Plantar árvores nem sempre combate mudanças climáticas; entenda

Espécies mal escolhidas podem reduzir biodiversidade e tornar os ecossistemas muito menos resilientes

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Catrin Einhorn
The New York Times

Uma árvore plantada para cada camiseta comprada. Ou para cada garrafa de vinho. Ou a cada vez que um cartão de crédito for usado. Árvores plantadas por governos nacionais a fim de cumprir metas mundiais e por empresas para melhorar seu histórico de sustentabilidade.

À medida que a crise do clima se aprofunda, empresas e consumidores estão se unindo a organizações sem fins lucrativos e governos em uma grande onda mundial de plantio de árvores. O ano passado viu bilhões de árvores plantadas, em dezenas de países de todo o planeta. Esses esforços podem ter benefícios triplos, criando empregos, absorvendo e aprisionando dióxido de carbono e melhorando a saúde de ecossistemas.

Mas quando o trabalho é realizado incorretamente, os projetos podem agravar os problemas que deveriam supostamente resolver. Plantar as árvores erradas, no lugar errado, pode na verdade reduzir a biodiversidade, acelerar as extinções e tornar os ecossistemas muito menos resilientes.

Pessoas plantam árvores em Modesto, na Califórnia (EUA) - Josh Haner - 29.jun.2018/The New York Times

Enfrentar a perda de biodiversidade, que já é uma crise mundial tão grave quando a mudança do clima, está se tornando mais e mais urgente. O ritmo das extinções está se acelerando. Um milhão de espécies estão em risco de desaparecer, algumas nas próximas décadas. E o colapso de um ecossistema não ameaça apenas as plantas e os animais: coloca em perigo os suprimentos de água e de comida de que a humanidade depende.

Em meio à crise cada vez mais grave, companhias e países vêm investindo mais e mais no plantio de árvores que recobrem grandes áreas com espécies comerciais e não nativas da região, em nome do combate à mudança no clima. Essas árvores absorvem carbono, mas oferecem pouco apoio às redes biológicas que no passado prosperavam nas áreas que elas vêm a ocupar.

"O que está sendo criado é basicamente uma paisagem estéril", disse Paul Smith, que comanda a Botanic Gardens Conservation International, uma associação de organizações que trabalham para prevenir a extinção de plantas. "Se as pessoas desejam plantar árvores, é preciso que isso seja positivo também para a biodiversidade."

Há uma regra básica, quanto ao plantio de árvores: é preciso plantar "a árvore certa no lugar certo". E há quem acrescente "pela razão certa".

Mas, em entrevistas com diversas partes interessadas –cientistas, especialistas em políticas públicas, companhias de reflorestamento e organizações de planto de árvores–, fica claro que as pessoas discordam quanto ao que é "certo".

Para alguns, o certo são grandes áreas de cultivo de árvores, para armazenagem de carbono e como fonte de madeira. Para outros, são árvores frutíferas fornecidas a pequenos agricultores. Para ainda outros, é permitir que espécies nativas se regenerem.

Os melhores esforços tentam lidar com essas diversas necessidades, dizem especialistas em restauração, mas pode ser difícil conciliar os interesses conflitantes.

"É um pouco como o Velho Oeste", disse Forrest Fleischman, professor de política ambiental na Universidade de Minnesota.

Solução Natural

Não existe terra suficiente no planeta para que seja possível combater a mudança do clima apenas por meio do planto de árvores, mas, se isso for combinado a cortes drásticos no uso de combustíveis fósseis, as árvores podem ser uma importante solução natural.

Elas absorvem dióxido de carbono e o armazenam em seus galhos e troncos (ainda que árvores também liberem carbono quando são queimadas ou apodrecem). A capacidade de recolher dióxido de carbono é o motivo para que as florestas sejam muitas vezes definidas como sumidouros de carbono.

Na África Central, a TotalEnergies, gigante francesa do petróleo e gás natural, anunciou planos para plantar árvores em 40 mil hectares da República do Congo. O projeto –no planalto de Batéké, um mosaico ondulado de pradarias e de savanas entremeadas por bosques e por trechos de floresta mais densa– absorveria mais de 10 milhões de toneladas de dióxido de carbono ao longo de 20 anos, de acordo com a companhia.

"A Total tem o compromisso de desenvolver sumidouros naturais de carbono na África", disse Nicolas Terraz, então vice-presidente sênior de produção e exploração da Total na África, em um press release da companhia sobre o projeto, em 2021. "Essas atividades estendem iniciativas prioritárias adotadas pelo grupo a fim de evitar e reduzir emissões, o que se alinha à sua ambição de chegar a um balanço zero de emissões até 2050."

Floresta de eucaliptos na Austrália - Ashley Gilbertson - 25.dez.2008/The New York Times

Para atingir o balanço zero, as empresas precisam remover da atmosfera uma quantidade de carbono pelo menos tão grande quanto a que elas emitem. Muitas, como a TotalEnergies, estão recorrendo às árvores para ajudá-las a lidar com isso. No planalto de Batéké, uma espécie de acácia originária da Austrália, e destinada a exploração madeireira seletiva, cobrirá uma grande área.

O projeto, parte de um programa do governo congolês para expandir a cobertura florestal e elevar a armazenagem de carbono, criaria empregos, de acordo com a companhia, e terminaria por ampliar a diversidade do ecossistema, à medida que as espécies locais puderem se desenvolver, com a passagem das décadas.

Mas cientistas alertam que o plano pode ser um exemplo de uma das piores formas de reflorestamento: plantar árvores em uma área na qual elas não ocorreriam naturalmente. Esses projetos podem devastar a biodiversidade, ameaçar o suprimento de água e até mesmo causar alta de temperatura, porque, em alguns casos, as árvores absorvem calor refletido pela grama –ou, em outras partes do mundo, pela neve.

"Não queremos fazer o mal em nome de fazer o bem", disse Bethanie Walder, diretora executiva da Sociedade pela Restauração Ecológica, uma organização sem fins lucrativos internacional.

O planalto de Batéké é um dos ecossistemas menos estudados da África, de acordo com Paula Nieto Quintano, cientista ambiental que tem na região o foco de seus estudos. "Sua importância para o trabalho das populações locais, sua ecologia e as funções de seu ecossistema não são bem compreendidos", disse Nieto.

As pessoas que estudam o reflorestamento enfatizam que plantar árvores não é uma panaceia.

"Temo que muitas empresas e governos vejam esse caminho como uma saída fácil", disse Robin Chazdon, professora de reflorestamento tropical na Universidade de Sunshine Coast, na Austrália. "Eles não precisam trabalhar tanto na redução de suas emissões porque podem dizer que vão compensá-las por meio do plantio de árvores."

Fazendo a coisa certa

Toas as árvores armazenam carbono, mas seus outros benefícios podem variar amplamente, a depender das espécies e do local em que tenham sido plantadas.

O eucalipto, por exemplo, cresce rápido e seu tronco é reto, o que o torna um produto lucrativo para as madeireiras. Nativo da Austrália e de algumas poucas ilhas ao norte, suas folhas alimentam os coalas, que evoluíram de forma a tolerar o potente veneno que elas contêm.

Mas na África e na América do Sul –onde árvores são muito cultivadas para uso madeireiro, como combustível e, cada vez mais, para retenção de carbono– os eucaliptos oferecem muito menos valor para a fauna e flora. E além disso eles podem reduzir a água disponível e agravar o risco de incêndios em matas.

Especialistas reconhecem que o reflorestamento e a absorção de carbono são temas complexos, e que as espécies comerciais têm um papel a desempenhar. As pessoas precisam de madeira, um produto renovável e cuja produção e extração gera menos poluentes do que a produção do concreto ou do aço. As pessoas precisam de papel e de combustível para cozinhar.

Plantar espécies de crescimento rápido para exploração pode às vezes ajudar a preservar as florestas nativas que as circundam. E, ao acrescentar estrategicamente algumas espécies nativas, as áreas de plantio comercial de árvores podem ajudar a biodiversidade ao criar corredores para a fauna, ligando áreas de habitat desconectadas.

"O movimento pela restauração não tem como acontecer sem o setor privado", disse Michael Becker, diretor de comunicação da 1t.org, organização criada pelo Fórum Econômico Mundial a fim de pressionar pela conservação e cultivo de um trilhão de árvores com ajuda de investimento privado. "Historicamente, houve alguns maus agentes, mas precisamos atrai-los para o lado positivo e convencê-los a fazer a coisa certa."

Um desafio é que ajudar a biodiversidade não oferece os mesmos retornos financeiros da armazenagem de carbono e do mercado madeireiro.

Muitos governos estabeleceram padrões para os esforços de reflorestamento, mas muitas vezes oferecem liberdade de ação ampla para o mercado.

No País de Gales, uma das áreas mais desflorestadas da Europa, o governo está oferecendo incentivos ao plantio de árvores. Mas os participantes precisam incluir apenas 25% de espécies nativas para se qualificarem para subsídios governamentais.

No Quênia e Brasil, fileiras de eucaliptos crescem em terras que no passado eram florestas e savanas ecologicamente ricas. No Peru, uma empresa chamada Reforesta Perú está plantando árvores em áreas degradadas da floresta amazônica, mas usa cada vez mais eucaliptos e tecas clonados, para produzir madeira dirigida ao mercado de exportação.

O balanço da biodiversidade

Quando empresas prometem plantar uma árvore a cada vez que alguém compra um dado produto, elas tipicamente o fazem por intermédio de organizações sem fins lucrativos que trabalham com comunidades de todo o planeta. Mas, em termos mundiais, apenas uma pequena fração das espécies de árvores existente é plantada com frequência, de acordo com cientistas e com organizações de plantio de árvores.

"Eles estão plantando as mesmas espécies em todo o planeta", disse Meredith Martin, professora assistente de estudos florestais na Universidade Estadual da Carolina do Norte, que constatou que esforços de plantação de árvores sem fins lucrativos em regiões tropicais tendem a priorizar as necessidades de emprego dos moradores locais, acima da biodiversidade ou da retenção de carbono. Com o tempo, ela disse, esses esforços acarretam o risco de reduzir a biodiversidade das florestas.

Um grande obstáculo é a falta de oferta nos bancos locais de sementes, que tendem a ser dominados por espécies comerciais populares. Algumas organizações superam esse problema contratando pessoas para recolher sementes em florestas vizinhas.

Outra solução, dizem os especialistas, é permitir que as florestas se recuperem naturalmente. Se a área sofreu degradação baixa ou está localizada nas imediações de uma floresta existente, o método conhecido como regeneração natural pode ser mais barato e mais efetivo. Simplesmente isolar certas áreas contra o uso como pastagens permitirá que as árvores retornem, o que traria consigo os benefícios da absorção de carbono e da biodiversidade.

"A natureza sabe muito mais do que nós", disse Chazdon.

Tradução de Paulo Migliacci

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