Descrição de chapéu mudança climática COP26

Brasil anuncia meta de reduzir 50% de emissões até 2030, sem aumentar ambição nos cortes

Ministro do Meio Ambiente não aponta base de cálculo; país pode inclusive manter 'pedalada climática'

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São Paulo

O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, anunciou durante a COP26, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, na manhã desta segunda-feira (1º), uma nova meta climática brasileira de reduzir em 50% a emissão de gases poluentes até 2030 e neutralizar a emissão de carbono até 2050.

Anteriormente, o país tinha a meta de reduzir, até 2030, 43% das emissões nacionais.

Porém, o anúncio foi lacônico ao não apontar qual a base para o corte. Caso a redução siga a mesma base da atualização anterior (de dezembro de 2020), o país ainda emitiria mais gases do que o apontado na meta feita em 2015, no Acordo de Paris. Caso o país siga a base mais atualizada disponível (o quarto inventário nacional de emissões), a redução de emissões ficaria igual à prometida em 2015.

Ou seja, em qualquer dos cenários, o Brasil não aumenta sua ambição climática na nova meta (chamada de NDC, sigla em inglês para contribuição nacionalmente determinada) apresentada perante o mundo. Metas mais ambiciosas eram esperadas das nações signatárias do Acordo de Paris.

Jair Bolsonaro e Joaquim Leite
O presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite - Adriano Machado/REUTERS

O Brasil e o México são os únicos países do G20 que, até o momento, tinham metas climáticas que, comparadas aos compromissos do Acordo de Paris, aumentavam emissões, ao invés de reduzir.

A meta foi anunciada pelo ministro em Brasília, mas com transmissão no pavilhão brasileiro montado na COP26 —sua viagem a Glasgow só deve ocorrer nos próximos dias. No pronunciamento, ele classificou-a como " mais ambiciosa".

Antes do anúncio, foi feita ainda a apresentação de um discurso gravado em vídeo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O mandatário está em Pádua, na Itália, e não vai à conferência do clima. Na fala, afirmou que o Brasil "sempre foi parte da solução, não do problema" no combate às mudanças climáticas.

A meta de o Brasil se tornar neutro em emissões até 2050 (para isso, o nível de emissões de gases-estufa e de absorções, por florestas, por exemplo, precisam ficar equivalentes) também não é nova. Bolsonaro, durante a Cúpula do Clima, do presidente americano, Joe Biden, já havia se comprometido com essa ideia. Falta, porém, desde então, a formalização do compromisso.

Entre as metas apresentadas, está também reduzir o desmatamento em 15% ao ano até 2024, e zerar a derrubada ilegal de mata nativa até 2028, segundo o Plano Nacional para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023.

A redução do desmate da Amazônia, em especial, é um dos pontos centrais para o país conseguir reduzir suas emissões de gases-estufa. O desmatamento é a principal fonte de emissões do Brasil. Em seguida, aparece a agropecuária —que também acaba ligada à destruição de matas, convertidas em pasto após a derrubada da vegetação nativa.

Na gestão de energia, o Ministério do Meio Ambiente anunciou a participação do país em 45% a 50% de energias renováveis na composição da matriz energética até 2030.

Em nota, o Observatório do Clima criticou o anúncio e afirmou que "se quisesse apresentar um compromisso compatível com o Acordo de Paris, a meta deveria ser de pelo menos 80% de corte".

"O país falhou em aumentar ambição climática, ao contrário do que alegaram Bolsonaro e Leite em suas falas", afirmou a entidade, que reúne dezenas de entidades ambientais.

Para Marcio Astrini, secretário-executivo do observatório, a nova meta é uma corrida para empatar com o passado —enquanto que, com os dados apresentados na própria COP26 e por cientistas climáticos, o resto do mundo vai em direção ao futuro, diz.

Segundo Astrini, o Brasil tentou embalar e vender como novo algo que o país já tinha apresentado no Acordo de Paris. "De seis anos para cá, a agenda do clima, a necessidade de melhorar a performance, mudou, há uma exigência maior."

De acordo com o pesquisador Paulo Artaxo, membro do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança do Clima), a nova meta de 50% significa somente reduzir as emissões derivadas do desmatamento da Amazônia. "Realmente é muito próxima da meta anterior e não representa um esforço de neutralidade de carbono", afirma Artaxo. "Significa somente parar atividades ilegais na Amazônia."

Segundo Artaxo, até mesmo o compromisso da neutralidade climática até 2050 é insuficiente para o contexto da gravidade da crise climática atual, claramente apontada pelo relatório mais recente do IPCC.

O ideal —e que alguns países já estão seguindo— é que nações desenvolvidas se comprometam com a neutralidade de emissões até 2030 e as em desenvolvimento, até 2040, diz o membro do IPCC.

"Não adianta colocar um número para daqui 30 anos, sem deixar muito claro e explícito, formalmente na lei, quais instrumentos legais o Brasil vai usar para atingir essa meta", afirma Artaxo.

Natalie Unterstell, especialista em políticas públicas e mudança climática e coordenadora do projeto Política por Inteiro, do Instituto Talanoa, tem visão semelhante. Para ela, a nova meta "é um resultado de zero a zero". "E para o planeta é um jogo negativo, de soma negativa", completa.

A destruição de biomas tem crescido nos últimos anos, com forte intensificação desde o início do governo Bolsonaro. O país tem apresentado níveis de destruição na Amazônia superiores aos 10 mil km² anuais, dados mais de 50% superiores ao desmate de 2015, quando o Acordo de Paris foi assinado —naquele momento, o país já tinha sinais de aumento de devastação.

Dados recentes do Seeg (Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa) mostram que, em 2020, o país aumentou em 9,5% os gases-estufa emitidos em comparação ao ano anterior e chegou ao maior valor de emissões desde 2006.

"Somos um dos poucos países que têm condições de reduzir imensamente suas emissões sem depender de nenhuma tecnologia disruptiva", afirma Unterstell. "Temos estudos mostrando que, com redução do radical desmatamento e precificação doméstica do carbono, a gente consegue chegar tranquilamente a 80% da redução até o final desta década."

Elogios fora

Ao mesmo tempo, a nova meta brasileira ganhou apreço internacionalmente.

O presidente da COP26, Alok Sharma afirmou: "Muito bom ver o Brasil confirmar sua meta de neutralidade climática até 2050, aumentar sua NDC para 50% e fortalecer suas metas para reduzir o desmatamento. É um progresso real e ajudará a criar impulso para [manter o aquecimento global em até] 1,5°C".

O enviado especial do governo americano para o clima, John Kerry, parabenizou, por redes sociais, o anúncio brasileiro.

"Saudamos os novos compromissos do Brasil para acabar com o desmatamento ilegal até 2028, alcançar uma redução significativa de 50% de GEE até 2030 e atingir zero líquido até 2050. Isso adiciona um impulso crucial ao movimento global para combater a crise climática. Estamos ansiosos para trabalhar juntos!", disse Kerry.

Por fim, o embaixador Britânico no Brasil, Peter Wilson, disse estar "muito satisfeito em receber o ambicioso anúncio do Brasil na COP26".

O cálculo da meta brasileira

A NDC inicial brasileira, apresentada para o Acordo de Paris, em 2015, estipulava uma redução de 43%, até 2030, nas emissões com base no ano de 2005. O valor para esse ano, naquele momento, era de 2,1 gigatoneladas de CO2e (leia CO2 equivalente, basicamente, uma medida que soma todos os gases-estufa).

Desse modo, uma redução de 43% faria com que o país chegasse a 2030 emitindo cerca de 1,2 gigatoneladas de CO2e.

Com o passar dos anos e o desenvolvimento de metodologias para estimar os gases-estufa emitidos, as medidas para o ano de 2005 acabaram atualizadas nos inventários brasileiros de emissões.

A atualização da NDC brasileira, apresentada pelo governo Bolsonaro em dezembro de 2020, por exemplo, foi baseada no terceiro inventário, no qual os valores de emissões para 2005 ficaram em 2,8 gigatoneladas de CO2e. A meta do Brasil, porém, não atualizou o percentual de corte naquele momento.

Com isso, o país chegaria em 2030 emitindo cerca de 1,6 gigatonledas de CO2e, ou seja, mais do que o compromisso feito inicialmente, no Acordo de Paris. Daí surgiu o termo "pedalada climática" ou "pedalada de carbono".

O Brasil agora já tem um quarto inventário de emissões. Nele, os gases-estufa lançados em 2005 ficaram na casa de 2,4 gigatoneladas de CO2e.

Levando em conta que a meta apresentada agora para a COP26 tome esse inventário como referência, o país chegará em 2030 emitindo, mais uma vez, cerca de 1,2 gigatoneladas de CO2e, o mesmo valor do compromisso inicial no Acordo de Paris.

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