Descrição de chapéu mudança climática COP26

Por que a Austrália tirou do Brasil o título de vilão climático

País teve na COP26 atitude negacionista e inação, perfil que brasileiros buscaram reverter

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Glasgow

Pelo centro de Glasgow, ele vinha acorrentado logo atrás de um falso presidente Jair Bolsonaro, na performance em que ativistas desfilavam mascarados e rotulados como "criminosos climáticos". Scott Morrison, primeiro-ministro da Austrália, era o quarto nessa fila, atrás do ex-presidente americano Donald Trump, do líder chinês Xi Jinping e do mandatário brasileiro.

Mas, no balanço da COP26, reunião climática que tenta fechar as regras do Acordo de Paris, Morrison assumiu uma dianteira confortável na posição de vilão ambiental, um papel que foi do governo Bolsonaro na conferência anterior, em 2019, em Madri.

Ativistas com máscaras de líderes mundiais, acorrentados e apresentados como criminosos climáticos
Ativistas com máscaras do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e do primeiro-ministro da Austrália, Scott Morrison, em manifestação contra a crise climática no centro de Glasgow - Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

O governo australiano é destaque negativo tanto em levantamentos recém-divulgados durante o evento quanto nas posições assumidas durante as negociações técnicas, diplomáticas e políticas.

É dele o último lugar, por exemplo, no quesito políticas climáticas do Índice de Desempenho das Mudanças do Clima (CCPI), que desde 2005 avalia as ações de 60 países e da União Europeia. A Austrália tirou nota zero nesse critério, ficando abaixo do Brasil, o antepenúltimo.

No índice geral, que inclui também nível de emissões, energias renováveis ​​e uso de energia, o país da Oceania recuou quatro posições no último ano e aparece em 58º lugar, com um nível de proteção climática considerado muito baixo.

Em parte, o governo Bolsonaro passou o bastão de estraga-prazeres para a Austrália porque recuou em Glasgow da posição agressiva e abertamente negacionista que levou a Madri, há dois anos, enquanto Morrison e seus ministros mantiveram a linha-dura.

Ao mesmo tempo que centenas de negociadores tentavam chegar a acordos para reduzir o uso de combustíveis fósseis, por exemplo, o ministro de Recursos da Austrália, Keith Pitt, declarava que, como grande exportador, seu país continuaria produzindo "tanto carvão quanto outros países quiserem comprar".

A gestão Morrison também se recusou a assinar o compromisso de redução das emissões de metano (gás produzido principalmente na criação de rebanhos de ruminantes), não anunciou nenhum novo plano de longo prazo para zerar as emissões de poluentes que aquecem a atmosfera e manteve em 2050 seu prazo para chegar à neutralidade de carbono.

Para o curto prazo, a Austrália também não apresentou metas mais ambiciosas de corte dos poluentes até 2030, o que não seria tão grave se elas já fossem ambiciosas.

O alvo mantido, porém, é de corte de até 28% em comparação com os níveis de 2005 e foi definido antes da assinatura do Acordo de Paris, em 2015 (como comparação, o Brasil, também pressionado para aumentar seus cortes, promete 50%).

Com isso, Morrison recebeu uma saraivada de críticas de nações-ilhas do Pacífico, que correm o risco de serem submersas pela elevação no nível dos oceanos, uma das consequências da alteração climática.

O governo australiano aprovou ainda três novos projetos de carvão nos últimos meses, ignorou esforços para conter a circulação de carros movidos a gasolina ou diesel, apostou em uma recuperação econômica "conduzida pelo gás" e promoveu em seu pavilhão na COP empresas de gás e petróleo.

No dia em que a conferência discutia como tornar o transporte mais verde, o governo australiano lançou uma estratégia para veículos elétricos que ignora incentivos à produção ou compra dessa alternativa e se limita a prometer mais estações de recarga.

Essa somatória de ações na contramão rendeu à Austrália na última sexta (12) o antiprêmio de Fóssil Colossal da COP26, uma eleição do país que mais prejudica as ações climáticas, feita por mais de 1.500 entidades do setor.

A distinção já era bola cantada. "Austrália, esperamos algum comportamento inescrupuloso de sua parte em relação às mudanças climáticas, mas desta vez você realmente se superou. Quão baixo você pode ir?", escreveram os jurados na quarta, em seu costumeiro tom sardônico.

Além do antiprêmio máximo, o governo Morrison atraiu as críticas desde o primeiro dia e levou 5 dos 9 Fóssil do Dia distribuídos durante a COP26, provocando a piada de que precisaria comprar um armário de troféus maior —o Brasil, que na COP passada levou o Fóssil do Ano por bloquear os acordos, por enquanto não precisa de mais prateleiras: foi mencionado duas vezes.

Não que só más notícias venham da Austrália: ela melhorou no último ano sua produção de energia e fontes renováveis e reduziu o consumo energético per capita. Além disso, o gabinete de Morrison inclui um Ministério das Reduções de Emissões.

Seu ocupante, Angus Taylor, rebateu o relatório do CCPI em comunicado, dizendo que a metodologia é subjetiva, não transparente e não replicável e que o índice é produzido "por organizações que têm suas próprias pautas".

De acordo com a CAN (a mesma rede de entidades que promove o Fóssil do Dia), não há subjetividade: a Austrália está na lanterna do índice porque consome muita energia e é um dos maiores exportadores e consumidores de combustíveis fósseis do mundo, assim como os EUA e a Rússia.

Além da entidade, o levantamento é feito pelos centros de estudo Germanwatch e NewClimate Institute, que no relatório justificam sua avaliação: "Não há atualmente nenhum plano nacional para a transição à energia renovável, e a incerteza regulatória prejudica o investimento e causa preocupações com o abastecimento".

Como aconteceu no Brasil depois da posse de Bolsonaro, Morrison desmontou compromissos ambientais de gestões anteriores. Deixou, por exemplo, de apoiar o Fundo Verde para o Clima, criado para ajudar países em desenvolvimento a se adaptarem aos impactos das mudanças climáticas e reduzir suas emissões de gases de efeito estufa.

Em vez disso, o premiê priorizou parcerias bilaterais com nações do Pacífico, que, segundo Morrison, não precisam se submeter a regras e trâmites burocráticos impostos por órgãos internacionais.

A Austrália anunciou recentemente que vai elevar em US$ 500 milhões o financiamento a esses países, mas também essa notícia que poderia ser positiva foi ofuscada por um levantamento do Greenpeace que acusou o país de "greenwashing" (promessas ou planos que não se traduzem em ação climática na prática).

De acordo com a organização, três quartos dos projetos de ajuda no Pacífico apresentados em 2018 e 2019 pelo governo Morrison como "significativos" para ajudar esses países a superar os efeitos do aquecimento global não mencionam as mudanças climáticas.

Procurado para comentar as críticas às políticas climáticas australianas e às posições assumidas na COP26, o porta-voz da delegação do país não se manifestou.

OS 7 PECADOS AUSTRALIANOS NA COP 26

  1. Enquanto vários países prometeram zerar sua produção de carvão, um dos combustíveis mais prejudiciais ao clima, o Ministério de Recursos afirmou que, como grande exportadora, a Austrália continuará produzindo "tanto carvão quanto outros países quiserem comprar"
  2. Não apresentou novas políticas ou planos para atingir emissão zero de gases poluentes no longo prazo
  3. Não melhorou sua promessa de corte de emissões no curto prazo
  4. Não aderiu ao compromisso que visa reduzir a emissão de gás metano, um dos que mais provocam aquecimento global
  5. Não se comprometeu com o fim dos investimentos em combustíveis fósseis
  6. Não se comprometeu com o financiamento de países em desenvolvimento por meio do fundo verde da ONU
  7. Plano para incentivar veículos não poluentes se resumiu a instalar mais pontos de recarga, sem incentivos à produção nem à compra de carros movidos a energia renovável
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