Descrição de chapéu RFI clima

Brasil resiste a metas de proteção da natureza na Conferência de Biodiversidade da ONU

Maior objetivo do evento realizado na China é encaminhar a adoção de um novo marco com 21 pontos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Lúcia Müzell
RFI

O maior objetivo do evento —realizado de maneira virtual e presencial em Kunming, na China— é encaminhar a adoção de um novo marco com 21 pontos, a serem viabilizados até 2030 e implementados pelos países antes de 2050. Um dos principais é ampliar as áreas terrestres e marítimas protegidas de 17% para 30% do planeta.

"Infelizmente, essa proposta não conta com o apoio brasileiro. O Brasil está defendendo que isso é uma decisão de cada país e não existe uma métrica perfeita, que nada garante que os 30% vão de fato assegurar a preservação da biodiversidade e que não existe uma base científica para essa tomada de decisão”, afirma o biólogo Carlos Joly, professor da Unicamp e coordenador da plataforma da ONU de cientistas especializados no tema no Brasil (IPBES). "O fato de o Brasil ter sido um grande protagonista positivo nas conferências até 2018 põe em dúvida se a COP 15 será capaz de avançar nessa direção. Sem uma liderança clara do Brasil, não sei se isso acontecerá”, lamenta.

Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP15) realizada em Kunming, província de Yunnan, sudoeste da China - Xinhua/Chen Yehua

Novo acordo global

A exemplo das espinhosas negociações sobre as mudanças climáticas, as de biodiversidade também envolvem 195 países sobre a mesa. Na comparação com a sua irmã mais famosa, a COP15 agora visa a assinatura de um pacto semelhante ao Acordo de Paris, mas sobre a natureza, para reverter as curvas de perdas de espécies e de habitats naturais, devido às ações humanas.

"É um marco estratégico para a ONU, para todos os países. Vai ser colocado na assembleia de governança ambiental de toda a ONU, vai ser adotada por todas as suas agências e será oferecido para os países como a estratégia para biodiversidade. Por isso é importante a participação de todos os países”, sublinha Oliver Hillel, coordenador de programas da convenção da ONU para a biodiversidade.

Hillel ressalta que, para nações grandes e ricas em biodiversidade, a meta de 30% deveria ser “o mínimo” e seria um objetivo fácil de atingir. Mas opções políticas têm levado certos governos, como os do Brasil e da Rússia, a se mostrarem avessos a mais cobranças, além das que já são feitas sobre o clima. O acordo não terá poder de lei, mas se torna um compromisso moral dos signatários perante o mundo. Resta, ainda, a possibilidade de barreiras comerciais.

"O Brasil e outros países têm receio que, ao se fixarem objetivos, algum comprador possa dizer ao país que está vendendo soja, ou outras commodities, que estão significando a destruição da sua floresta. Então eles preferirão comprar de outro fornecedor que poderá garantir que o que estão comprando não está destruindo um recurso, que é global”, exemplifica Hiller.

Financiamento de ações

Outro tema crucial é um consenso sobre o financiamento dos países desenvolvidos para a conservação da natureza nos países pobres —a exemplo do que já foi feito para as ações climáticas, num total de US$ 100 bilhões. A declaração de Kunming, assinada nesta quarta-feira (13) na cúpula, conclama por ações “urgentes e integradas” para transformar todos os setores da economia considerando a preservação das espécies, mas não conseguiu incluir o aspecto financeiro para essas ações.

Carlos Joly analisa a posição fragilizada de Brasília nessa demanda dos emergentes: “O problema é que o Brasil perdeu totalmente a credibilidade na área ambiental. Nenhum país vai entrar num acordo financeiro com um parceiro no qual ele vê como um incentivador da degradação ambiental, e não um país interessado de fato em implementar os acordos em questão”, observa. "É inacreditável, e somos o país mais rico em biodiversidade. É um país que, por a sua economia ser dependente de commodities, vai sofrer muito com as mudanças climáticas.”

Ações integradas para clima e natureza

Os bancos multilaterais, agências de financiamento e até as seguradoras estão cada vez mais cuidadosas com o aspecto ambiental, antes de liberar recursos. Oliver Hillel, responsável por promover a proteção da biodiversidade nos setores econômicos e diferentes áreas de governança dos países, ressalta que não haverá uma solução eficiente para o clima se a preservação da natureza não estiver incluída.

“Eu digo aos prefeitos: não faça o erro de se adequar ao clima e, daqui a dois ou três anos, ter de se adequar à natureza também. Nenhum banco hoje separa os dois”, frisa o biólogo da ONU. "O Banco Mundial não vai emprestar dinheiro para um país que vai destruir a natureza, mas proteger o clima."

Devido à pandemia, a fase final e presencial da COP15 ficou para abril e maio de 2022, na China. Outros pontos-chave a serem negociados são a redução de pelo menos metade dos fertilizantes liberados no meio ambiente e de dois terços de pesticidas no mínimo, a eliminação de todos os resíduos do plástico e a redução de pelo menos US$ 500 bilhões dos subsídios prejudiciais ao meio ambiente —basicamente, ao setor agropecuário.

A conferência ocorre em um momento de declínio da biodiversidade a uma taxa sem precedentes na história. De acordo com relatórios da ONU, 1 milhão de plantas e animais estão em risco de extinção por causas antropogênicas —ou seja, devido à ação do homem.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.