Mineração na Serra do Curral pode afetar água para BH, dizem ambientalistas

Segurança hídrica da região metropolitana é uma das principais preocupações dos críticos ao projeto licenciado pelo estado

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Belo Horizonte

Em meio a área verde característica da Serra Curral, em Minas Gerais, trabalhadores e maquinários se destacam em meio à paisagem. Operários, com uniformes e capacetes perfuram poços de água em um local que pode fazer parte das instalações de um projeto de mineração licenciado pelo governo estadual no dia 30 de abril.

Esses poços têm o objetivo de garantir o abastecimento emergencial de água de Belo Horizonte e região, caso haja eventuais rompimentos de barragem que comprometam a bacia do rio das Velhas.

Outro contraste com a paisagem é causado por ambientalistas e moradores, que carregam faixas e megafones enquanto protestam contra a mineração no local. A segurança hídrica de BH e das cidades da região metropolitana é uma das principais preocupações de quem é contrário à instalação do empreendimento da Taquaril Mineração S.A. (Tamisa) na Serra.

Vista aérea da Serra do Curral, em Minas Gerais
Vista da Serra do Curral, em Minas Gerais - Douglas Magno/Folhapress

As obras fazem parte do Termo de Ajustamento de Conduto (TAC) assinado pela Vale com o Ministério Público, o governo de Minas Gerais e a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), após o rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.

De acordo com Apolo Heringer Lisboa, professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diversas nascentes e cursos de água da Serra do Curral que abastecem o rio das Velhas irão secar com o rebaixamento do aquífero, causado pelo empreendimento da Tamisa.

Os poços que estão sendo perfurados também deixariam de ser suficientes para garantir a segurança hídrica da região.

"A serra é uma reserva de água enorme, que vai aparecendo nas nascentes o ano inteiro e mantendo o rio das Velhas com água. Nós estamos destruindo o rio das Velhas e o abastecimento de Belo Horizonte e das cidades que estão aí para baixo", disse Lisboa durante visita técnica à Serra organizada pela comissão de administração pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que a reportagem acompanhou na última segunda (9).

O sistema de captação de água de Bela Fama, na bacia do Rio das Velhas, é responsável pelo abastecimento de 70% da cidade de Belo Horizonte e de 40% da região metropolitana.

Para Duda Salabert (PDT), vereadora de Belo Horizonte, a localização dos poços mostra que o próprio governo estadual e a Copasa reconhecem a importância da área para a segurança hídrica da capital.

Segundo a mineradora Vale, as obras de perfuração dos poços foram iniciadas em janeiro de 2021 e devem ser concluídas nos próximos meses.

O geólogo Eclison Tolentino explica que a Serra do Curral é formada por uma rocha chamada itabirito, uma rocha sedimentar, porosa, que permite grande infiltração de água.

"Quando chove, a água cai em cima da serra e boa parte dela não escorre, ela infiltra na rocha. Essa água fica acumulada ali na serra, porque esses itabiritos podem ocupar espessuras de 400 a 500 metros", explica Tolentino.

O acúmulo subterrâneo de água na rocha é conhecido como aquífero. A água desse reservatório chega a riachos que deságuam no rio das Velhas, responsável pelo abastecimento de BH.

O geólogo explica que, com a instalação da mineração, seriam realizados cortes na rocha, fazendo com que a água do aquífero tenha outros caminhos de saída, não chegando ao rio.

De acordo com a Tamisa, a questão hídrica da Serra foi avaliada nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) do projeto. "No caso em análise, os estudos realizados pelos especialistas, relacionados aos recursos hídricos, concluíram que os impactos são de magnitude insignificante ou baixa", afirmou a mineradora.

Nesta quarta (11), na sabatina da Folha e do UOL, o ex-prefeito de Belo Horizonte e pré-candidato ao governo de Minas, Alexandre Kalil (PSD), afirmou ser contra a mineração na Serra do Curral. Kalil reforçou que a serra é um patrimônio da capital mineira e está no escudo da cidade.

Morador da ocupação Terra Nossa, em Belo Horizonte, Gilson Freitas diz que os impactos na comunidade, que é muito próxima à serra, serão muito fortes. Um dos riscos apontados é o aumento de animais nas casas, devido à perda do habitat natural.

"O nosso medo é acabar com toda essa área toda verde que a gente tem aqui, acabar com a fauna e a flora que a gente luta tanto para preservar", diz ele.

Segundo o psicólogo Renato Mattarelli, morador de Sabará, a população da cidade, que também será afetada, não foi ouvida de maneira satisfatória no processo de licenciamento da mineração.

"A população de Sabará foi ouvida da forma mais precária. Houve uma audiência pública virtual, na época da pandemia, com presença limitada. As pessoas mais simples não puderam participar por não ter computador ou acesso à internet", disse ele.

A arquiteta e urbanista Cláudia Pires, moradora de Nova Lima, disse que a principal preocupação da população local é o dano ambiental irreversível causado pelo projeto.

"Estão acabando com os nossos recursos naturais, nossos recursos hídricos, nossa mata e o nosso ar em função de uma atividade que já é predatória durante trezentos anos", disse ela.

Na última sexta (6), um grupo de cerca de 700 artistas, intelectuais e escritores publicou uma carta aberta contra a mineração na Serra do Curral. Uma das signatárias do manifesto atriz, a mineira Bárbara Colen, criticou à Folha o licenciamento concedido para a Tamisa. Segundo ela, nem mesmo os impactos diretos na capital mineira impediram que o governo estadual concedesse a licença.

"Eu estou um pouco perplexa que depois de tudo que aconteceu em Minas Gerais, depois de Brumadinho, depois de Mariana, as questões relativas à mineração ainda estejam sendo conduzidas da forma irresponsável como elas estão sendo", afirmou a atriz.

Maria Flor Guerreira, indígena da etnia Pataxó, se emocionou ao se manifestar contra a mineração na Serra do Curral. Segundo ela, o empreendimento beneficia o interesse financeiro, ignorando os danos causados à população.

"Nossos bisnetos, nossos netos e nós mesmos não vamos respirar dinheiro, não vamos comer dinheiro. Não tem riqueza que pague desmanchar a Serra do Curral, um patrimônio cheio de vida, pulsante em natureza, em água, bichos, nossas culturas mineiras e a nossa história", afirmou ela.

Guerreira, que faz parte do Comitê Mineiro de Apoio às Causas Indígenas, disse que o empreendimento da Tamisa representa para a sociedade mineira os ataques que as populações indígenas sofrem no Brasil há 522 anos.

"Desmantelar a Serra do Curral é um equívoco, a gente não pode admitir. É inadmissível essa permissão para minerar a Serra do Curral, daqui a pouco vão desmantelar Belo Horizonte, porque a mineradora é uma máquina de moer gente, de moer vida, de moer planta, de destruir o sangue e a seiva" afirmou a líder indígena.

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