Mesmo com pandemia, visitação a parques não avança no Brasil, aponta pesquisa

Especialistas apontam desde o início que chance de contágio por Covid é menor em áreas abertas; Instituto Semeia vê questão cultural como obstáculo

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São Paulo

A pandemia de Covid mudou a realidade do mundo, comportamentos e hábitos do dia a dia das pessoas. Mas uma coisa parece que não mudou: a visitação a parques urbanos no Brasil. E os parques naturais sofreram ainda mais, com queda de visitas recentes.

É o que aponta uma nova pesquisa realizada pelo Instituto Semeia. A entidade realiza, a cada biênio, um levantamento sobre a percepção e a relação do brasileiro com os parques do país. O instituto também auxilia planejamentos para concessões desses espaços verdes à iniciativa privada.

A falta de alteração de frequência nos parques chama a atenção exatamente pelo momento que o mundo vive. Com a pandemia de Covid, as áreas ao ar livre são as mais seguras para lazer, encontros e outras ações cotidianas. Mas a população parece não ter visitado mais parques urbanos e naturais, segundo os dados coletados pelo Semeia.

Pessoas andam e pedalam em meio às árvores do Ibirapuera
Movimentação de turistas e visitantes no parque Ibirapuera, em São Paulo, no feriado de Tiradentes - Mônica Bento - 21.abr.2022/Folhapress

O questionário do instituto foi respondido por 1.541 pessoas de 16 a 70 anos, em dez regiões metropolitanas pelo país, entre 8 e 29 de julho de 2021. A margem de erro é de 2,5 pontos percentuais.

A pesquisa aponta, por exemplo, que cerca de 15% dos entrevistados nunca foram a um parque urbano. No levantamento lançado pelo Semeia em 2018, o índice era de 16%, e, em 2020, de 17%.

Com relação à frequência, cerca de 18% afirmaram visitar parques uma vez por mês ou uma vez a cada 15 dias. Em 2020, a taxa era de 20%, e, em 2018, 28%.

Ainda, 55% disseram frequentar parques urbanos uma vez a cada seis meses ou menos. Em 2020 eram 49%, e 42% em 2018.

O Semeia não tem uma explicação precisa para a falta de evolução de visitas a parques em um momento em que, em teoria, os locais abertos seriam a escolha lógica a se seguir, visto que encontros e eventos em ambientes fechados significam maior risco de contaminação.

De toda forma, a relativa estabilidade de visitação não é uma exclusividade do período pandêmico. Já havia sido demonstrada na pesquisa anterior da entidade. Mas outros fatores podem também pesar na equação.

Os parques estiveram entre os instrumentos públicos que ficaram fechados por meses na pandemia, apesar dos menores riscos de contaminação. Em São Paulo, por exemplo, as áreas verdes foram fechadas em março de 2020 e só reabriram ao público, com horários reduzidos, em julho daquele ano.

Segundo Raquel Stucchi, professora da Unicamp e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), foi um erro fechar parques durante a pandemia. E não só isso. Deveria ter havido mais incentivos para a visitação de espaços ao ar livre durante esse período.

Entre os obstáculos citados pelos entrevistados para não visitarem parques urbanos, o fato de estarem longe das residências permanece na primeira colocação desde o início do levantamento. Em segundo lugar, em 2022, aparece "sou caseiro, prefiro ficar em casa" (a opção sempre fez parte do top 3). Completa o ranking "não oferece segurança".

Quanto aos parques naturais, o percentual das pessoas que já visitou algum se mantém relativamente estável. O resultado da pesquisa recém-divulgada aponta que 66% já visitaram alguma dessas áreas naturais. Em 2020, eram 65%, e, em 2018, 57% (vale destacar que as margens de erros dessas duas pesquisas anteriores eram maiores).

A pandemia, porém, parece ter afetado profundamente a data da última visita a parques naturais. Cerca de 27% dos entrevistados afirmaram que a última vez que pisaram em um parque natural foi até um ano atrás. Em 2020, a proporção era de 53%.

A porcentagem de pessoas que visitam parques naturais várias vezes ao ano também caiu: de 32% (2020) para 22% neste ano.

As barreiras para visitação, neste caso, se mantêm praticamente as mesmas desde o primeiro levantamento lançado. Na pesquisa mais recente, em primeiro lugar está "custo de viagem alto", seguido por "viagem muito longa a partir de onde moro" e "custo de hospedagem alto".

Segundo Joice Tolentino, gerente de relações institucionais do Semeia, essa afirmação, porém, pode estar mais ligada a um aspecto de impressão e de costume do que de realidade, dependendo de onde a pessoa vive.

"As pessoas às vezes, em época de feriado, se dispõem a ficar seis ou sete horas no carro para chegar ao litoral", afirma Tolentino. "Mas em duas, três horas, quase pela mesma estrada, elas chegariam ao Parque Nacional do Itatiaia. Em alta temporada e férias, os preços não são baixos na praia. Com certeza, visitar o Itatiaia ia ficar no mesmo custo ou mais barato."

O Itatiaia, que fica entre Rio de Janeiro e Minas Gerais, é o primeiro parque do país e foi criado em 1937.

Tolentino afirma que a relação da população com a natureza é uma característica cultural que, normalmente, não se altera rapidamente. Então, é de se esperar que mudanças demorem para aparecer. Segundo ela, é fundamental uma primeira visita aos parques para mudar percepções.

Nos últimos anos, diversos parques, tanto em São Paulo quanto nacionais, entraram em programas de concessão à iniciativa privada, em geral, para cuidados com gestão e visitação.

O Parque do Itatiaia, inclusive, foi concedido à iniciativa privada em 2019 e, após esse tempo, tem tido o contrato descumprido, sem melhorias entregues. A empresa vencedora da licitação entrou em recuperação judicial e alegou dificuldades relacionadas à pandemia.

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