Cármen Lúcia, do STF, vê violações à Constituição na política ambiental

Ministra é relatora da maioria das ações da pauta relacionada ao meio ambiente do Supremo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília

A ministra Cármen Lúcia, do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmou nesta quinta-feira (31) que há um "estado de coisas inconstitucional" na política ambiental do país, instituto que permitiria ao Poder Judiciário estipular e acompanhar medidas aos demais Poderes em relação ao tema.

Ela é relatora de seis das sete ações da chamada "pauta ambiental" do Supremo, vista como uma reação ao que especialistas apontam como um desmonte de políticas públicas na gestão Jair Bolsonaro (PL), em especial as relacionadas ao desmatamento da Amazônia.

A ministra Cármen Lúcia, do STF - Nelson Jr. - 3.nov.2021/SCO/STF

Nesta quarta (30) e quinta (31), o tribunal começou a julgar duas dessas ações, em conjunto, mas Cármen Lúcia não chegou a concluir o seu voto. A sessão será retomada na próxima quarta (6). Como relatora, ela é a primeira a se manifestar. A corte tem 11 ministros.

O estado de coisas inconstitucional já foi reconhecido pelo Supremo em uma ação julgada em 2015 que tratava da condição do sistema carcerário brasileiro. É um instituto no qual se reconhece, segundo o próprio STF, "uma situação de violação massiva e generalizada de direitos fundamentais que afeta um número amplo de pessoas".

Em suas declarações em plenário nos dois dias das sessões de julgamento, Cármen Lúcia fez seguidas críticas à condução da política ambiental pelo governo.

Nesta quarta, ao iniciar seu voto, mencionou uma fala do ministro Paulo Guedes (Economia) de que o Brasil é um "pequeno transgressor" ambiental e que "de vez em quando tem uma floresta que queima aqui e ali".

"A transgressão está confessada. A meu ver não tem muito o que discutir sobre esse tema", afirmou a ministra do STF.

Também disse que o Brasil tem sofrido um quadro de "cupinização institucional", que seria uma espécie de corrosão interna e invisível das instituições, sobretudo das que tratam do meio ambiente.

"O que são esses cupins? O cupim do autoritarismo, o cupim do populismo, o cupim de interesses pessoais, o cupim da ineficiência administrativa. Tudo isso ajuda a construir um quadro que faz com que não se tenha cumprimento objetivo garantido, de conteúdo, da matéria constitucional devidamente assegurada", afirmou a ministra.

"O princípio da proibição de retrocessos que não contém congelamento nem mobilidade estatal proíbe que haja uma reformulação no sentido de desfazer o que já foi conquistado para a garantia do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado."

Os sete processos que pautados representam, segundo Cármen Lúcia, um total de 10% das ações sobre o meio ambiente no Supremo. Eles tratam de ações e omissões do governo federal que, segundo os autores, resultam na destruição do meio ambiente do Brasil.

Antes do início do julgamento, na quarta, a relatora fez um discurso com uma série de recados para o governo Bolsonaro e também para o procurador-geral da República, Augusto Aras.

Como mostrou a Folha, o procurador-geral se manifestou de forma contrária a todos os processos –inclusive a um deles apresentado pela própria Procuradoria-Geral da República. A ministra disse que ficou surpresa com essa manifestação.

"Ninguém hoje em sã consciência, nem o mais feroz escravizador de gentes e de terras, haverá de ter a ilusão de que pode dominar a natureza. Não pode. Eu, desde muito cedo, presidente, escutei que Deus perdoa tudo, o ser humano perdoa às vezes e a natureza não perdoa. Nunca", afirmou a ministra.

"Nem nos mais tiranos tempos deixaram de comprovar que a natureza cobra a fatura quando ela é maltratada e destratada, e não para apenas os viventes de um tempo, mas de outros tempos", acrescentou.

Cármen Lúcia disse que a destruição da Amazônia por falta de fiscalização adequada se compara à das instituições democráticas.

Uma das advogadas que se manifestaram a favor das ações para o ministro foi Sandra Cureau, subprocuradora-geral da República aposentada e referência em direito ambiental.

Ela defendeu que a proteção da Amazônia também é proteção climática e que se devem reconhecer os deveres estatais neste sentido.

Uma das duas ações julgadas pelo Supremo pede que o governo federal execute fiscalização e controle ambiental "em níveis suficientes para o combate efetivo do desmatamento na Amazônia Legal e o consequente atingimento das metas climáticas brasileiras assumidas perante a comunidade global".

Os autores também pedem que a União "efetive o plano específico de fortalecimento institucional do Ibama, do ICMBio e da Funai e outros a serem eventualmente indicados pelo Poder Executivo federal". Essa foi apresentada por PDT, PT, PV, PSB, PC do B, Rede e PSOL.

Foi colocado em julgamento, de forma simultânea, uma ação apresentada pela Rede que pede que seja declarada omissão inconstitucional de Bolsonaro.

Ainda pede que seja executado integralmente o orçamento dos órgãos ambientais e a contratação de pessoal para fiscalização ambiental na Amazônia, além de apresentação de um plano de contingenciamento para reduzir o desmatamento aos níveis encontrados em 2011 ou menores.​

Aras, ao se manifestar em plenário sobre as ações, defendeu que sejam respeitadas as escolhas do Executivo e Legislativo a respeito dos temas tratados. Ele disse que elas não devem ser entendidas como um desrespeito à Constituição, questões que cabem ao Supremo julgar.

"É preciso recobrar no direito constitucional brasileiro uma importância do lugar do voto e dos consequentes direitos de representação política que resultam da envergadura popular", disse Aras.

"As escolhas políticas, a da lei geral e abstrata e, em seguida, a dos atos administrativos nos espaços abertos pela lei se inserem no rol das atribuições próprias dos Poderes constituídos por representantes eleitos."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.