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COP26 mudança climática

Banco Central perde a chance de colaborar com redução do desmatamento

Impedir que o crédito rural, subsidiado com recursos públicos, incentive a destruição das florestas é uma ação crucial

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Maria Rosa Darrigo

Doutora em ecologia, consultora do Observatório do Clima.

Merel van der Mark

Coordenadora da Coalizão Florestas e Finanças.

Tarcísio Feitosa

Mestre em desenvolvimento sustentável e agriculturas amazônicas.

A destruição das florestas é atualmente um dos maiores desafios ambientais do mundo, figurando como destaque nas discussões na COP26. As principais soluções propostas focam em suporte a atividades agrícolas sustentáveis para lidar com o problema.

Ainda que essa alternativa seja extremamente importante e parte fundamental da solução, pouco adianta sem políticas que foquem também no corte de financiamento —público e privado— para atividades vinculadas a desmatamento.

vista aérea de árvores caídas e queimadas
Área desmatada em Apuí (AM), em foto de agosto de 2020 - Lalo de Almeida - 20.ago.20/Folhapress

Desmatamento é uma atividade cara. O MPF (Ministério Público Federal) aponta que, para destruir uma área equivalente a um campo de futebol, é preciso entre R$ 800 e R$ 2.000.

Com o recente aumento do desmatamento na Amazônia, mais de um milhão de hectare de floresta é perdido anualmente. Assim, pelo menos R$ 1 bilhão é necessário para manter o ritmo da destruição das florestas todos os anos no Brasil.

Não são raras as vezes em que financiamentos concedidos por bancos, especialmente via crédito rural (crédito subsidiado para agropecuária, financiado com dinheiro dos brasileiros), beneficiam grileiros e desmatadores.

Com base em dados do próprio Banco Central, a plataforma Floresta & Finanças, mostra que, desde o Acordo de Paris (assinado em 2015 e que prevê ações de mitigação para a emergência climática), mais de US$ 25 bilhões de crédito rural foram destinados a setores como gado e soja na Amazônia. No Cerrado, foram mais de US$ 50 milhões.

Essas são commodities intimamente relacionadas a desmatamento —até 90% das áreas desmatadas na Amazônia são destinadas à pecuária, com situação similar no Cerrado.

A chance de que boa parte desse dinheiro financie a consolidação de áreas recém-desmatadas, beneficiando grileiros e desmatadores, é bastante alta, e torna-se maior com a escalada do desmatamento.

Para se ter uma ideia do volume desse dinheiro, a Declaração de Florestas, assinada nesta COP, pretende disponibilizar US$ 12 bilhões em quatro anos para diversas atividades para conter o desmatamento no mundo inteiro.

O Bacen (Banco Central do Brasil) tem um papel fundamental no financiamento agrícola, por regulamentar as atividades de todos os bancos do país. Recentemente, o Bacen iniciou uma discussão sobre a restrição de acesso ao crédito rural em função dos critérios de sustentabilidade.

Apesar de ter realizado uma tímida consulta pública sobre as propostas em curso, quase nenhuma contribuição da sociedade civil foi incorporada. O resultado final, descrito na Resolução 140/2021, tem poucos efeitos práticos e grandes lacunas. Em última análise, a nova proposta ainda permite —em plena era da emergência climática— o financiamento de atividades para consolidar imóveis que utilizaram desmatamento ilegal, em áreas públicas e em áreas protegidas.

Essa e outras medidas foram apresentadas na COP26, no dia 3 de novembro, pelo presidente do Bacen, como iniciativas para tornar o crédito rural mais sustentável.

A resolução, no entanto, só proíbe financiamento aos imóveis rurais que ocuparam as terras indígenas homologadas e quilombolas tituladas. Quase 35% das terras indígenas ainda não estão homologadas, e, no caso de terras quilombolas, a situação é ainda pior, mais de 93% não são tituladas.

A resolução não menciona empreendimentos com sobreposição a florestas públicas que ainda não foram destinadas. Estudo do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) demonstra que as florestas públicas são invadidas numa velocidade assustadora e concentram cerca de 30% do desmatamento da Amazônia. Ainda, desde 2016, o número de inscrição de CAR (Cadastro Ambiental Rural) em áreas em florestas públicas aumentou mais de 230%.

O estudo aponta também que, mesmo sem ser documento fundiário, o CAR facilita a obtenção de recursos nos bancos e viabiliza a ocupação ilegal e o desmatamento.

Ao não adotar medidas que restrinjam o financiamento a esses imóveis, e apenas negar o financiamento de propriedades com CAR anulado, o Bacen deixa de proteger 61 milhões de hectares só em florestas públicas, exatamente as áreas que mais vêm sofrendo com a pressão da extração ilegal de madeira, queimadas e desmatamento por diversas fontes.

A resolução também só proíbe crédito para imóveis com infrações ambientais (e/ou áreas embargadas) realizadas pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), sem considerar infrações verificadas por municípios e estados. Tampouco proíbe o crédito para beneficiários que não rastreiam a sua cadeia de fornecimento, financiando assim atividades sem nenhum controle ambiental.

A primeira tentativa de o Bacen desvincular o crédito do desmatamento vem de 2008 (Resolução CMN n° 3545) e evitou o desmatamento em 2.700 km² na floresta amazônica entre 2008 e 2011, evidenciando que as ações do Bacen são determinantes para auxiliar no combate.

No entanto, desde que essa resolução foi implementada, houve um intenso incremento de plataformas e dados que permitem aos bancos o conhecimento sobre o histórico da propriedade onde as atividades necessitam de financiamento. Assim, certamente, é possível aprimorar as salvaguardas visando um resultado mais concreto.

Para evitar uma catástrofe climática, é urgente zerar o desmatamento, a maior fonte de emissões de gases-estufa no Brasil. Além da destruição das florestas não gerar nenhuma riqueza para o país, nos coloca numa situação de pária internacional, atrapalhando negócios e acordos comerciais.

Impedir que o crédito rural, subsidiado com recursos públicos, incentive o desmatamento é uma ação crucial, para o clima e para o desenvolvimento econômico do país. Grileiro e desmatador não podem continuar a ter a certeza da impunidade e do acesso ao crédito.

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