Pandemia ameaça metas mais ambiciosas na COP-26, diz articuladora do Acordo de Paris

Para Ségolène Royal, Covid pode atrapalhar comprometimento de líderes mundiais com a emergência climática

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Lisboa

A emergência sanitária causada pela Covid-19 pode afetar o comprometimento dos líderes globais no combate à crise climática.

O alerta, feito a poucas semanas do começo da próxima conferência internacional do clima da ONU, a COP-26 em Glasgow, na Escócia, é de Ségolène Royal: ex-ministra do Ambiente da França, negociadora internacional de políticas ambientais e presidente da COP-21 em Paris.

“O perigo é que nós nos esqueçamos da crise climática para cuidarmos do resto, mesmo sabendo que tudo é interligado. (...) Há mais mortes pelos efeitos das mudanças climáticas do que pela Covid-19, bem mais”, afirmou.

Em declaração à Folha, Ségolène Royal, 68, também voltou a condenar a política ambiental do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), criticando o desmatamento da Amazônia e classificando a situação do Brasil como dramática.

Ségolène Royal, ex-ministra do ambiente da França, negociadora internacional de políticas ambientais e presidente da COP-21 em Paris, durante a conferência “Future of Politics”, em Cascais, Portugal, em 30 de setembro de 2021
Ségolène Royal, ex-ministra do ambiente da França, negociadora internacional de políticas ambientais e presidente da COP-21, durante a conferência 'Future of Politics', em Cascais, Portugal - 30.set.2021/Divulgação

Uma das articuladoras do Acordo de Paris, em que líderes mundiais se comprometeram a reduzir emissões para limitar o aquecimento global, ela afirma que jovens ativistas, como Greta Thunberg, podem fazer a diferença nas discussões atuais.

“Hoje em dia nós devemos prestar contas à população e à nova geração. São esses jovens, até aqui na Europa, que vão conhecer cinco vezes mais ondas de calor do que a minha geração.”

Candidata do Partido Socialista derrotada por Nicolas Sarkozy nas eleições presidenciais francesas em 2007, Royal foi a primeira mulher a concorrer à Presidência por um grande partido em seu país.

Questionada sobre seu futuro político —como uma eventual nova candidatura presidencial—, ela deixa o suspense no ar: “não excluo nenhuma possibilidade”.

Em Portugal para a conferência “Future of Politics”, realizada no final de setembro em Cascais, Ségolène falou ainda sobre segurança e refugiados das mudanças ambientais. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

COVID E A COP-26

O risco [na COP-26] é que a questão climática fique em segundo plano, mas é importante que ela permaneça prioritária. O perigo é que nós nos esqueçamos da crise climática para cuidarmos do resto, mesmo sabendo que tudo é interligado.

O aquecimento global também potencializa doenças e a difusão dos vírus. Há o ebola, há outros vírus e doenças ligados à crise climática. Então, é absolutamente necessário que o combate às mudanças climáticas permaneça prioritário.

A Covid-19 fez com que a crise ambiental parecesse secundária, mas não deveria ser assim. Há mais mortes pelos efeitos das mudanças climáticas do que pela Covid-19, muito mais.

ACORDO DE PARIS

A COP-26, daqui algumas semanas, é a continuidade do Acordo de Paris. Continua uma reflexão e uma mensuração sobre o que já foi feito desde dezembro de 2015.

Joe Biden trouxe os EUA de volta ao Acordo de Paris para o clima, do qual Donald Trump havia saído. Essa foi uma boa novidade [para as negociações climáticas] e nós esperamos que Joe Biden dê um forte impulso na atuação dos EUA.

Dentro do plano de relançamento americano, há um capítulo muito importante sobre as energias renováveis e a transição energética e ecológica.

Agora, é preciso também que a Europa seja bem mais determinada, bem mais forte nesse sentido de transição energética.

BRASIL

A situação no Brasil é dramática, porque o desmatamento está uma catástrofe [com o governo Bolsonaro]. A Amazônia é o pulmão do mundo. O desmatamento e a destruição dos povos nativos são uma catástrofe.

A destruição da floresta para a plantação de outras culturas é uma catástrofe para a biodiversidade. É tudo muito grave.

REFUGIADOS DO CLIMA

Três quartos da população mundial habitam a menos de 100 km da costa. Se há erosão das costas, ou fenômenos de elevação do nível do mar, nós teremos cada vez mais o deslocamento de populações, que precisarão ir cada vez mais para dentro dos territórios.

Temos também a submersão dos territórios insulares. Há certos estados insulares que já sabem que vão desaparecer daqui a algumas dezenas de anos e que já começam a deslocar suas populações para áreas continentais. Ou seja, são novos fluxos de habitação, de compras de terra e de especulação alimentar.

SEGURANÇA

Há uma ligação entre a segurança e o clima. Eu considero que a principal responsabilidade de um líder político é de assegurar a paz. Não há vida humana tranquila no meio do conflito. É preciso nos lembrarmos de que a falta de água mata mais do que as guerras em escala planetária.

Isso acontece não somente porque a falta de água possibilita a emergência de doenças, da fome e da desestruturação das economias alimentares, mas também porque isso cria conflitos para ter acesso a esse bem escasso.

Na conferência climática de Paris, foram apresentados vários exemplos de conflitos que são diretamente ligados à questão climática. Houve, por exemplo, uma seca extremamente grave na Síria em 2011, que provocou o deslocamento de mais de dois milhões de camponeses para as cidades.

Cidades que já estavam sobrecarregadas com os refugiados que fugiam da guerra. Criou-se uma situação completamente explosiva no país.

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