Indígenas ka'apors se unem contra garimpo ilegal no Maranhão

Povo conhecido por seu sistema de autodefesa pede investigação da morte de liderança

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Ruy Sposati
Terra Indígena Alto Turiaçu (MA) | Repórter Brasil

Itahu Ka'apor olha pela janela da caminhonete estranhando a paisagem. Há pouco tempo, o entorno da Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu, no Maranhão, tinha pequenas plantações e rebanhos bovinos dos assentamentos de agricultores familiares. Agora, o que se observa são grandes rasgos na floresta, abertos pelo garimpo ilegal de ouro. "Nosso território está muito perto. Estamos preocupados."

A exploração mineral ainda não entrou na TI, mas a devastação se aproxima em ritmo acelerado —estando a apenas dois quilômetros da fronteira. Andando pelos ramais que circundam o território, é possível ver o trânsito de caminhonetes levando combustível, bombas e dragas para os garimpos, além de tratores e escavadeiras.

Pesquisas já identificaram contaminação de mercúrio oriundo do garimpo ilegal no rio Maracaçumé, um dos maiores da região, que já começa a afetar animais e plantas, segundo o biólogo Antônio Marcos Pereira.

"Bolsonaro facilitou para os garimpeiros, e agora aqui está cheio deles", lamenta Itahu.

Indígena da etnia Ka'apor é visto de costas segurando uma arma no ombro
Indígena da etnia ka'apor faz ronda de proteção no território - Lunaé Parracho/Repórter Brasil

A proximidade da ameaça era a maior preocupação de Sarapó Ka'apor em seus últimos meses de vida. Morto em maio deste ano em circunstâncias ainda não esclarecidas, aos 45 anos, a liderança indígena já havia denunciado a aproximação de garimpeiros ao Cimi (Conselho Indigenista Missionário).

Sarapó também havia comandado, em 2019 e 2021, duas operações para expulsar grupos que tentavam iniciar a exploração de ouro na TI. Era alvo de ameaças desde 2013, quando ajudou a criar a estratégia de proteção do território, e integrava o Programa de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos do Maranhão desde 2015.

Sob sua liderança, os ka’apors foram um dos pioneiros na implantação de um sistema de vigilância e autodefesa do território contra invasores, semelhante ao utilizado por seus vizinhos guajajaras e que tem inspirado outros povos Brasil afora —como os indígenas do Vale do Javari, onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados em junho.

Indígenas queimam ponte para dificultar a entrada de invasores
Indígenas queimam ponte para dificultar a entrada de invasores - Repórter Brasil

Devido ao histórico de ameaças, os ka’apors suspeitam que Sarapó tenha sido envenenado e agora lutam para que sua morte seja esclarecida —a investigação está hoje nas mãos da Polícia Federal, que, após quatro meses, não divulgou nenhuma conclusão.

Ao mesmo tempo, seus sucessores prometem fazer valer o seu legado de luta pela floresta em pé. "A gente não pode se entregar. A gente tem que defender o território", afirma Itahu.

O avanço do inimigo

Além da proximidade do garimpo ilegal, os ka’apors enfrentam a cobiça de grandes mineradoras. Cerca de 50 pedidos de pesquisa de ouro batem à porta da TI no chamado Cinturão Gurupi, depósito aurífero com aproximadamente 12 mil km² de extensão, na divisa dos estados do Pará e do Maranhão, com recursos estimados em mais de 158 toneladas de ouro.

Segundo dados da ANM (Agência Nacional de Mineração), três requerimentos visando a pesquisa e exploração desse minério fazem fronteira com a TI. Dois deles estão registrados em nome da MCT Mineração, empresa ligada à australiana OZ Minerals, e o terceiro está em nome da Mineração Serras do Oeste, subsidiária da canadense Jaguar Mining. A ANM já deu autorizações para o início de pesquisas na região.

Garimpo ilegal avança no limite do território, também cobiçado por mineradoras estrangeiras
Garimpo ilegal avança no limite do território, também cobiçado por mineradoras estrangeiras - Ruy Sposati/Repórter Brasil

Procurada, a Jaguar Mining afirmou que os direitos minerários próximos à TI foram vendidos em 2017 para a MCT. A OZ Minerals confirmou sua atuação na região, afirmando compromisso com a preservação ambiental e direitos dos povos indígenas. A empresa destacou que a área está atualmente ocupada "por atividades de mineração ilegal de grupos não relacionados à OZ Minerals".

Além desses requerimentos ativos, constam como inativos três pedidos de pesquisa para exploração de ouro dentro do território indígena em nome da Mineração Silvana, empresa que pertence ao Grupo Santa Elina, que até março era o conglomerado empresarial campeão de pedidos de pesquisa mineral em terras indígenas, conforme revelou a Repórter Brasil. Os pedidos foram feitos em 1996 e indeferidos pela agência em 2019, mas a mineradora solicitou a reconsideração da análise.

Procurado, o Grupo Santa Elina afirmou que pretende desistir dos requerimentos. Já a ANM respondeu que a legislação "permite a emissão de alvará de pesquisa" no entorno de TIs.

Apesar de não invadirem o território dos ka’apors, os três requerimentos ativos na ANM se situam em sua "zona de amortecimento" —uma região protegida no entorno das terras indígenas para evitar que impactos cheguem às áreas demarcadas.

Retrato de Sarapó Ka'apor
Sarapó Ka'apor (à frente) morreu em maio deste ano em circunstâncias ainda não esclarecidas - Repórter Brasil

No entanto, os ka’apors denunciam que nem os limites da TI vêm sendo respeitados, relatando já terem se deparado com atividades de pesquisa dentro de suas terras: em 2019 "entraram de moto, com uma antena para fazer pesquisa e aparelhos de prospecção", denuncia Itahu.

Seja por meio das grandes mineradoras ou dos garimpeiros ilegais, a cobiça do ouro sob o território ka’apor é tão antiga quanto a resistência da etnia.

No século 19, Barão de Mauá tentou explorar ouro na região em parceria com um empreendimento inglês, mas foram expulsos pelos indígenas. Cinquenta anos depois, em 1905, Guilherme Linde —homem de negócios que se tornaria o "barão do ouro" do Gurupi— também fracassou ao tentar expandir sua produção, após três ataques dos indígenas.

O mesmo recado os indígenas vêm dando nos últimos anos aos madeireiros, que até 2013 ocupavam parte da TI Alto Turiaçu, mas que foram retirados pelos defensores do território. Sarapó participou ativamente dessas ações nos últimos anos. Agora, seu legado serve de inspiração.

"Se minerar, vai ter guerra", lia-se na bandeira empunhada por um jovem ka’apor em frente ao túmulo do líder, em junho.

Colaborou Marina Rossi.

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