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Exploração de espécies selvagens também ameaça bilhões de pessoas, aponta estudo

Documento abre caminhos para práticas mais sustentáveis e valoriza o conhecimento dos povos originários

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RFI

A superexploração de espécies selvagens —animais terrestres, peixes, algas, fungos, plantas e árvores— ameaça o bem-estar de bilhões de seres humanos. É o que revelou um relatório do IPBES e ONU, divulgado na sexta-feira (8). O documento, que contou com a experiência dos povos indígenas, abre caminhos para práticas mais sustentáveis e valoriza o conhecimento dos povos originários.

Bilhões de pessoas em todo o mundo, tanto em países desenvolvidos quanto em desenvolvimento, "dependem e se beneficiam de espécies selvagens para alimentação, medicina, energia, renda e muitos outros propósitos", observam os especialistas em biodiversidade do IPBES, em conjunto com a ONU.

Plataforma Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos, o IPBES é um órgão independente estabelecido por Estados para fortalecer ações de ciência política para a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos, com fins de conservação e uso sustentável da biodiversidade. Em 2019, o órgão revelou que um milhão de espécies estavam ameaçadas de extinção, sendo um dos principais motivos a sua exploração pelo homem.

Tráfico de animais
Policial militar rodoviário alimenta filhote de ave que foi apreendido juntamente com uma centena de filhotes de papagaio e um de arara em Pongaí (415 km de SP). Três suspeitos foram presos - Divulgação - 20.set.20/PM

Neste novo relatório, 85 especialistas em ciências sociais e naturais e peritos locais e de conhecimentos indígenas revisaram 6.200 fontes. "Cerca de 50 mil espécies selvagens são usadas (...) através da pesca, coleta, extração de madeira e caça de animais no mundo", incluindo 7.500 espécies de peixes e invertebrados aquáticos, 7.400 tipos de árvores ou 7.500 espécies de anfíbios, répteis, aves e mamíferos, detalha o relatório.

"As populações urbanas dos países ricos não percebem, mas as plantas silvestres são usadas na composição de remédios ou cosméticos; você come peixes selvagens e há uma boa chance de que seus móveis venham de árvores silvestres", explica o pesquisador Jean-Marc Fromentin, coautor do relatório.

De acordo com a pesquisa, as espécies selvagens são a principal fonte de madeira em todo o mundo. "Elas são uma questão fundamental para a segurança alimentar", sublinha o pesquisador francês. Mas "perderemos estes recursos com a exploração intensiva, com impacto direto nas populações humanas".

Ainda segundo o relatório, os pobres são os mais expostos às consequências dessa exploração descontrolada de recursos. Marla Emery, coautora do relatório, lembra que "70% dos pobres do mundo dependem diretamente de espécies selvagens", destacando, por exemplo, que 2,4 bilhões de pessoas dependem da madeira para cozinhar.

Turismo

Espécies selvagens também são importantes fontes de renda e emprego, aponta a pesquisa. Antes da Covid-19, o turismo em áreas protegidas gerava US$ 600 bilhões por ano. Porém, a superexploração afeta 34% dos estoques de peixes, põe em perigo 1.341 mamíferos selvagens, 12% das espécies de árvores selvagens e ameaça seriamente tubarões e arraias.

O tráfico ilegal de vida selvagem é considerado o terceiro no mundo, atrás apenas do tráfico de seres humanos e de drogas, movimentando entre US$ 69 bilhões e US$ 199 bilhões por ano.

No entanto, existem soluções. O relatório traz "uma mensagem de esperança", assegura Jean-Marc Fromentin, pesquisador do Ifremer (Instituto Francês de Pesquisa para a Exploração do Mar). "Podemos ter um uso de espécies selvagens que seja sustentável ao longo do tempo, para as gerações futuras", insiste.

Sabedoria indígena

Os povos indígenas manejam melhor as espécies silvestres, afirma o relatório da ONU, que enfatiza a importância da natureza para essas comunidades e suas práticas. "Muitas vezes isso passa por regras bastante simples de reciprocidade, respeito pela natureza e pelos animais e áreas sagradas que, para nós, equivalem a áreas protegidas", explica Jean-Marc Fromentin.

O relatório propõe reduzir a pesca ilegal, eliminar subsídios prejudiciais à natureza, apoiar a pesca em pequena escala, estabelecer certificações para a exploração madeireira, desenvolver sistemas de governança eficazes e uma redistribuição justa dos benefícios e custos da vida selvagem.

"A ilusão de que a humanidade poderia existir separadamente ou dominando o resto da natureza (...) levou a grandes crises ambientais, como as mudanças climáticas e o declínio da biodiversidade", resume o IPBES. "Ver a humanidade como parte da natureza, ou seja, um membro ou cidadão da natureza entre outros, lançaria as bases para uma relação mais respeitosa e duradoura", concluem os pesquisadores, que citam o exemplo dos povos indígenas e a necessidade de uma "mudança transformadora ".

O relatório foi validado por delegações dos 139 países membros do IPBES reunidos em Bonn, na Alemanha. O documento vai alimentar as discussões para a COP15 biodiversidade, considerada como crucial, e que acontecerá em dezembro, em Montréal, no Canadá. O evento deverá estabelecer um novo enquadramento de normas para proteger a natureza e seus recursos, em nível global, até 2050.

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