Descrição de chapéu Planeta em Transe desmatamento

Um terço de todo o desmatamento do Brasil desde 1500 ocorreu nos últimos 37 anos

Perda de vegetação nativa equivale a pouco mais do que os estados de MG e SP juntos

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Giovana Girardi
São Paulo

Os pouco mais de 500 anos da história do Brasil foram marcados por ciclos econômicos de ocupação do território e avanço sobre a vegetação nativa, mas um terço (33%) de todo o desmatamento já registrado no país ocorreu em apenas 37 anos. De 1985 a 2021, o país perdeu 13,1% de sua vegetação nativa.

É o que revela a mais recente análise do projeto MapBiomas, lançada nesta sexta-feira (26). A iniciativa, que reúne universidades, ONGs e empresas de tecnologia, monitora as transformações na cobertura e no uso da terra no Brasil por meio da análise de imagens de satélites que datam a partir de 1985.

O trabalho, que está em sua sétima coleção, permitiu, pela primeira vez, separar a perda de cobertura vegetal desse período da que havia ocorrido até então e entender melhor como o processo de desmatamento tem se acelerado nos últimos anos em algumas regiões do país.

Floresta amazônica com uma grande clareira de pasto provocada por desmatamento irregular
Áreas de pastagem devastada na floresta Amazônica, na região da bacia do rio Tapajós, no estado do Pará - Pedro Ladeira - 17.fev.22/Folhapress

A perda de vegetação nativa foi de 84,7 milhões de hectares entre 1985 e 2021. É um pouco mais do que os estados de Minas Gerais e São Paulo juntos. Além disso, houve uma redução da área úmida, com a perda de 17,1% da superfície da água no país. No total, o estudo considera que a área antropizada, ou seja, alterada por ação humana, cresceu 87,5 milhões de hectares no período.

E a maior parte dessa área foi ocupada pela agropecuária. Enquanto a cobertura de vegetação (que incluem florestas, savanas e outras formações não florestais) caiu de 76% para 66% do território nacional, a da agropecuária subiu de 21% para 31%. As áreas de agricultura tiveram o maior aumento (228%) e agora representam 7,4% do país.

Apesar de a maior parte (72%) dessa expansão da agricultura ter ocorrido sobre áreas já alteradas, especialmente sobre pastagens —o que é considerado um movimento positivo, pois não incentiva novos desmatamentos—, ainda se observou que 28% das lavouras foram cultivadas em áreas que tinham recentemente sido desmatadas, o que indica uma conversão direta da vegetação nativa.

Como outras análises já vinham revelando, o levantamento reforça que o avanço da agropecuária tem ocorrido especialmente em algumas áreas e de modo mais pronunciado nos últimos anos: o Matopiba (região entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) respondeu por 56,2% de toda a perda de vegetação nativa observada no cerrado nos últimos 20 anos.

A Amacro (região na fronteira entre Acre, Amazonas e Rondônia) vem concentrando boa parte do desmatamento da Amazônia na última década.

A perda de florestas nessa área respondeu por 22% do desmatamento da Amazônia nos últimos dez anos, ante 11% entre 2000 e 2010. Como a Folha mostrou em reportagem no dia 14, cidades como Lábrea e Apuí, no sul do Amazonas, foram as campeãs de desmatamento nos últimos 12 meses.

Mas também chama atenção no estudo as alterações observadas no pampa, no Rio Grande do Sul. Foi o bioma onde, proporcionalmente, houve a maior redução da vegetação nativa, de 61,3% para 46,3% em 37 anos.

"É um fenômeno recente o que está ocorrendo lá. Começou em 98, 99 e se aprofundou em 20 anos. A perda da vegetação foi maior entre 2010 e 2020 que nos dez anos antes. Ocorre lá algo curioso. A pecuária é vilã na Amazônia, mas no Pampa os campos sulinos são totalmente compatíveis com a pecuária. Enquanto havia só pecuária na região, o bioma estava estável. Aí aconteceram dois booms: das florestas plantadas, principalmente de eucalipto e de pínus, e do plantio de soja, que explodiu substituindo a vegetação nativa", explica Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas.

"Matopiba, Amacro, o pampa, o Pantanal estão sofrendo transformações rápidas. Mas, em geral, não temos nenhuma grande região no Brasil que tenham uma mudança no sentido de ter um aumento da conservação. Ao contrário. Mesmo na mata atlântica, que tinha começado a se estabilizar, com um processo de regeneração maior do que o de desmatamento, nos últimos três anos (2019, 2020 e 2021) voltou a ter perda de vegetação. É um negócio louco. Pensa num retrocesso", complementa Azevedo.

O pesquisador pondera também que o fato de 66% do território nacional ainda ter cobertura de vegetação nativa não significa que se trata de áreas totalmente conservadas. Pelo menos 8% dessa vegetação é secundária, ou seja, foi desmatada em algum momento e acabou regenerando.

Por outro lado, 33% do desmatamento ocorreu sobre áreas que tinham sido regeneradas. Quer dizer, mesmo as recuperações não estão vingando. "A gente tem um monte de desafio pela frente. A primeira coisa é zerar o desmatamento. A segunda é recuperar a vegetação nativa, mas não basta plantar, tem de cuidar dessa área. Depois aumentar a produção sem abrir novas áreas."

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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