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Aquecimento global: por que é preocupante que os polos da Terra estejam cada vez menos brancos

Poluição reduz a capacidade das calotas polares de refletir a radiação solar, contribuindo para o aumento de temperaturas

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Veronica Smink
BBC News Brasil

Você certamente já ouviu falar que uma das consequências mais sérias do aquecimento global é que os polos da Terra estão derretendo.

E talvez você tenha até tomado conhecimento dos alertas de cientistas de que o Ártico e partes da Antártida estão se aquecendo entre duas e três vezes mais rápido do que o resto do planeta.

Mas você sabe por que os polos são importantes —na verdade, vitais— para a humanidade?

Ilustração do planeta terra
A temperatura na península Antártica, ao Sul do planeta, aumentou 2,5°C nos últimos 50 anos. Mas a região que mais esquentou no mundo é o Ártico, no hemisfério Norte - Getty Images

E por que as regiões mais frias do globo são as que mais estão esquentando?

Você possivelmente intui que a função principal dos polos é resfriar a Terra. E há de fato alguma razão por trás dessa sua intuição.

Mas provavelmente você não sabe exatamente por que eles agem como o freezer do planeta.

O motivo pelo qual essas vastas extensões de gelo resfriam a Terra não é o fato de elas serem geladas, mas de serem brancas. E esse branco reflete o calor do Sol.

"O gelo do planeta reflete a quantidade certa de energia solar de volta ao espaço", explica David Attenborough, naturalista e apresentador da BBC, no documentário Breaking Boundaries: The Science of Our Planet (Rompendo Barreiras: A Ciência do Nosso Planeta, em tradução livre).

"Esse efeito de resfriamento é essencial para manter a temperatura da Terra estável", comenta ele no filme, lançado pela Netflix em meados deste ano.

Albedo, o poder de reflexão das superfícies

Sem os raios do Sol não poderíamos viver, mas isso também não seria possível se a Terra absorvesse 100% da radiação solar.

É por isso que a capacidade de nosso planeta de refletir parte desse calor é tão importante, um fenômeno conhecido cientificamente como albedo.

Ilustração do planeta terra
O gelo polar desempenha um papel fundamental na reflexão da radiação solar - Worldsat Internacional/SPL

Por meio desse mecanismo, nosso planeta reflete 30% da radiação solar. Os 70% restantes que a Terra absorve nos permitem manter uma temperatura ideal para o desenvolvimento de nossa civilização.

Mas, nas últimas décadas, o mundo tem perdido sua capacidade de refletir o calor do Sol, fazendo com que aquele equilíbrio perfeito que durou cerca de 10 mil anos —um período conhecido como Holoceno— seja quebrado.

Alpio Costa, climatologista do Instituto Antártico Argentino (IAA), afirma que, embora a principal barreira refletidora da radiação solar seja a atmosfera, os polos desempenham um papel indispensável como a principal fonte de albedo da superfície da Terra.

Costa destaca que o gelo é responsável por cerca de 25% do total de radiação solar refletida pelo planeta. Mas, nos últimos 500 anos, os polos têm se tornado cada vez menos brancos, reduzindo seu efeito reflexivo.

É essa "redução do albedo" que está fazendo com que esses imensos blocos de gelo se aqueçam cerca de três vezes mais do que o resto do planeta, explica o especialista.

Por que isso está acontecendo

"O problema começou com a revolução industrial, quando nós, como espécie, passamos a ter influência no clima, porque passamos a ser importantes emissores de gases de efeito estufa", explica Lucas Ruiz, geólogo do Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais (Ianigla) —nivologia é o estudo da neve e glaciologia, o das geleiras.

Ruiz foi um dos autores do último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas), que concluiu de forma inequívoca que a queima de combustíveis fósseis e outras ações poluentes do homem são os principais fatores que explicam o aquecimento do planeta a uma velocidade nunca vista antes.

A poluição que produzimos —mais da metade dela nos últimos 30 anos— não apenas elevou a temperatura do planeta, fazendo com que os polos começassem a derreter.

Ela também fez com que eles se tornassem menos brancos, reduzindo sua capacidade de refletir o calor do sol.

Como isso aconteceu? A redução do albedo ocorreu, por um lado, pelos resíduos da combustão de hidrocarbonetos que depositaram fuligem no gelo e na neve, diz Ruiz.

Mas o derretimento também escureceu a superfície do gelo, gerando pequenos corpos d'água e favorecendo o crescimento de algas.

"Se você olhar para a Groenlândia a partir do alto, em vez de ver branco, você verá branco-azulado", observa Ruiz sobre a calota polar ártica —que é a que está derretendo mais rápido.

Imagem aérea mostra área congelada da Groenlândia
A Groenlândia está cheia de corpos d'água como esse, e o gelo reflete cada vez menos - Getty Images

O gelo marinho do Ártico —o mais extenso do planeta— também está perdendo massa em velocidade recorde, expondo a superfície do oceano.

O problema, diz o especialista, é que enquanto o gelo reflete 90% do calor do Sol, a água reflete apenas 20% e 80% é absorvido, elevando suas temperaturas, o que também faz com que a água se expanda.

A combinação de derretimento do gelo e expansão da água está fazendo com que o nível do mar suba, representando uma ameaça para cidades costeiras, incluindo várias capitais do mundo.

As estimativas do IPCC são de que, mesmo que o mundo consiga chegar a um acordo para que a temperatura do planeta não ultrapasse 1,5°C acima dos níveis pré-industriais —hoje estamos nos aproximando de 1,2°C—, os danos já produzidos farão com que o nível do mar suba 50 cm até 2050, em comparação aos níveis de 1900.

"Parece pouco, mas isso é muito ruim, porque quando você projeta no litoral, dependendo da inclinação da costa, podem ser quilômetros [de inundação]", diz Ruiz.

Um novo trabalho do IPCC será divulgado em fevereiro, detalhando quais serão os locais mais afetados. O relatório atual, divulgado em agosto, prevê que "tanto o nível do mar, quanto a temperatura do ar, irão aumentar na maioria dos assentamentos costeiros".

Desnecessário dizer que, se a humanidade não chegar a um acordo na Cúpula do Clima de Glasgow (COP26) para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, e a Terra tornar-se ainda mais quente, os danos serão muito maiores.

Círculo vicioso 'irreversível'

Nesse sentido, o que mais preocupa com relação ao escurecimento dos polos é que isso desencadeou um círculo vicioso que pode ser catastrófico.

Os cientistas chamam de "processo de retroalimentação" e funciona assim: à medida que o planeta se aquece, as zonas polares perdem a superfície branca, que reflete menos, o que produz um aumento na temperatura, que por sua vez gera mais perda de gelo.

Esse fenômeno é o que explica porque os polos estão se aquecendo de duas a três vezes mais que o resto do planeta, diz Costa, do Instituto Antártico Argentino.

"Isso tem um nome: se chama amplificação polar", diz ele à BBC Mundo, serviços em espanhol da BBC.

À direita, um homem de boné posa para foto. Ao fundo, há um navio em águas congeladas
Embora a Antártica seja 'muito mais resistente' às ​​mudanças climáticas do que o Ártico, sua região oeste também está derretendo, alerta Alpio Costa, do Instituto Antártico Argentino - IAA

A má notícia é que, uma vez desencadeado esse processo, não basta manter as temperaturas atuais para desacelerá-lo. Teríamos que encontrar uma maneira de resfriar a atmosfera, algo que está fora de nosso alcance atualmente.

É por isso que os cientistas afirmam que o derretimento da calota polar ártica (Groenlândia) é irreversível em uma escala de tempo humana.

Costa alerta que a região oeste da Antártida também está derretendo.

E considerando os dois polos, há água suficiente para elevar o nível do mar em mais de 12 metros.

No entanto, também há "boas" notícias: esses blocos de gelo são tão grandes que, mesmo que o aquecimento continue, levaria dezenas de milhares de anos para eles derreterem completamente.

Assim, o perigo mais imediato é o desaparecimento do gelo marinho do Ártico, que é menos volumoso —e, portanto, não afetará tanto o nível do mar— mas é fundamental para proteger a Terra dos raios solares, uma vez que evita os impactos da radiação solar sobre o oceano, que o absorve, aquecendo e se expandindo.

De acordo com o relatório do IPCC, o gelo marinho no Hemisfério Norte durante o período mais seco diminuiu em média cerca de 25% nas últimas quatro décadas.

Portanto, muitos cientistas acreditam que limitar a emissão de gases de efeito estufa é a chave para desacelerar o aquecimento global e evitar que mais gelo marinho desapareça, reduzindo criticamente o albedo.

Imagem mostra um lago congelado. Ao fundo, se vê o sol.
O que mais se perdeu é o gelo marinho do Ártico, mas essa mudança é reversível se agirmos logo, alerta Lucas Ruiz, do Instituto Argentino de Nivologia, Glaciologia e Ciências Ambientais - Getty Images

"A perda de gelo marinho não é irreversível", enfatiza. "Se reduzirmos a velocidade do aumento de temperaturas, o gelo marinho vai aumentar."

A base do clima

A amplificação polar também ameaça desequilibrar outra função vital dos polos: a climática.

É que, como aponta Costa, essas grandes geleiras que refletem o Sol são a base do nosso clima.

"A diferença de radiação solar entre os polos e os trópicos, que gera uma diferença de temperatura, é o motor que põe a atmosfera em movimento e gera o que conhecemos como clima em todos os cantos do mundo", explica.

Esse fenômeno é o que faz com que ocorram "chuvas muito próximas ao equador, áreas muito secas em latitudes subtropicais e passagens de alta e baixa pressão em latitudes médias, o que permite que haja diferentes estações", acrescenta.

Por isso, o derretimento dos polos e a consequente redução do albedo não só aumentam as temperaturas da atmosfera e ameaçam nossas costas, mas também podem causar caos no delicado equilíbrio climático do planeta.

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