Seca no sudoeste dos EUA é a pior em 12 séculos

Análise demonstra que o aquecimento causado pelas atividades humanas desempenhou papel importante na seca atual

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Henry Fountain
Albuquerque | The New York Times

A megasseca prolongada que vem atingindo o sudoeste dos Estados Unidos é tão severa que as duas últimas décadas se tornaram o período mais seco na região em pelo menos 1.200 anos, disseram cientistas nesta segunda-feira (14). E a mudança no clima é a principal responsável.

A seca, que começou em 2000, reduziu o suprimento de água, devastou agricultores e pecuaristas e ajudou a alimentar incêndios em toda a região, anteriormente tinha sido classificada como a pior em 500 anos, de acordo com os pesquisadores.

Barco fica encalhado onde antes era o lago Hensley, em Madera, na Califórnia (EUA), região em que a seca continua a castigar e a diminuir os reservatórios de água
Barco fica encalhado onde antes era o lago Hensley, em Madera, na Califórnia (EUA), região em que a seca continua a castigar e a diminuir os reservatórios de água - David Swanson - 14.jul.21/Reuters

Mas as condições excepcionais do verão de 2021, quando cerca de dois terços do oeste americano passaram por seca extrema, "realmente agravaram a situação", disse A. Park Williams, cientista do clima na Universidade da Califórnia em Los Angeles, que liderou uma análise baseada em anéis de árvores para avaliar a severidade da seca. Como resultado da análise, 2000-2021 foi classificado como o período de 22 anos mais seco desde o ano 800, que é o período mais antigo para o qual existem dados disponíveis.

A análise também demonstrou que o aquecimento causado pelas atividades humanas desempenhou um papel importante em tornar a seca atual tão extrema.

Teria havido uma seca independentemente da mudança do clima, segundo Williams.

"Mas sua severidade teria sido de apenas 60% daquilo que realmente viemos a ter", ele disse.

Julie Cole, cientista do clima na Universidade de Michigan, que não participou da pesquisa, disse que, embora as constatações não sejam surpreendentes, "o estudo serve para deixar ainda mais claro quanto as condições atuais são incomuns".

Cole disse que o estudo também confirma que o papel da temperatura é mais importante que o das precipitações, no que tange a causar secas excepcionais. O volume de precipitação pode crescer e cair ao longo do tempo e variar regionalmente, ela disse. Mas porque as atividades humanas continuam a bombear gases causadores do efeito estufa na atmosfera as temperaturas estão sempre subindo, em termos gerais.

E, à medida que o fazem, "o ar se torna basicamente mais capaz de retirar água do solo, da vegetação, das safras agrícolas, das florestas", disse Cole. "E faz com que as condições de seca se tornem ainda mais extremas".

Ainda que não exista uma definição uniforme, uma seca é considerada como megasseca quando combina severidade e longa duração, da ordem de algumas décadas. Mas mesmo em uma megasseca podem existir períodos em que condições de umidade prevalecem. A questão é que não acontecem anos úmidos consecutivos em número suficiente para pôr fim à seca.

Esse vem sendo o caso na seca atual da região oeste americana, durante a qual houve diversos anos de umidade, especialmente 2005. O estudo, divulgado na publicação científica Nature Climate Change, determinou que a mudança no clima foi responsável pela continuação da atual seca depois daquele ano.

A mudança do clima também torna mais provável que a seca continue, o estudo acrescentou.

"Essa seca existe há 22 anos e continua com toda a força", disse Williams. "E é muito, muito provável que ela sobreviva por pelo menos 23 anos."

Diversas megassecas duraram até 30 anos, nos 1.200 anos de registros disponíveis, afirmam os pesquisadores. A análise deles conclui que é provável que a atual seca dure pelo menos o mesmo. Caso isso aconteça, Williams disse, é quase certo que ela será mais seca do que qualquer outro período de 30 anos comparável.

Pode ser que o ano termine sendo úmido, mas as probabilidades são cada vez maiores de que este ano se prove anormalmente seco

A. Park Williams

Cientista do clima na Universidade da Califórnia em Los Angeles

Os anéis das árvores permitem medir seu crescimento ano a ano e são mais largos nos anos úmidos e mais estreitos nos anos secos. Usando dados de observação do clima nos últimos cem anos, os pesquisadores conseguiram vincular firmemente a largura dos anéis das árvores ao teor de umidade do solo, que serve como um indicador comum de seca. Em seguida, aplicaram a relação entre largura dos anéis e a umidade do solo a dados obtidos de árvores muito mais antigas. O resultado é um "registro quase perfeito de umidade do solo no sudoeste dos Estados Unidos" ao longo dos últimos 12 séculos, disse Williams.

Usando esse registro, os pesquisadores determinaram que o verão do ano passado foi o segundo mais seco nos últimos 300 anos e que apenas 2002, no começo da atual seca, registrou menos umidade.

As chuvas de monção do verão passado, na região sudoeste, ofereceram uma esperança de que a seca pudesse acabar, da mesma forma que as chuvas e a neve na Califórnia, no outono e em dezembro.

Mas janeiro produziu uma falta recorde de umidade em boa parte do oeste, segundo Williams, e até agora fevereiro também vem sendo seco. Reservatórios que até alguns meses atrás estavam acima do nível normal para aquela época do ano voltaram a estar abaixo do normal, e a cobertura de neve das montanhas também está sofrendo. As previsões sazonais também indicam que a seca continuará.

"Pode ser que o ano termine sendo úmido, mas as probabilidades são cada vez maiores de que este ano se prove anormalmente seco", disse Williams.

Montanhas no Novo México mostram a seca histórica que atinge a região oeste dos Estados Unidos
Montanhas no Novo México mostram a seca histórica que atinge a região oeste dos Estados Unidos - Andrew Hay - 27.nov.21/Reuters

Samantha Stevenson, que desenvolve modelos de clima na Universidade da Califórnia em Santa Barbara e não participou do estudo, disse que a pesquisa mostra a mesma coisa que as projeções apontam: que o sudoeste dos Estados Unidos, como outras partes do mundo, está cada vez mais ressecado.

Nem todos os lugares estão se tornando cada vez mais áridos, ela disse.

"Mas no oeste dos Estados Unidos, isso com certeza está acontecendo", disse Stevenson. "E primariamente por conta do aquecimento da superfície da terra, com alguma contribuição também das mudanças nas precipitações."

"Estamos nos encaminhando a um período sem precedentes, com relação a qualquer coisa que tenhamos visto nas últimas centenas de anos", ela acrescentou.

The New York Times, tradução de Paulo Migliacci

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