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Entenda as mudanças que o chamado PL do Veneno pode causar

Projeto que muda o registro de agrotóxicos no Brasil é criticado por ambientalistas

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São Paulo

Foi aprovado na terça-feira (28), no Senado, o PL (Projeto de Lei) 1.459, de 2022, que agora segue para sanção presidencial. No ano passado, o PL havia sido aprovado na Câmara dos Deputados.

O projeto, que já há algum tempo, preocupa entidades ambientais e de saúde, aumenta o poder do Ministério da Agricultura no processo de autorização para novos agrotóxicos.

Veja abaixo as principais mudanças trazidas pelo texto, que segue agora para sanção presidencial, e os pontos tidos como problemáticos por entidades ambientais e de saúde.

Placa sinaliza o uso de agrotóxico em plantação de milho próximo à APA (Área de Proteção Ambiental) Nascentes do rio Paraguai, onde nasce o rio Paraguai
Placa sinaliza o uso de agrotóxico em plantação de milho próximo à APA (Área de Proteção Ambiental) Nascentes do rio Paraguai, onde nasce o rio Paraguai - Lalo de Almeida - 6.mar.2021/Folhapress

O que muda com o PL?

O projeto altera a lei 7.802, de 11 de julho de 1989, que trata desde a pesquisa até a comercialização, os registros e a fiscalização de agrotóxicos.

Inicialmente, no texto que veio da Câmara, a própria palavra "agrotóxico" deixava de ser usada. No texto inicial do projeto, os produtos recebiam o nome de "pesticidas". Segundo o relator do projeto na Câmara, o deputado Luiz Nishimori (PL-PR), o termo agrotóxico seria "depreciativo".

No Senado, essa mudança caiu. O líder do PT no Senado, Fabiano Contarato (ES), disse que o termo "agrotóxico" pode contribuir para "dar mais clareza às embalagens quanto à toxicidade desses produtos".

"Muito embora haja um apelo pelo setor do agronegócio quanto à inadequação desse vocábulo, em razão do tom pejorativo que pode ser associado ao agronegócio nacional injustamente, entendemos que o termo 'agrotóxico' deve ser mantido no novo marco legal, até mesmo por obediência ao texto constitucional, que o utiliza para nomear esses produtos no § 4º do art. 220 da Constituição Federal", escreveu Contarato, em seu parecer na CMA (Comissão de Meio Ambiente) no Senado.

Um ponto central do PL que tem, há anos, chamado a atenção é a responsabilidade da aprovação de registros de agrotóxicos ficar nas mãos, basicamente, do Ministério da Agricultura.

Enquanto isso, o artigo 3º da lei atual determina que os agrotóxicos só podem ser produzidos e utilizados "se previamente registrados em órgão federal, de acordo com as diretrizes e exigências dos órgãos federais responsáveis pelos setores da saúde, do meio ambiente e da agricultura".

Assim, no modelo atual, o trabalho envolve também a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Segundo uma análise feita pela Fiocruz, em 2018, a alteração promoveria um "desmonte do [atual] sistema de regulação tríplice". A análise afirma que o modelo tripartite é uma estratégia que minimiza a possibilidade de as agências "agirem para atender exclusivamente" aos interesses econômicos do setor regulado.

Os pesquisadores da Fiocruz dizem ainda que, com as mudanças feitas pelo PL, a Anvisa passa a ter "papel meramente consultivo, abrindo possibilidade para que as decisões que deveriam ser técnicas estejam nas mãos do mercado".

Pelo PL, o processo de reanálise (que pode ser derivado de alertas ou do desaconselhamento de uso de pesticidas por organizações internacionais) de agrotóxicos já liberados também fica sob responsabilidade do Ministério da Agricultura, que "poderá solicitar informações dos órgãos de saúde e de meio ambiente para complementar sua análise".

O Ibama elaborou uma nota técnica que critica pontos do projeto que dão à área agrícola a coordenação da reanálise dos produtos. O processo é tido como sensível uma vez que pode vedar agrotóxicos em uso no mercado.

O PL também permite que agrotóxicos em reanálise, que hoje têm sua aplicação suspensa, possam ser utilizados antes do final do processo.

Como fica a atenção aos resíduos de agrotóxicos em alimentos?

O monitoramento de resíduos em alimentos será feito em conjunto com o Ministério da Saúde. Inicialmente, constava no PL que veio da Câmara que a divulgação dos resultados ficaria a cargo somente do Ministério da Agricultura.

Em seu parecer, Contarato defendeu a alteração de tal dispositivo "para preservação das competências da Anvisa" e evitar "interferência indevida na Anvisa, que já conduz programa para análise e divulgação periódica de resultados de monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos".

Atualmente, a Anvisa coordena o Para (Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos), que foi criado em 2001 para uma avaliação periódica de níveis de agrotóxicos em alimentos.

Substâncias com potencial de causar câncer podem ser liberadas?

A palavra "câncer" —ou correlatas— não aparece no projeto de lei aprovado na Câmara e que passou pelo Senado. Na lei atual, há uma proibição expressa a agrotóxicos, seus componentes e afins que "que revelem características teratogênicas, carcinogênicas ou mutagênicas, de acordo com os resultados atualizados de experiências da comunidade científica".

O PL que veio da Câmara aponta a proibição de agrotóxicos que, "nas condições recomendadas de uso,
apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente".

A definição de "risco inaceitável" dada pelo projeto é ampla: "nível de risco considerado insatisfatório por permanecer inseguro ao ser humano ou ao meio ambiente, mesmo com a implementação das medidas de gerenciamento dos riscos". Contarato, em seu parecer, apontou tal imprecisão do termo e pediu a supressão do inciso que definia o conceito de "risco inaceitável".

"Esse conceito não tem definição clara, o que levaria, a nosso ver, a um aumento do risco de judicialização e de insegurança jurídica quanto à delimitação desse termo", escreveu no parecer o senador do PT.

Apesar disso, o termo ainda estaria presente em outra parte do texto legal que veio da Câmara, referindo-se à proibição de registro de agrotóxicos ou produtos de controle ambiental que "nas condições recomendadas de uso, apresentem risco inaceitável para os seres humanos ou para o meio ambiente, por permanecerem inseguros, mesmo com a implementação das medidas de gestão de risco".

O Inca (Instituto Nacional de Câncer), parte do Ministério da Saúde, manifestou-se contra a aprovação do PL em 2018, outro momento em que o projeto esteve em discussão.

De acordo com o Inca, o PL possibilita "o registro de agrotóxicos com características teratogênicas, mutagênicas e carcinogênicas, colocando em risco a saúde da população exposta a esses produtos e o meio ambiente".

O Ministério Público Federal foi mais um a se posicionar contrariamente, em nota técnica de 2018, contra as mudanças.

"Substâncias com estas características [carcinogênicas], nos termos do PL, poderão ser registradas. A proibição de registro é substituída pela definição de 'risco inaceitável'", disse em nota o MPF.

Agrotóxicos para exportação precisarão de registro?

Ao contrário do que acontece atualmente, o PL aprovado no Congresso aponta que agrotóxicos, produtos de controle ambiental e afins destinados à exportação estarão isentos de registro, "que será substituído por comunicado de produção para a exportação", segundo o texto.

Segundo a avaliação da Fiocruz, a ausência de registro "negligencia os efeitos sobre a saúde dos indivíduos envolvidos em seu processo produtivo, incluindo produção, armazenamento, transporte e demais atividades correlatas, além dos potenciais danos ao ambiente".

É possível uso de agrotóxicos em áreas urbanas?

A lei atual cita o uso de agrotóxicos em ambientes urbanos e industriais. O PL aprovado se distancia disso ao apontar que os pesticidas "destinados ao uso nos setores de proteção de ambientes urbanos e
industriais são regidos pela Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976".

Em 2018, esse já era um dos pontos criticados pela Fiocruz. Segundo a entidade, a redação do PL exclui o entendimento tácito de que "produtos formulados com ingredientes ativos de agrotóxicos", mesmo quando direcionados para ações inseticidas, como controle do mosquito Aedes aegypti, "apresentam as mesmas propriedades toxicológicas que os agrotóxicos" e, assim, devem ser "tratados com o mesmo rigor".

Em quanto tempo pedidos de registro de agrotóxicos devem ser analisados?

A demora para análise e registro de novos agrotóxicos —alguns dos quais, inclusive, poderiam ter características menos nocivas à saúde humana e ao meio ambiente— tem sido uma reclamação entre pessoas que atuam na área e representantes do setor.

Nos últimos anos, porém, a análise de pedidos foi acelerada e, recentemente, têm sido observados grandes números de registros.

O PL indica um tempo para a conclusão de análise de registro. Variando entre diferentes categorias de produtos, o máximo para conclusão do pleito é de 24 meses, para produtos novos formulados e técnicos.

O menor tempo, no PL que veio da Câmara, era de 30 dias, para o chamado registro especial temporário (para pesquisa e experimentação) e para processos de reanálise de riscos.

Tal registro temporário —um dos principais pleitos da bancada ruralista— foi derrubado.

Também caiu a anuência tácita que constava no texto que veio da Câmara. Segundo Contarato, a anuência abria "a possibilidade para a efetiva concessão de registro e comercialização no país de moléculas que sequer foram avaliadas pelos órgãos brasileiros competentes".

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