Mudança climática alimenta onda de calor na Índia e no Paquistão, dizem cientistas

O calor implacável de mais de 38° C já provocou pelo menos 90 mortes e causou inundações decorrentes do derretimento de geleiras no Himalaia

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Henry Fountain
The New York Times

O aquecimento global agravou em muito a forte onda de calor que vem sufocando grande parte do Paquistão e Índia nesta primavera e aumentou a probabilidade de que ocorra, disseram cientistas climáticos na segunda-feira (23).

Segundo os cientistas, as chances de uma onda de calor como essa ocorrer multiplicaram-se por pelo menos 30 desde o século 19, antes de começarem as emissões generalizadas de gases que aquecem o planeta. A onda de calor está em média um grau centígrado mais quente do que um evento semelhante que tivesse ocorrido naqueles tempos pré-industriais, disseram os pesquisadores.

"A mudança climática realmente muda tudo em se tratando de ondas de calor", comentou Friederike Otto, climatologista no Imperial College London. "É um fator de importância maior." Otto é autora de um relatório sobre a onda de calor do World Weather Attribution, um esforço colaborativo de cientistas para examinar eventos meteorológicos extremos para constatar se foram ou não influenciados pela mudança climática.

Um homem retira água de um caminhão pipa para encher os tambores de moradores de uma favela de Nova Delhi, uma das regiões castigadas pelo calor na Índia
Um homem retira água de um caminhão pipa para encher os tambores de moradores de uma favela de Nova Delhi, uma das regiões castigadas pelo calor na Índia - Money Sharma - 18.mai.22/AFP

O calor implacável, com a temperatura subindo para acima de 38 graus centígrados por dias a fio, especialmente no noroeste da Índia e sudeste do Paquistão, já provocou pelo menos 90 mortes, causou inundações decorrentes do derretimento de geleiras no Himalaia, contribuiu para cortes de eletricidade e atrofiou a safra de trigo da Índia, ajudando a alimentar uma crise alimentícia mundial emergente.

O estudo concluiu que uma onda de calor como esta tem uma chance de aproximadamente 1 em 100 de ocorrer em qualquer ano dado. Antes de o aquecimento climático começar, as chances teriam sido de 1 em 3.000 ou menos. E a probabilidade aumentará para até 1 em 5, disseram os cientistas, se o mundo atingir 2 graus centígrados de aquecimento, coisa que está a caminho de fazer, exceto se os países reduzirem suas emissões em muito. O mundo já está cerca de 1,1 grau centígrado mais quente desde o final do século 19.

O calor nesta época do ano é normal no sul da Ásia, mas a onda de calor atual começou cedo, perto do início de março, e está continuando em algumas áreas onde há pouca previsão de alívio até a chegada das chuvas das monções, nos próximos meses.

Os cientistas analisaram temperaturas diárias máximas de março e abril e usaram simulações computadorizadas do mundo como está hoje e de um mundo fictício em que nunca ocorreram emissões nem aquecimento. O estudo não foi revisto por pares, mas essas técnicas de comparação de modelos foram revistas por pares no passado e hoje são amplamente utilizadas e aceitas.

Devido à ausência de um registro observacional longo e a outras incertezas, disseram os pesquisadores, as conclusões são conservadoras, e as chances de tal evento provavelmente são mais que 30 vezes maiores do que eram antes do início do aquecimento do planeta.

A análise também examinou os efeitos do calor prolongado. Arpita Mondal, climatologista do Instituto Bombay de Tecnologia, em Mumbai, e uma das autoras do estudo, disse que foi difícil colher dados sobre os efeitos da onda de calor sobre o trigo, planta que é sensível ao calor extremo, mas que houve relatos anedóticos sobre prejuízos.

"Mas algo que foi espantoso foi que a Índia proibiu as exportações de trigo para o resto do mundo", ela comentou. "Isso por si só já constitui uma evidência de que nossa produtividade agrícola foi afetada."

Somada aos efeitos da invasão russa da Ucrânia sobre as exportações de trigo ucranianas, a proibição de exportação da Índia está levando agências internacionais a temer uma potencial carestia global.

Outra autora do estudo, Roop Singh, assessora de risco climático do Centro Climático Cruz Vermelha Crescente Vermelho, disse que esta onda de calor, como outras, mostra que os efeitos tendem a ser sentidos desproporcionalmente pelos pobres.

Segundo Singh, há relatos de cortes amplos de eletricidade, em parte porque a necessidade de mais resfriamento sobrecarrega o sistema e em parte devido a uma escassez de carvão na Índia. "Isso tem um impacto especial sobre as pessoas mais pobres, que podem ter acesso a um ventilador ou ar condicionado, mas talvez não possam colocá-los para funcionar porque não têm como arcar com o custo de um gerador", ela explicou.

Pessoas se refrescam em um canal em Lahore, no Paquistão, outro país castigado pela forte onda de calor
Pessoas se refrescam em um canal em Lahore, no Paquistão, outro país castigado pela forte onda de calor - Sajjad - 16.mai.22/Xinhua

As conclusões do estudo condizem com muitas outras análises de eventos semelhantes nas duas últimas décadas, incluindo uma onda de calor extraordinária ocorrida no verão passado no Noroeste Pacífico e Canadá ocidental. Conhecido como análise de atribuição, esse campo de pesquisas vem contribuindo para um entendimento crescente entre cientistas e o público de que os efeitos prejudiciais do aquecimento global não são um problema do futuro distante, mas já estão ocorrendo.

Pelo fato de as emissões terem elevado a temperatura de base do mundo, o vínculo entre ondas de calor e mudança climática é especialmente claro. Otto disse que em estudos de outros eventos extremos como enchentes ou secas, a mudança climática geralmente é apenas um fator levado em conta, entre vários.

Em artigo recente, ela e outros cientistas argumentaram que a influência do aquecimento global sobre ondas de calor já é tão evidente que "está rapidamente virando uma pergunta obsoleta". Eles escreveram que a próxima fronteira da ciência de atribuição será fornecer informações para ajudar as pessoas a decidir como adaptar-se ao calor extremo.

Tradução de Clara Allain

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