Mudança de posição do Brasil na COP26 foi condição para Bolsonaro discursar

Pressão do Reino Unido levou governo brasileiro a assinar Declaração de Florestas

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Glasgow (Escócia)

Os 30 segundos de discurso do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no segundo dia da COP26, durante o Evento da Cúpula dos Líderes Mundiais sobre Florestas e Uso do Solo, foram cedidos ao Brasil em troca da assinatura da Declaração de Florestas, anunciada no início do encontro em Glasgow.

A condição foi imposta pelo Reino Unido, segundo a Folha apurou com integrantes da delegação brasileira e confirmou com a diplomacia britânica, que preside a COP26, Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas.

Os britânicos afirmaram que não faria sentido dar palco para um país que não estivesse disposto a assumir compromissos climáticos. "O Brasil é parte da solução para superar esse desafio global", afirmou Bolsonaro no vídeo exibido na abertura na última segunda-feira (1).

Bolsonaro, de óculos, sentado, com bandeiras ao fundo
Presidente Jair Bolsonaro fala em vídeo gravado para a COP26 - Reprodução

A mesma condição havia sido colocada pela Cúpula do Clima da ONU, realizada em setembro de 2019. Ao não apresentar novos compromissos climáticos, o discurso brasileiro foi vetado no evento em Nova York.

Também no início da COP26, o Brasil assinou o compromisso global sobre o metano, após pressão dos Estados Unidos, que sugeriu privilegiar acordos comerciais com os signatários do compromisso.

O Itamaraty concordou com a condição imposta pelo Reino Unido nesta COP por enxergar nela uma oportunidade de controlar danos. O vídeo de Bolsonaro e a Declaração de Florestas visaram a uma projeção positiva do país no início da conferência, sob a expectativa de evitar ataques e acusações de descomprometimento com a pauta ambiental.

Ainda assim, Bolsonaro conquistou para o Brasil o "antiprêmio" Fóssil da Semana, concedido pela rede Climate Action aos países que, na avaliação da entidade, mais prejudicam as negociações climáticas. O presidente brasileiro foi escolhido "pelo tratamento horrível e inaceitável aos povos indígenas", após criticar a ativista Txai Suruí.

Ao ceder à pressão britânica, o governo brasileiro também avaliou que a Declaração de Florestas não implicaria custos ao país, já que o compromisso não tem força de lei e trata apenas de princípios pela conservação florestal.

No entanto, a assinatura de um documento cujo texto estava pronto (portanto, não admite negociação dos termos) foi incômoda ao Itamaraty, que não teria se comprometido em anos anteriores, quando o Brasil era reconhecido como protagonista nas negociações climáticas.

Em 2014, por exemplo, com o desmatamento na Amazônia abaixo de 5.000 km2, o Brasil não aderiu à Declaração de F lorestas assinada em Nova York. O desmate no bioma, que já vinha crescendo, saltou em 2019 e mantém um novo patamar, em torno de 10 mil km2.

Além do desmatamento, a antiga imagem que pintava o país como uma potência ambiental ficou desgastada com a comunidade internacional nos últimos três anos, com o desmonte de políticas ambientais e os recuos em compromissos, expressos no posicionamento da diplomacia em negociações de clima e de biodiversidade e também em discursos de representantes do governo em fóruns internacionais.

Na avaliação de integrantes do governo, as saídas dos ministros de Relações Exteriores, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foram fundamentais para a mudança da posição brasileira na COP26.

Com o novo chanceler do governo, Carlos Alberto França, e o novo comandante da pasta ambiental, Joaquim Leite, as equipes técnicas conseguiram convencer o governo a adotar uma estratégia mais pragmática, com um tom construtivo nas negociações climáticas em troca de reconhecimento internacional —que poderia desembocar em acordos econômicos.

O governo tenta sinalizar ao mundo que entendeu —após quase três anos de gestão— os critérios ambientais que passaram a condicionar os acordos econômicos e pautar fóruns como Davos e G20.

Entre as expectativas, está o desbloqueio do acordo comercial da União Europeia com o Mercosul, travado no Parlamento europeu. Dois dias após o Brasil ter assinado a Declaração de Florestas, o chefe da diplomacia europeia, Joseph Borell, disse que os compromissos ambientais do Brasil são cruciais para a conclusão do acordo.

Em contrapartida à mudança de posição brasileira, líderes das negociações elogiaram o país nos primeiros dias de COP26.

Ao conversar com a Folha, John Kerry, enviado especial de clima dos Estados Unidos, elogiou o novo ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, e afirmou que Washington vai ajudar o Brasil a cumprir as metas climáticas.

Pelo Twitter, Alok Sharma, presidente britânico da COP26, chamou de "progresso real" a meta brasileira de zerar suas emissões de gases-estufa até 2050.

O Brasil também corrigiu, na abertura da COP26, sua meta climática para 2030, com previsão de reduzir 50% das emissões de gases-estufa. A meta anterior, submetida à ONU pela gestão Salles no fim de 2020, havia sido acusada de retrocesso e pedalada climática, por mudar a base de cálculo sem ajustar o número final.

Apesar dos elogios, as defesas do Brasil nas negociações da COP26 ainda são observadas com desconfiança, que se ressalta nos momentos em que o país reforça posicionamentos.

Em um dos principais temas de negociação, o Brasil defende que os créditos de carbono gerados pelas regras do Protocolo de Kyoto —que vigorou entre 2005 e 2020— sejam aceitos no novo mercado de carbono, que pode ser criado a partir desta COP26.

Após reforçar seu posicionamento no final desta primeira semana de negociação, a diplomacia brasileira voltou a ser acusada de retrocesso climático.

O mesmo país que trouxe uma meta que vai para trás, agora quer vender créditos velhos de carbono, teria dito na reunião um representante das pequenas ilhas em referência ao Brasil.

A jornalista viajou a convite do Instituto Clima e Sociedade.

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior deste texto citou incorretamente a duração do discurso do presidente Jair Bolsonaro na Cúpula de Líderes da COP26. Foram 30 segundos, não três minutos. O vídeo em que Bolsonaro fala por três minutos foi exibido apenas no estande do Brasil na conferência.

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