Herdeiros de petrolíferas financiam protestos contra crise do clima

Integrantes de duas famílias bancam grupos de ativistas no hemisfério norte

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Cara Buckley
The New York Times

Eles já deram marteladas em bombas de combustível e se colaram a obras-primas de museus e a ruas e estradas movimentadas. Acorrentaram-se a bancos. Invadiram a pista do GP de Silverstone da F-1 neste ano. Amarraram-se às travas dos gols, sob as vaias de dezenas de milhares de torcedores de futebol britânicos.

Os ativistas que empreenderam esses atos de perturbação da ordem nos últimos 12 meses disseram que estavam desesperados para transmitir a urgência da crise climática e que a maneira mais eficaz de fazê-lo é em público, bloqueando terminais petrolíferos e atrapalhando atividades normais.

Os ativistas também compartilham uma fonte inesperada de recursos financeiros: os herdeiros de duas famílias americanas que ficaram riquíssimas com o petróleo.

Ativistas do grupo 'Just Stop Oil' se colam a um quadro na Galeria Nacional de Artes de Londres (ING), pedindo o fim do uso de combustível fóssil
Ativistas do grupo 'Just Stop Oil' se colam a um quadro na Galeria Nacional de Artes de Londres (ING), pedindo o fim do uso de combustível fóssil - Carlos Jasso - 4.jul.22/AFP

Duas organizações sem fins lucrativos relativamente novas que os herdeiros petrolíferos ajudaram a fundar estão financiando dezenas de grupos de protesto que se dedicam a usar a desobediência civil para interromper o funcionamento do "business as usual" (negócios, como sempre), principalmente nos Estados Unidos, Canadá e Europa.

Enquanto voluntários de grupos ambientalistas amplamente conhecidos, como o Greenpeace Internacional, usam táticas disruptivas há anos para chamar a atenção para ameaças ecológicas, as novas entidades estão financiando ativistas de base.

O Climate Emergency Fund foi fundado em 2019 sobre a premissa de que a resistência civil é imprescindível para promover as transformações sociais e políticas amplas e imediatas necessárias para combater a crise climática.

Margaret Klein Salamon, a diretora executiva do fundo, apontou para movimentos sociais do passado —sufragistas, ativistas dos direitos civis, defensores dos direitos dos gays— que alcançaram seus objetivos depois de manifestantes terem levado protestos não violentos às ruas.

"A ação pública desperta a opinião pública, influi sobre o que a mídia cobre e transforma o campo do que é politicamente possível", disse Salamon. "Os sistemas normais fracassaram. É hora de todas as pessoas entenderem que precisamos assumir esta luta."

Até agora o fundo distribuiu um pouco mais de US$ 7 milhões, disse ela, com o objetivo de impelir a sociedade para o modo de atuação de emergência. Embora os Estados Unidos estejam prestes a promulgar uma legislação climática histórica, essa legislação ainda permite a expansão da exploração petrolífera e de gás, algo que, segundo cientistas, precisa parar imediatamente para que se possa evitar uma catástrofe planetária.

Uma entidade que compartilha esses ideais é a Equation Campaign. Fundada em 2020, ela dá apoio financeiro e assistência jurídica a pessoas que vivem nas proximidades de refinarias, oleodutos e gasodutos e que estão tentando sustar a expansão da exploração de combustíveis fósseis, usando métodos que incluem a desobediência civil.

Um fato notável é que ambas as organizações têm o apoio de famílias que fizeram suas fortunas com o petróleo e cujos descendentes sentem a responsabilidade de reverter os males causados pelos combustíveis fósseis. Aileen Getty, cujo avô criou a Getty Oil, ajudou a fundar a Climate Emergency Fund, para a qual doou US$ 1 milhão até agora. A Equation Campaign foi criada em 2020 com US$ 30 milhões dados por dois membros da família Rockefeller, Rebecca Rockefeller Lambert e Peter Gill Case. John D. Rockefeller fundou a Standard Oil em 1870 e tornou-se o primeiro bilionário dos Estados Unidos.

Margaret Klein Salamon, diretora executiva da ONG Climate Emergency Fund, que financia os ativistas ecológicos
Margaret Klein Salamon, diretora executiva da ONG Climate Emergency Fund, que financia os ativistas ecológicos - Amir Hamja/NYT

"É hora de enfiar o gênio de volta na garrafa", escreveu Case em um e-mail. "Sinto uma obrigação moral de fazer minha parte. E você, não sente?"

A crença no poder transformador da desobediência civil extrema não é universal, e algumas ações dos grupos, especialmente iniciativas apoiadas pelo Climate Emergency Fund, têm irritado o público.

Manifestantes já foram alvos de gritos e ameaças, foram tachados de ecofanáticos e arrastados para longe por usuários furiosos dos transportes públicos. Pesquisas das universidades Stanford e de Toronto constataram que, enquanto os protestos mais disruptivos atraem publicidade, são capazes de enfraquecer a credibilidade de um movimento e distanciar potenciais apoiadores.

Mas Salamon e ativistas apoiados pelo Climate Emergency Fund disseram que a reação contrária era inevitável. Eles apontaram o exemplo de Martin Luther King Jr., que, segundo pesquisa Gallup, teve índice de desaprovação popular de 63% nos anos que antecederam sua morte.

"Não estamos tentando angariar simpatia", explicou Zain Haq, cofundador da entidade canadense Save Old Growth, que ergue barreiras em estradas para impedir a derrubada de florestas antigas na Colúmbia Britânica por madeireiros e que recebeu US$ 170 mil do Climate Emergency Fund. "Historicamente falando, a desobediência civil envolve contestar um modo de vida."

Ativista Louis McKechnie, membro da Just Stop Oil, é retirado da trave do jogo entre Everton e Newcastle, no estádio Goodison Park, pela Premier League da Inglaterra
Ativista Louis McKechnie, membro da Just Stop Oil, é retirado da trave do jogo entre Everton e Newcastle, no estádio Goodison Park, pela Premier League da Inglaterra - Anthony Devlin - 17.mar.22/AFP

Há algumas evidências de que os grupos de protesto climático mais recentes vêm sendo ouvidos. Pesquisadores constataram que os grupos Extinction Rebellion e Sunrise Movement vêm desempenhando um papel muito importante na conscientização pública e na definição da política climática. Em termos de custo-benefício, os grupos de protesto frequentemente superam as entidades ambientais tradicionais sem fins lucrativos, conhecidas como as "Big Green", em eficácia em ajudar com a redução das emissões de gases estufa.

Para a Equation Campaign, sustar a expansão da exploração petrolífera e de gás tem um impacto quantificável. O cancelamento da extensão do oleoduto Keystone XL, após anos de resistência por parte de tribos indígenas, agricultores e pecuaristas locais, impediu a liberação de até 180 milhões de toneladas de gases estufa por ano, segundo uma estimativa. A Equation Campaign está financiando campanhas contra uma série de outros projetos de exploração de combustíveis fósseis e ajuda ativistas que são atacados frequentemente com o que a diretora executiva do grupo, Katie Redford, descreveu como acusações desmedidas e prisões injustificadas.

"Para que o clima possa vencer, para que a humanidade, literalmente, possa vencer, precisamos que os ativistas vençam e impeçam a indústria de construir mais coisas que emitem gases estufa na atmosfera", disse Redford.

Winona LaDuke, diretora da ONG 'Honor the Earth', durante protesto contra a construção de um oleoduto em terras indígenas no município de Rapids, nos Estados Unidos
Winona LaDuke, diretora da ONG 'Honor the Earth', durante protesto contra a construção de um oleoduto em terras indígenas no município de Rapids, nos Estados Unidos - Tim Gruber - 5.jun.21/NYT

Ativistas climáticos recebem muito menos recursos que as grandes entidades ambientais, especialmente de organizações filantrópicas, que dedicam apenas uma fração de seus gastos a problemas climáticos em todo o mundo. Segundo a ClimateWorks Foundation, menos de 2% dos recursos filantrópicos globais em 2020 foram usados para mitigar a mudança climática (se bem que essa porcentagem venha crescendo). Uma parte minúscula disso foi dedicado à atividade de base e à construção do movimento.

Tanto Redford quanto Salamon disseram que suas entidades financiam apenas atividades legais, como treinamento, formação, viagens e custos de recrutamento e de impressão. Os beneficiados pelas doações precisam confirmar que o dinheiro não foi gasto com atividades proibidas por lei.

Eles contestaram qualquer sugestão de que pagar a ativistas diminui a autenticidade das ações destes, destacando que os beneficiados já trabalhavam em tempo integral como voluntários, nesse processo frequentemente zerando suas contas bancárias próprias. "Esta é a paixão deles", disse Salamon.

"Não é justo continuar pedindo a pessoas indígenas, negras, pardas e pobres que vivem na linha de frente que façam esse trabalho de graça, simplesmente porque até agora o vêm fazendo em seu ‘tempo livre’", disse Redford.

Ativistas que recebem os recursos descreveram o dinheiro como algo caído do céu. Alguns deles haviam abandonado seus estudos para dedicar-se em tempo integral ao ativismo climático, impelidos por um senso de urgência e de dever moral. Outros trabalhavam em vários empregos para conseguir pagar suas contas.

Miranda Whelehan, da entidade britânica Just Stop Oil, disse que os membros do grupo estavam sobrecarregados e estressados até que o Climate Emergency Fund deu quase US$ 1 milhão a eles, ajudando a pagar por salários para 40 organizadores e ativistas.

"É evidente que há um limite ao que se pode fazer quando a pessoa trabalha como voluntária", disse Whelehan. "As grandes empresas petrolíferas dispõem de milhões, senão bilhões."

Ativistas dos grupos Extinction Rebellion e Just Stop Oil se unem para bloquear a entrada da ponte Lambeth, em Londres, em mais um protesto pelo fim dos combustíveis fósseis
Ativistas dos grupos Extinction Rebellion e Just Stop Oil se unem para bloquear a entrada da ponte Lambeth, em Londres, em mais um protesto pelo fim dos combustíveis fósseis - Extinction Rebellion - 15.abr.22/Handout via Reuters

Os ativistas reiteraram que não querem praticar desobediência civil, mas que esforços mais tradicionais ainda não conseguiram evitar um desastre climático generalizado. "Já tentamos todas as outras alternativas", disse Louis McKechnie, membro da Just Stop Oil que já foi preso cerca de 20 vezes.

McKechnie contou que foi expulso da Universidade de Bournemouth por conta de sua militância climática. Em março ele empreendeu sua ação mais pública até agora, usando um lacre de plástico com metal para prender-se a uma trava de gol durante uma partida de futebol da Premier Ligue britânica. Disse que sentiu o "ódio e as ameaças" de todos os presentes e que foi chutado e quase socado ao ser levado para fora do campo. Ele foi preso e disse que recebeu tantas ameaças de morte que deletou suas contas em redes sociais.

Mas ele não se deixou abalar. "Se apenas 1% da multidão presente foi tentar descobrir quem somos e o que estamos fazendo, isso já terá sido uma vitória enorme", disse.

Tradução de Clara Allain

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