Governo Bolsonaro pôs em documento oficial queda irreal de desmate e levou à COP26

Relatório aponta redução de 5% de desmatamento na Amazônia, mas houve aumento; ministério não comenta

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Brasília

O governo Jair Bolsonaro não apenas segurou a divulgação do recorde de desmatamento da Amazônia em 15 anos, detectado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), como levou à COP26 um dado de queda de 5% da devastação no bioma, registrado em um documento oficial do MMA (Ministério do Meio Ambiente).

No dia 1º, primeiro dia útil da Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, em Glasgow, no Reino Unido, o MMA anunciou um plano para zerar o desmatamento da Amazônia em 2028, uma antecipação de dois anos em relação à meta anterior.

O anúncio foi feito pelo ministro Joaquim Álvaro Pereira Leite, em uma mensagem virtual transmitida no estande do governo brasileiro em Glasgow.

Pessoa, desfocada e em primeiro plano, levanta um celular e o aponta para o ministro, de terno escuro, em um púlpito
Joaquim Alvaro Pereira Leite, ministro do Meio Ambiente, discursa na COP26, a conferência do clima - Yves Herman/Reuters

O MMA apresentou, então, as diretrizes para neutralidade climática no Brasil, cujo principal anexo é o Plano Nacional para Controle do Desmatamento Ilegal e Recuperação da Vegetação Nativa 2020-2023. A data de criação do documento também é dia 1º.

O plano define como o governo Bolsonaro pretende diminuir o desmatamento da Amazônia, até zerar em 2028. Um gráfico traz dados do Prodes (Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite), do Inpe, com um dado irreal de desmate em 2021.

O gráfico projeta um desmatamento de 10.308 km² em 2021 e o associa ao Prodes. Seria uma redução de 5% em relação a 2020, quando os satélites mostraram uma destruição de 10.851 km².

Gráfico de barras mostrando desmatamento na Amazônia
Gráfico, presente em documento do Ministério do Meio Ambiente levado à COP26, mostra número errado de desmatamento em 2021 - Reprodução

O número está equivocado. No último dia 18, o Inpe divulgou o relatório de desmatamento medido pelo Prodes, com uma área de 13.235 km² entre julho de 2020 e agosto de 2021, um aumento de 22% em relação ao período anterior. É o maior valor já registrado desde 2006.

O documento do Inpe ficou pronto em 27 de outubro. No mesmo dia, o órgão inseriu o relatório no sistema eletrônico do governo federal.

Os dados permaneceram ocultos na véspera da COP26, durante a cúpula da ONU e quase uma semana após o fim do evento.

O recorde de desmatamento da Amazônia em 15 anos só veio a público no último dia 18.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação não explica por que os dados permaneceram escondidos. Em nota, a pasta afirmou que a divulgação do Prodes ocorre anualmente no mês de dezembro.

"A divulgação dos dados referentes ao período de 1 de agosto de 2020 até 31 de julho de 2021, feita em 18/11, se deu antes do prazo previsto", disse.

Ao longo dos anos, já houve divulgação dos dados do Prodes em outubro, novembro e dezembro.

O ministro do Meio Ambiente afirmou que só teve acesso aos dados do Prodes no dia em que eles se tornaram públicos, com a publicação do relatório no site do Inpe.

O ministério não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre o dado incorreto inserido no Plano Nacional para Controle do Desmatamento Ilegal, apresentado no começo da COP26.

Uma redução de 5% no desmatamento é a mesma levada em conta pelo Conselho Nacional da Amazônia Legal, presidido pelo vice-presidente Hamilton Mourão.

Na penúltima reunião do conselho no ano, em 24 de agosto, Mourão afirmou que o Prodes mostraria uma queda de 5% no desmatamento.

Representantes de cinco ministérios também citaram queda da devastação e associaram políticas das pastas —como regularização de garimpo ilegal, intervenção militar no bioma, regularização fundiária, exploração de madeira e extrativismo— a uma melhora dos indicadores que não ocorreu, como a Folha mostrou no domingo (28).

O dado irreal, colocado no plano do MMA, pode ter consequências em cadeia no escalonamento de redução do desmatamento previsto no próprio plano.

A ideia é reduzir a perda de vegetação em 15% ao ano, entre 2022 e 2024. Depois, entre 2025 e 2026, a redução anual seria de 40%. Em 2027, 50%. E, finalmente em 2028, zerar o desmatamento.

O valor projetado para 2022, o último do atual mandato de Bolsonaro, é de 8.762 km², o que representa uma diminuição de 15% em relação ao dado irreal de 2021 —10.308 km²— colocado no documento.

Como os satélites do Inpe mostraram um aumento expressivo do desmatamento em 2021, ano usado como base para o escalonamento das reduções, a queda na devastação terá de ser ainda mais expressiva para que o Brasil consiga cumprir a promessa de zerar o desmatamento em 2028.

"As ações de fiscalização e combate, tradicionalmente, costumam apresentar resultados imediatos para o controle e redução do desmatamento ilegal, principalmente na Amazônia", afirma o plano elaborado pelo MMA.

"Ações diretas de repressão ao desmatamento ilegal e aos incêndios florestais constituem o primeiro passo para combater a derrubada da vegetação nativa e, por conseguinte, de outros ilícitos associados, como grilagem de terras, extração ilegal de madeira, invasão de áreas públicas, entre outros", cita o documento.

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