Descrição de chapéu mudança climática

Aquecimento global pode pôr em risco 728 espécies no Brasil

Aumento de temperatura acima da meta do Acordo de Paris levará a danos irreversíveis, diz estudo

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André Cabette Fábio
Rio de Janeiro | Reuters

Muitas criaturas únicas do Brasil, de um minúsculo sapo laranja ao macaco sauá, poderão enfrentar um futuro sombrio se o aquecimento global superar as metas de temperatura estabelecidas em 2015 no Acordo de Paris sobre a mudança climática, alertaram cientistas.

Mesmo que as temperaturas sejam posteriormente reduzidas abaixo dos limites de 1,5°C a 2°C de aquecimento —sugando o carbono do ar, por exemplo—, os danos seriam irreversíveis, segundo estudo publicado nesta semana.

À medida que as emissões continuam aumentando rapidamente na direção desses limites —e faltam ações climáticas—, "cenários de superação" estão sendo considerados, disse Andreas Meyer, coautor do relatório da Universidade da Cidade do Cabo (UCT) e do University College London (UCL).

Pai e filho andam de barco a remo no rio Amazonas
Segundo os especialistas, a bacia amazônica perdeu cerca de um quinto de suas florestas originais e corre mais risco com o aquecimento global excessivo - Pedro Ladeira/Folhapress

Seria tipicamente um período de aquecimento excessivo com duração de várias décadas e uso de tecnologia de "remoção de dióxido de carbono" —ainda não totalmente desenvolvida ou possível em escala— para tentar reverter os perigosos aumentos de temperatura até 2100, afirmou o estudo.

Técnicas de "geoengenharia" extremamente controversas, como bloquear parte da luz solar que chega ao planeta pulverizando partículas reflexivas na atmosfera superior ou instalando espelhos espaciais, também estão sendo pesquisadas como meios potenciais de limitar os aumentos de temperatura fatais.

Mas qualquer período de excesso de temperatura provavelmente causaria enorme dano à biodiversidade e aos ecossistemas de todo o mundo, segundo os cientistas do estudo.

"Não há solução mágica se ultrapassarmos os limites do Acordo de Paris. É uma falácia que isso poderia ser resolvido depois", disse Meyer, que é pesquisador da Iniciativa Africana de Clima e Desenvolvimento da Universidade da Cidade do Cabo (UCT), na África do Sul.

"É muito provável que impactos irreversíveis sejam sofridos nesse meio tempo", disse ele à Fundação Thomson Reuters.

O estudo foi publicado na revista Philosophical Transactions da Royal Society B: Biological Sciences apenas um dia depois que negociações para um acordo global para conter a perda da natureza falharam antes de uma cúpula sobre biodiversidade da ONU em dezembro.

'Sem panaceia'

A pesquisa constatou que o Brasil —que abriga a maior parte da ​Amazônia— provavelmente estaria particularmente sujeito ao risco de ondas de calor em um cenário que exceda dois graus Celsius.

Meyer disse que isso poderia levar à "substituição de florestas por campos" e, em última análise, a perda de um sistema vital para absorver o excesso de emissões de dióxido de carbono e evitar a mudança climática.

A bacia amazônica perdeu cerca de um quinto de suas florestas originais, e cientistas alertam que o desmatamento crescente sob o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, de extrema direita, está pressionando a floresta tropical a um ponto de inflexão de 20% a 25% de perdas.

Nesse ponto, a floresta tropical provavelmente secará e se tornará savana, acelerando os impactos das mudanças climáticas, incluindo a extinção de espécies, dizem eles.

Atualmente, um milhão de espécies animais e vegetais estão ameaçadas de extinção —mais do que nunca na história humana. Só na Amazônia, mais de 10 mil espécies correm risco de desaparecer devido ao desflorestamento para criação de gado, cultivo de soja e outros usos.

O novo estudo analisou mais de 30 mil espécies em todo o mundo, usando uma simulação em que o aumento da temperatura global excederia 2 graus Celsius entre 2041 e 2102.

Em tal situação, a pesquisa constatou que 728 espécies da região amazônica e de outros ecossistemas brasileiros seriam expostas a temperaturas inseguras. Para evitar tais cenários, alguns especialistas argumentaram que tecnologias de remoção de dióxido de carbono devem ser priorizadas como solução.

Um relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática da ONU (IPCC) descobriu, em abril, que a extração de dióxido de carbono da atmosfera será agora a chave para se alcançar as metas do Acordo de Paris, na medida em que as emissões globais continuam a aumentar.

No entanto, uma coautora do estudo, Joanne Bentley, disse que as tecnologias de remoção, bem como soluções baseadas na natureza, como o plantio de mais árvores que absorvem dióxido de carbono, incluem riscos próprios e não podem reverter a perda de biodiversidade.

"É importante perceber que não existe panaceia para mitigar os impactos das mudanças climáticas", disse Bentley, que também participa da Iniciativa Africana de Clima e Desenvolvimento da UCT.

"Se ultrapassarmos os 2 graus Celsius de aquecimento global, poderemos pagar caro em termos de perda de biodiversidade, comprometendo a provisão de serviços do ecossistema de que todos dependemos", acrescentou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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