Turquia barra porta-aviões brasileiro após denúncias de exportação de resíduos tóxicos

Brasil é acusado por ambientalistas de enviar ilegalmente amianto a bordo de navio vendido pela Marinha

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Rio de Janeiro

O governo da Turquia decidiu nesta sexta-feira (26) vetar o acesso do porta-aviões brasileiro São Paulo ao país, em resposta a denúncias de organizações ambientalistas sobre exportação ilegal de resíduos tóxicos na embarcação, vendida pela Marinha a uma empresa de desmanche de navios.

O porta-aviões deixou o Brasil no início do mês, pouco antes de liminar judicial que impedia sua saída, e vem sendo acompanhado em tempo real pelo Greenpeace. Na Turquia, sua iminente chegada era alvo de protestos.

O Ministério do Meio Ambiente da Turquia disse que a decisão foi tomada diante de negativa do governo brasileiro de fazer nova análise sobre a existência de amianto e outras substâncias perigosas no navio.

O porta-aviões São Paulo, que operou na Marinha até 2017 - Rob Schleiffert/Wikimedia

O pedido foi feito no início do mês, mas o governo brasileiro, por meio do Ibama, alegou que a embarcação já está em águas internacionais. "Assim, não será permitida a entrada do navio nas águas territoriais turcas", diz Ancara, em comunicado divulgado nesta sexta. Procurado, o instituto não respondeu.

A análise inicial, feita pela empresa norueguesa Grieg Green, é questionada por organizações ambientalistas, pois indicou uma quantidade de amianto bem inferior à encontrada em um porta-aviões gêmeo, o Clemenceau.

A embarcação que pertencia à Marinha francesa, segundo a ONG Shipbreaking Platform, tinha 760 toneladas de amianto. O relatório sobre o São Paulo estima pouco menos de 10 toneladas. A Shipbreaking afirma que a própria empresa responsável pela análise reconheceu que não teve acesso a todas as áreas dele.

O porta-aviões São Paulo foi vendido por R$ 10,5 milhões ao estaleiro Sök Denizcilik and Ticaret Limited, especializado em reciclagem de material naval. Nesta sexta, ele estava próximo às ilhas Canárias, na costa da África, segundo o monitoramento do Greenpeace.

A embarcação era o maior navio de guerra brasileiro, com 31 mil toneladas, 266 metros de comprimento e capacidade para até 40 aeronaves. Seu armamento era composto por três lançadores duplos de mísseis e metralhadoras de grosso calibre.

Construído no fim dos anos 1950, foi batizado inicialmente de Foch e, após integrar a esquadra francesa, chegou ao Brasil em 2001. Operou até 2017, quando a Marinha decidiu se desfazer dele.

O imbróglio envolvendo a venda vem desde essa época. Primeiro, organizações ambientalistas conseguiram convencer o governo a restringir participação de estaleiros asiáticos no leilão, limitando a oferta a empresas que cumprem normas europeias de manuseio de resíduos tóxicos. Depois, o Instituto São Paulo-Foch, associação criada pelo ex-militar Emerson Miura, tentou disputar o navio, com o objetivo de transformá-lo em um museu flutuante, inspirado no porta-aviões USS Intrepid, ancorado em Nova York.

Miura diz que conseguiu financiamento para o projeto, mas a Marinha não permitiu a participação do instituto no leilão. "A gente estaria preservando o último porta-aviões do Brasil e o único da Marinha", defende.

O navio deixou o Brasil no último dia 4. No mesmo dia, Miura obteve na Justiça Federal do Rio de Janeiro liminar impedindo a viagem. Ao ser notificada, a Marinha informou que o pedido não poderia ser acatado porque a embarcação já estava em águas internacionais.

Nicola Mulinaris, diretor de Comunicação e assessor político da Shipbreaking Platform, diz que o transporte do navio desrespeita regras do acordo de Basileia, pelas falhas na caracterização dos resíduos tóxicos e por falta de aviso aos países em cujas águas ele vai navegar até chegar à Turquia.

A exportação foi autorizada pelo Ibama, em processo que também é questionado. "Há anos estamos nos comunicando com as autoridades brasileiras, incluindo Ibama e Marinha, sobre esse tema", diz Mulinaris. "Eles estavam e estão bem cientes das quantidades significativas de tóxicos nas estruturas do porta-aviões, que não chegam nem perto dos números indicados no inventário mais recente. O São Paulo deve voltar imediatamente ao Brasil."

Advogado da Cormack Marítima, que atuou como representante da Sok após a compra do navio, Alex Christo Brahov diz que a quantidade de amianto na embarcação é irrelevante, já que a convenção da Basileia proíbe a exportação do material. "Não importa se são 9 ou 900 toneladas. Teria que ser retirado aqui e dado destinação aqui", afirma.

O amianto é apontado como causador de doenças como asbestose, doença crônica pulmonar de origem ocupacional, cânceres de pulmão e do trato gastrointestinal, por exemplo.

Responsável pelo inventário de resíduos tóxicos do navio, a Grieg Green diz que normalmente há restrições de acesso para análise em navios fora de operação, devido a riscos de gases perigosos ou falta de oxigênio.

"Como o São Paulo ficou fora de operação por cerca de dez anos, várias áreas estavam fechadas ou inacessíveis aos pesquisadores", afirmou, em nota enviada à Folha. No texto, a empresa diz que não consegue especificar quanto da área do navio foi inspecionada. Segundo a Grieg Green, a análise foi prejudicada pela limitação de acesso a documentação original do navio, dada a sua idade. "Embarcações militares geralmente têm restrições sobre o compartilhamento de documentação."

A Folha tentou contato por email e telefone com a Marinha e com o Ibama, mas não teve reposta até a publicação desta reportagem. A Sok foi contatada por email e também não respondeu.

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