Candidatos em Mato Grosso se dividem sobre saída da Amazônia Legal

Projeto na Câmara propõe a retirada do estado da área protegida, o que reduziria reserva legal em propriedades

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Cuiabá

Mato Grosso, o segundo estado com maior desmatamento acumulado desde 1988 —atrás apenas do Pará— entre as nove unidades da federação que fazem parte da Amazônia Legal, pode deixar oficialmente a área e, assim, desmatar ainda mais. É isso o que prevê uma proposta que tramita na Câmara.

O projeto é de autoria do deputado federal Juarez Costa (MDB-MT), que busca a reeleição.

A Amazônia Legal é um conceito instituído em 1953 e abrange 59% do território brasileiro com seus nove estados. É nessa região que residem 56% da população indígena do país.

Costa quer remover Mato Grosso da Amazônia Legal porque a legislação define que as propriedades rurais devem manter uma parte maior da vegetação nativa como reserva legal quando estão dentro dessa região.

Área ligeiramente alagada, com um pouco de pasto queimado em volta
Vegetação queimada em área alagada próxima a estrada que atravessa uma fazenda no Pantanal - Lalo de Almeida - 2.nov.2021/Folhapress

Pela norma, 80% da cobertura vegetal devem ser conservados na Amazônia Legal, 35% no cerrado e 20% nos demais biomas.

Assim, caso a proposta seja aprovada em Brasília, os fazendeiros teriam que conservar apenas 20% das áreas, "poupando os produtores mato-grossenses das despesas necessárias à manutenção de até 80% de terras sem uso agropecuário", diz trecho da justificativa do deputado.

Na campanha para o governo estadual de Mato Grosso, a proposta tem levado os principais candidatos a ficarem em cima do muro e até mudarem de opinião em relação ao tema.

O governador Mauro Mendes (União), que busca a reeleição, por exemplo, se dizia amplamente favorável ao projeto, desde que os incentivos e benefícios fiscais que o estado tem por pertencer à Amazônia Legal fossem mantidos.

Agora se diz totalmente contrário. "Sou contra o projeto, por entender que o estado irá perder recursos importantes disponibilizados para o desenvolvimento da região, por pertencemos à Amazônia Legal", afirmou após questionamento da reportagem.

Segundo ele, o estado é uma das poucas regiões do mundo que pode até dobrar a área de produção nos próximos anos sem precisar desmatar nenhuma área nova.

"Não há necessidade de retirar Mato Grosso da Amazônia Legal por causa do argumento de que precisamos produzir mais alimentos para o mundo, pois vamos dobrar a produção nos próximos dez anos", afirma.

Já a sua principal adversária, Marcia Pinheiro (PV), afirma que é preciso um amplo debate antes de qualquer decisão.

Ela pertence ao Partido Verde e tem como candidato ao Senado em sua chapa o relator da proposta, o deputado federal Neri Geller (PP), uma das principais lideranças da bancada ruralista no Congresso.

"O projeto de lei de tirar Mato Grosso do Amazônia Legal tem seus benefícios, mas também tem perdas que são no campo dos incentivos fiscais", afirma.

Segundo a candidata, é preciso ouvir todos os setores, como cientistas, ambientalistas, economistas e empresários. "Defendo que os ativos ambientais sejam remunerados por forma de lei, porque não dá para nós mantermos esses ativos e perdermos receitas e atividades econômicas", diz.

Os parlamentares de Mato Grosso, terceiro estado em desmatamento em 2021 (atrás de Pará e Amazonas), e o governo estadual têm priorizado projetos revisando leis ambientais. Recentemente foi aprovada e sancionada lei que flexibiliza as atividades agropecuárias na região do Pantanal.

Entre as principais mudanças, estão a permissão para a atividade da pecuária extensiva em APP (Área de Preservação Permanente), a utilização de até 40% da propriedade em área alagável para pasto e a autorização de utilização de agrotóxicos e agroquímicos na região.

Quem também evitou se posicionar sobre a ideia de Mato Grosso deixar a Amazônia Legal foi o senador Wellington Fagundes (PL), que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro. Segundo ele, só após amplo debate é que se poderá construir um consenso, incluindo a Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia).

"Há muitas implicações em jogo para Mato Grosso. Por exemplo, as questões relacionadas ao novo Código Florestal e a permanência na área de atuação da Sudam. Estaremos trabalhando para facultar e estimular a sua participação nesse encaminhamento", disse.

O deputado Neri Geller se posicionou favorável ao projeto, mas diz que irá estimular o debate. "Nosso objetivo não é tirar Mato Grosso da Amazônia para que haja mais desmatamento. O desmatamento ilegal deve ser combatido. Queremos, sim, rediscutir esse tema para que quem produz seja compensado e não prejudicado", afirmou.

Para Geller, atualmente o ônus de ter Mato Grosso incluído na Amazônia Legal ficou apenas para o produtor rural, e o bônus é compartilhado com toda população. "Há um desequilíbrio que precisamos corrigir."

O presidente licenciado da Aprosoja Brasil, Antônio Galvan (PTB), que disputa o Senado, apoia a saída da Amazônia Legal, inclusive para mais estados.

"Do jeito que está eu digo que não sou favorável [ao projeto]. Mas não por causa de que sou contra. E sim porque é preciso incluir os estados de Rondônia, Tocantins e parte do Pará", disse.

Segundo ele, não adianta querer salvar "meia dúzia de árvores" e deixar milhões de pessoas com fome. "Nós precisamos alimentar o mundo. Esse debate é sobre alimento, não meio ambiente. Também temos que rever o Código Florestal."

O pastor Marcos Ritela (PTB), que disputa o governo e é o terceiro colocado nas pesquisas, afirmou que é a favor de toda forma de produção do agronegócio desde que seja autossustentável. Se for comprovado que a saída proporcionará mais emprego e renda, Ritela diz que será favorável.

Já o candidato do PSOL ao governo, Moisés Franz, disse ser totalmente contra, já que a mudança causará uma destruição ambiental ainda maior.

"É inconcebível a destruição que os barões do agronegócio vêm realizando no estado, a um custo cada vez mais de acumulação de riquezas. Para que se produz tanta riqueza para poucos, se essa riqueza se concentra nas mãos de menos de 1% da população", disse.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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