajantes vindos de 47 países, incluindo África do Sul e Índia. Com isso, vai poupar os delegados do custo de dez dias de quarentena em um hotel, que sai por £ 2.285 (quase R$ 17 mil).

No mês passado o governo britânico anunciou que cobrirá os custos de quarentena dos delegados de países que ainda constam da chamada "lista vermelha" britânica de países com alto risco de Covid. A lista atualmente é composta de sete países, entre os quais Colômbia e Venezuela.

Mas alguns possíveis participantes disseram que não conseguiram acessar o auxílio ou que é insuficiente. Para outros, seus próprios governos deveriam fazer mais para garantir a presença deles na COP26.

"Os vistos e as quarentenas têm sido um pesadelo", comentou a ativista filipina Mitzi Jonelle Tan, do movimento de jovens Sextas-feiras para o Futuro. O movimento de jovens vai enviar à COP26 55 delegados de regiões do mundo vulneráveis à mudança climática. Mas Tan disse que outros desistiram de participar antes do Reino Unido ter revisto suas regras sobre quarentenas.

O governo britânico prevê que cerca de 25 mil pessoas compareçam à COP26, mas ainda não divulgou uma lista de delegados.

Na terça-feira (19), os poucos quartos de hotel ainda disponíveis no site Booking.com para quem quisesse assistir à conferência estavam sendo oferecidos por a partir de £ 291 (R$ 2.146) a diária –um total de £ 3.486 (mais de R$ 25 mil) para os 12 dias da conferência.

Esse custo desanimou o militante ugandense pela justiça climática Nyombi Morris, 23, que esperava poder chamar a atenção para as preocupações de ativistas sobre o impacto sobre as florestas das políticas da UE sobre energia de biomassa. Ele rejeitou a oferta de credenciamento feita pelo Reino Unido porque não veio acompanhada de apoio financeiro.

"Um dia eu vou encará-los frente a frente", disse Morris.

Entidades que promovem hospedagem nas casas de pessoas da comunidade vêm tentando oferecer hospedagem mais acessível, mas não estão conseguindo dar conta da demanda. A rede Human Hotel disse que conseguiu hospedagem para cerca de 600 delegados em casas particulares em Glasgow.

"Sabemos que há vários milhares de outras pessoas que querem vir e fazer-se ouvir na COP26, mas não podem arcar com o preço astronômico dos hotéis na Escócia", disse o administrador comunitário da rede, Michael Yule.

Os riscos à saúde e problemas de viagem causados pela pandemia levaram outros interessados a desistir de participar do evento.

"Eu não falto a uma COP desde 2010, esta será a primeira vez", disse à Reuters Li Shuo, assessor climático sênior do Greenpeace China, em Pequim. "Espero que a presença menor de ONGs lembre a todos que há vozes que não estarão representadas."

As delegações governamentais de países sem rotas de viagem diretas a Glasgow enfrentarão dificuldades logísticas. As Ilhas Cook, no Pacífico, não vão enviar uma delegação. Outros países insulares pequenos ainda estão tentando resolver problemas com vistos.

O ativista climático Nobert Nyandire, de Nairóbi, Quênia, recebeu uma vacina contra Covid através de um programa do governo britânico. Ele vai participar da COP26 para trabalhar nas negociações técnicas da ONU sobre o programa sem fins lucrativos Sustainable Environmental Development Watch, mas disse que alguns de seus colegas ainda aguardam ser vacinados ou foram impedidos de viajar devido aos custos.

"Se as próprias pessoas afetadas e que deveriam poder participar dessas negociações não puderem comparecer, não tenho certeza que tipo de decisões será tomado", comentou Nyandire.

Tradução de Clara Allain

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