Descrição de chapéu indígenas

Quem é o empresário que lidera a corrida pelo ouro em terras indígenas

Nos últimos 40 anos, as empresas da família de Paulo Carlos de Brito Filho fizeram 255 requerimentos para pesquisar minérios em áreas dentro ou no entorno de 42 terras indígenas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Marina Rossi Gisele Lobato Daniel Camargos
Repórter Brasil

Um pedido para pesquisar minérios no Brasil custa menos de um salário mínimo, valor insuficiente para comprar duas garrafas do vinho Guaspari. Mas, assim como as parreiras, essas requisições podem render bons frutos. Dono da vinícola, o empresário Paulo Carlos de Brito Filho atua em pelo menos oito empresas que, juntas, ocupam o primeiro lugar na corrida pela mineração em terras indígenas (TIs).

As mineradoras Rio Grande, Silvana, Acará, Icana, Irajá, Tarauacá e Apoena, ligadas ao grupo Santa Elina, respondem por 8% dos cerca de 3.100 pedidos de lavras e pesquisas minerais em áreas sobrepostas a TIs ou na fronteira delas, segundo levantamento da Agência Nacional de Mineração (ANM) feito em março, às vésperas de a Câmara aprovar urgência na tramitação do PL 191/2020, que tenta liberar atividades econômicas nesses territórios. Ainda que tenha perdido apoio, o projeto continua na pauta do Congresso.

Entre 1982 e 2012, o grupo Santa Elina fez 255 pedidos de pesquisa mineral que afetam 42 terras indígenas —mais de 95% deles focados no ouro da Amazônia. Os requerimentos abrangem área de 928 mil hectares, ou seis vezes a cidade de São Paulo. Atrás aparecem as mineradoras Serra Morena (469 mil hectares) e Iguape (446 mil hectares).

Paulo de Brito Filho dirige o grupo Santa Elina
Paulo de Brito Filho dirige o grupo Santa Elina, cujas empresas fizeram mais de 250 pedidos de mineração que afetam terras indígenas - Reprodução/Aura Minerals

Procurado pela Repórter Brasil, o grupo disse ser contra o "garimpo ilegal em terras indígenas" e que abriu mão dos processos com "interferência total" em territórios demarcados, mas admitiu ter mantido os requerimentos que incidem parcialmente em TIs, visando a explorar o entorno.

Duas semanas depois, Brito Filho enviou novo posicionamento e afirmou que o conglomerado estava desistindo também dos pedidos com sobreposição parcial. O empresário disse condenar "qualquer atividade de garimpo ilegal em terras indígenas", mas defendeu a posição do setor para regulamentar a mineração nessas áreas.

Dos 255 pedidos de pesquisa ou exploração mineral, o grupo Santa Elina desistiu de 126 até março, de acordo com a ANM. Mesmo assim, seguia na liderança em número de requerimentos que afetam povos tradicionais, com 129 processos.

Apesar de a mineração nesses territórios não ser autorizada por lei, o sistema da ANM mantém esses pedidos como "ativos", mesmo quando há desistência por parte da empresa —o que, para o pesquisador Bruno Manzolli, da UFMG, é uma falha, já que as áreas ficam "bloqueadas" para uma nova solicitante.

"Se o PL 191 for aprovado, quem vai ter prioridade sobre essas áreas são os donos desses processos", alerta Manzolli.

A ANM afirmou, em nota, que mantém ativos os alvarás concedidos antes da Constituição de 1988, os que se sobrepõem a terras ainda não homologadas e aqueles no entorno das TIs. A agência admite "morosidade" para liberar uma área com desistência porque o processo não está "totalmente automatizado" (veja na íntegra os posicionamentos).

Indígenas sentados ao redor de um terreiro
O grupo Santa Elina tem lavras concedidas para prospectar ouro no entorno da TI Kayapó; Brito Filho diz que a companhia nunca operou na lavra e que cedeu a área para outra empresa em 2020 - Lucas Landau/Repórter Brasil

O negócio

Paulo de Brito Filho é mais conhecido como dono e presidente da Aura Minerals, mas também participa de dezenas de outras empresas, a maioria mineradoras.

Nascida no Canadá em 1946, a Aura tem mais de 50% de suas ações nas mãos da Northwestern Enterprises, situada nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal, e controlada por Brito Filho e seu pai, Paulo Carlos de Brito —fundador da Santa Elina.

A maioria das empresas do grupo Santa Elina trabalha principalmente nas primeiras etapas da cadeia de mineração: prospectando novas minas, solicitando licenças, fazendo as pesquisas geológicas e estudando o potencial das reservas, bem como sua viabilidade econômica. Por isso, são consideradas "juniors" e costumam vender suas descobertas para mineradoras maiores —as "majors"—, que irão operar a mina.

"A atuação das 'juniors' é positiva para as 'majors', pois são elas que arcam com o risco e eventuais prejuízos de não encontrarem nada", explica Bruno Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora. Nessa divisão de trabalhos, é comum que as 'juniors' façam os serviços mais polêmicos, como requisitar terras indígenas, assumindo o desgaste de reputação.

É por esse motivo que anúncios recentes de grandes mineradoras de desistir de requerimentos de pesquisa em TIs têm pouco efeito prático, pois elas podem, no futuro, comprar outras operações.

Devido ao risco do negócio, o mercado de ações é o lugar mais fácil para as 'juniors' conseguirem recursos. "Apresentar um grande portfólio pode ser visto como um cartão de visitas convidativo", explica o pesquisador, além de valorizar as ações.

Áreas de proteção

Apesar de terem anunciado a desistência de alguns dos pedidos dentro das TIs, tanto as 'juniors' como as gigantes do setor mantêm requerimentos nos arredores das terras demarcadas.

Porém, minerar nas fronteiras também é prejudicial para as comunidades. As terras indígenas têm a chamada "zona de amortecimento" —uma região protegida no entorno para barrar os impactos ambientais.

Em 2020, a Repórter Brasil mostrou a luta dos Kayapó contra a contaminação de rios e peixes pela exploração de manganês no entorno da TI pela mineradora Buritirama, que havia adquirido a licença da Irajá —ligada ao Santa Elina. Em nota, o grupo afirmou que a produção ocorreu "dentro do estrito limite de seus direitos minerais".

A TI Kayapó sofre com os efeitos da exploração de manganês em seu entorno
A TI Kayapó sofre com os efeitos da exploração de manganês em seu entorno, realizada pela mineradora Buritirama, que adquiriu a licença do grupo Santa Elina - Felipe Werneck/Ibama

Em 2004, a Santa Elina também ganhou o noticiário por causa de conflitos envolvendo os Cinta Larga (RO), que resultaram em um inquérito da Polícia Federal sobre a extração ilegal de diamante da reserva. Uma das empresas investigadas captou cerca de US$ 4 milhões em ações no Canadá após se associar à Santa Elina e receber aval para pesquisar diamantes próximo à área indígena, segundo reportagem da Folha.

"Diversas empresas estavam fazendo requerimento de lavra junto ao DNPM [Departamento Nacional de Produção Mineral, hoje, ANM] e, com base nisso, negociavam títulos minerários na bolsa do Canadá", lembra o delegado Mauro Spósito, que comandou as diligências.

O trabalho da PF resultou em uma denúncia do MPF contra o DNPM, que fez com que a Justiça determinasse a suspensão e o cancelamento dos pedidos de pesquisa não apenas dentro, mas também em um raio de até 10 km do território.

Desde 2019, o MPF entrou com diversas ações civis públicas fazendo a mesma demanda à ANM, para que não sejam recebidos pedidos de pesquisa mineral em TIs e para que os alvarás já concedidos sejam suspensos. Só no Pará foram movidas 52 ações. No Amazonas, a autarquia chegou a ser condenada em primeira instância, mas recorreu.

Neste processo, a ANM disse ao MPF que "a Constituição não proíbe os requerimentos" em reserva indígena e que, por isso, eles podem ficar em espera até a regulamentação da atividade. O órgão não comentou as ações judiciais.

O grupo Santa Elina afirmou haver um "equívoco" no caso dos Cinta Larga, que não tem relação com a ação da PF e que não houve suspensão de pedidos de mineração.

Entre goles de seu vinho, Brito Filho disse em entrevista de 2020 que foi o conhecimento de geologia da família que o possibilitou encontrar o terreno ideal para plantar uvas na Serra da Mantiqueira, no interior de São Paulo.

​Já para continuarem vivendo de suas terras, os povos Kayapó, Munduruku e Yanomani se uniram contra o PL 191 na Aliança em Defesa dos Territórios. "É uma aliança inédita e histórica", afirma Maial Paiakan, liderança Kayapó. "A guerra já começou."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.