Petróleo e gás precisam acabar, diz embaixador da Dinamarca

Maior produtor de petróleo da União Europeia quer encerrar exploração até 2050

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São Paulo

Uma lei climática que estipula a redução, até 2030, de 70% das emissões de gases-estufa, em relação a 1990, e a neutralidade de carbono até 2050. Além disso, a iniciativa de acabar com o uso de petróleo e gás e a admissão da necessidade de aumentar o financiamento climático. Bem-vindo(a) à realidade da Dinamarca, que, apesar desses objetivos, é o maior produtor de petróleo da União Europeia.

"Petróleo e gás não fazem parte do nosso futuro", diz Nicolai Prytz, embaixador da Dinamarca no Brasil, em entrevista à Folha.

"O mundo vai precisar de petróleo e gás por um tempo ainda. Mas as decisões têm que ser tomadas agora. A gente quer criar essa aliança de países que compartilham a ambição de que petróleo e gás têm que acabar."

A fala de Prytz é materializada na Beyond Oil and Gas Alliance (aliança para superar o petróleo e o gás), lançada recentemente, antes da COP26, a Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, e encabeçada por Dinamarca e Costa Rica.

Homem, de terno, encostado em parede, olha para a lente da câmera que o fotografa
Nicolai Prytz, embaixador da Dinamarca no Brasil - Divulgação

A ideia é atrair membros e marcar uma posição sobre o assunto. A Dinamarca já decretou o fim dos leilões para novas explorações petroleiras e estabeleceu uma data para encerrar a atividade: 2050.

A participação na aliança não implica fazer exatamente o mesmo que a Dinamarca, mas é necessário algum grau de comprometimento para que se caminhe para o fim do petróleo, diz Prytz.

Em 2020, com apoio de oito dos dez partidos de seu Parlamento, o país nórdico aprovou uma lei climática, na qual há a determinação de verificação anual dos esforços para redução de emissões.

"Eu diria ser a lei climática mais ambiciosa do mundo", afirma. "Aqueles que não apoiaram queriam normas ainda mais rígidas."

Segundo o embaixador, isso só foi possível porque a mudança climática é a principal preocupação do país, como apontam pesquisas de opinião. Mas ele também entende que esse não será necessariamente o primeiro pensamento para todo mundo.

"Sei que muitos brasileiros têm desafios como emprego, economia, saúde e educação. Entendo que o clima não é o tema principal quando o pai e a mãe acordam e a preocupação é como a família vai comer hoje."

Na questão climática brasileira, a seu ver, um dos problemas centrais é o desmatamento, algo que pode ser contido (como já foi anteriormente) com políticas de Estado.

Leia a entrevista com o embaixador da Dinamarca a seguir.

Como a Dinamarca conseguiu aprovar a lei climática? O que foi necessário para a nação e os políticos embarcarem na ideia? Algo fundamental para entender isso é que a Dinamarca tem uma história na questão climática. Uma coisa mudou bastante nas últimas eleições, em 2019, em pesquisas sobre quais temas mais preocupam os eleitores.

Durante muito tempo, foi a imigração, o crescimento econômico, a saúde. As mudanças climáticas tinham prioridade alta, mas não estavam no topo. Agora, a crise climática ficou lá em cima. É o que mais preocupa os dinamarqueses. É uma tendência que verá em toda a Europa. É um sinal muito forte do eleitorado que os políticos não podem ignorar.

Conseguimos em menos de um ano, em 2020, o que eu diria ser a lei climática mais ambiciosa do mundo. E tem um apoio firme do Parlamento. Ter apoio político faz com que isso dure.

Outra característica fundamental é que estabelecemos parcerias com diferentes setores da economia. Eles devem fazer sugestões sobre como atingir as metas no setor. As empresas também se sentem donas do processo.

Um exemplo recente, de algumas semanas atrás: o setor agrícola, que polui bastante, fez um plano sobre como atingir as metas que veio acompanhado de um valor que precisa ser investido em tecnologia, desenvolvimento e pesquisa.

Em que momento a população da Dinamarca despertou para a questão climática? Foi na crise do petróleo em 1973. Reparamos que dependíamos demais da energia fóssil e que teríamos que diversificar. Teve um impacto sério no PIB. Fomos investindo em novas tecnologias das quais seríamos donos.

O problema de petróleo e gás é que dependíamos de outros países, que estavam inclusive em regiões muito conflituosas. Ficamos muito vulneráveis. Mas temos o vento e somos donos disso. Além disso, a energia mais limpa e barata é a que você não usa. Então, começamos também a investir muito em eficiência energética.

Agora somos o primeiro produtor significativo de petróleo do mundo que pôs uma data final na produção. Já acabamos com os leilões. Respeitamos os contratos que existem, temos mais de 50 plataformas operando no mar do Norte, não dá para fechar de um dia para outro. Mas, em 2050, não vai ter mais.

Petróleo e gás não fazem parte do nosso futuro. É melhor começar agora. O mundo vai precisar de petróleo e gás por um tempo ainda, mas as decisões têm que ser tomadas agora. Queremos nos colocar como exemplo.

Qual o plano da Dinamarca para a COP26? Uma coisa que levamos para Glasgow é a implementação. Precisamos ter cuidado para que não vire um concurso de beleza, em que todo mundo coloca números atualizados de NDC [sigla em inglês para Contribuição Nacionalmente Determinada, ou seja, a meta climática de cada país para o Acordo de Paris]. Mas como vamos acompanhar isso?

Temos modelo pelo menos. Não estou falando que seja o único. Mas todo ano o governo tem que ir ao Parlamento para apresentar como pretende agir no próximo ano. Isso é uma coisa do orçamento anual, é um mecanismo para assegurar que realmente estamos dando seguimento, ano a ano.

É importante estabelecer um mecanismo que seja um consenso. É assim que vamos dar continuidade todo ano ao nosso compromisso independentemente do governo que estiver no poder.

Um dos temas centrais da COP é o financiamento, sobre o qual a Dinamarca também tem planos. Dos famosos US$ 100 bilhões anuais, a Dinamarca vai colocar 1%. É bem acima da nossa fatia natural, considerando que nosso PIB e nossa população não dão 1% entre os países ricos.

Aceitamos que os países desenvolvidos têm uma responsabilidade muito grande nesse sentido. Nos lembramos bem, foi um compromisso que nasceu na COP15, na Dinamarca [em 2009]. Queremos mandar um sinal forte não só para os países em desenvolvimento, mas colocar uma pressão nos outros países desenvolvidos.

O governo Bolsonaro está fazendo sua parte para ajudar a conter a crise climática? Obviamente o problema principal é o desmatamento. Alguma coisa tem que acontecer. Os números não mentem, é a ciência. Todo mundo espera que os números sejam reduzidos de forma contínua. O que falta é um plano coerente de vários anos.

A Dinamarca tem também preocupações com a origem dos produtos importados. Em questão de mercado europeu, quanto o Brasil precisa se preocupar? É um tema que será muito mais presente na União Europeia daqui para frente. Vão ter mecanismos para avaliar bem a cadeia de produção para ver se seu produto é limpo.

Vejo as primeiras, digamos, "ameaças" às exportações brasileiras. Não são só decisões políticas. Temos consumidores que se preocupam muito com o clima. Acompanham os números da Indonésia, do Brasil, dos países que têm florestas importantes. E também, não é surpresa para ninguém, os números [de desmatamento] nos últimos anos receberam muita atenção na Europa na mídia e entre as empresas e os investidores. Muitos setores ficam preocupados. É um tema para levar muito a sério.

O Brasil tem uma história muito importante para contar ao mundo na área de matriz energética, uma das mais limpas do mundo. O Brasil deve ser um líder em todos os sentidos nesse debate sobre mudanças climáticas. Infelizmente o tema do desmatamento, um desafio reconhecido, tem prejudicado muito a imagem do Brasil, e o primeiro interessado em mudar isso deve ser o Brasil.

O senhor citou a COP15, para a qual existiam muitas expectativas, mas o resultado final foi atrapalhado pelos participantes. O sabor que ficou foi muito amargo, do que poderia ter sido e do que de fato aconteceu na conferência? Como país anfitrião, você tem muita expectativa. Queríamos que fosse um sucesso enorme, mas obviamente não foi. Mas teve resultados: estamos falando hoje de financiamento, uma ideia que foi perseguida lá. Resultados houve, mas não o espetacular que todo mundo queria.

Lógico que doeu um pouco. Não vou fazer paralelo com a Copa do Mundo no Brasil [risadas]. Não quer dizer que foi uma Copa ruim, houve vários jogos interessantes. Mas você quer um resultado que será lembrado.


RAIO-X

Nicolai Prytz, 55

Embaixador da Dinamarca no Brasil desde setembro de 2018. Tem mestrado em direito e MBA em comércio exterior e negócios. Atuou, em 1998, no Ministério de Relações Exteriores, como chefe de seção no Departamento de Coordenação de Política da União Europeia. Entre 2001 e 2002, foi chefe-adjunto de missão na Embaixada em Buenos Aires e, de 2002 a 2004, na Embaixada em Brasília. De 2007 a 2013, foi cônsul-geral no Consulado em São Paulo. Antes da posição atual no Brasil, foi cônsul-geral em Xangai.

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