Congresso terá ao menos oito empresários ou articuladores do garimpo e da mineração

Apesar de alguns candidatos fracassarem nas eleições, bancada terá representantes na Câmara e no Senado

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Brasília

Os brasileiros elegeram pelo menos oito nomes para o Congresso Nacional ligados, direta ou indiretamente, ao garimpo e à mineração. São parlamentares sócios de empresas do setor ou que têm forte articulação em prol da atividade.

Impulsionados pelo discurso de Jair Bolsonaro (PL), pelo menos 79 candidatos relacionados à mineração concorreram nas eleições deste ano —35 deles para o Congresso.

Para as assembleias estaduais, foram pelo menos dez nomes eleitos. Outros 21 ficaram como suplentes.

José Medeiros (PL-MT), reeleito deputado federal
José Medeiros (PL-MT), reeleito deputado federal - Andressa Anholete - 1º.fev.2017/AFP

No levantamento, a reportagem cruzou o banco de dados de processos minerários na Agência Nacional de Mineração com o de candidatos do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e suas respectivas empresas, além de identificar políticos que defendem publicamente e trabalham em prol do garimpo.

A força da mineração no Congresso, no entanto, não se resume a esses oito parlamentares. Muito próxima da bancada ruralista, a mineração tem um dos lobbies mais poderosos de Brasília e bom trânsito no Palácio do Planalto.

Não à toa, a pauta ganhou força no governo Bolsonaro com o avanço, por exemplo, do projeto de lei que libera o garimpo em Terras Indígenas (TI) —o que hoje é proibido. O pedido de urgência para a proposta reuniu 279 votos favoráveis na Câmara dos Deputados.

Dos oito eleitos ligados direta ou indiretamente ao garimpo ou à mineração, sete estarão na Câmara e um no Senado no próximo ano. Entre os deputados federais, seis nomes foram reeleitos.

Um deles é José Medeiros (PL-MT), vice-líder do governo Bolsonaro e autor de um projeto de lei que libera a mineração em áreas protegidas. Ele já criticou publicamente o Ibama e a destruição de garimpos no Pará.

Procurado pela Folha, ele diz que defende a regulamentação não só da mineração mas da exploração de madeira e que os garimpeiros são postos na ilegalidade pelo excesso de burocracia criada pelo Estado para a atividade.

"A mineração feita pelas grandes mineradoras nacionais e internacionais, essas eu nunca vi críticas sobre elas, não importa se causem problemas ambientais ou matem pessoas com barragens", afirma o deputado.

Joaquim Passarinho (PL-PA), reeleito, já defendeu publicamente a atividade e, como mostrou a Agência Pública, abriu as portas de Brasília para o lobista Wescley Tomaz, vereador em Itaituba (PA) também conhecido como vereador dos garimpeiros.

Tomaz, por exemplo, estava na comitiva de políticos do Pará que se reuniu com Bolsonaro em abril para defender a regularização de garimpos. Ele já esteve diversas vezes no gabinete de Passarinho.

Procurado, Passarinho afirmou que defende tanto a exploração quanto a preservação do meio ambiente.

"Em meu terceiro mandato, continuarei defendendo a atividade da pequena mineração em áreas permitidas e de maneira legal [...]. A nossa intenção é legalizar, trabalhar em prol da legalidade das pessoas que precisam do garimpo, dos pequenos garimpeiros, dos médios garimpeiros e das cidades que têm como sua economia principal a atividade mineradora", disse.

Tomaz, aliás, teve sucesso nas urnas —conseguiu saltar da Câmara de Itaituba para a Assembleia Legislativa do Pará, pelo PSC. Questionado pela reportagem por mensagens desde a última quarta (5), ele não respondeu.

Não teve a mesma sorte, por exemplo, o ex-senador Flexa Ribeiro (PP-PA), que tentava voltar ao cargo que já ocupou (entre 2011 e 2018). Ele é ligado a Dirceu Frederico Sobrinho, suplente em sua chapa de 2018 —quando também não se elegeram.

Como mostrou a Folha, Sobrinho orquestrava, por meio de sua empresa FD Gold, um esquema de extração ilegal de minério em áreas proibidas e, por meio de bancos, revendia o material para o exterior. Ele é também presidente da Associação Nacional do Ouro e proprietário dos 77 kg do minério apreendidos pela Polícia Federal (PF) no interior de São Paulo, em maio. Ele foi preso em setembro por ordem da Justiça Federal de Rondônia.

A reportagem tentou contato com Ribeiro desde a última quarta, por telefone, mas não recebeu resposta.

Outro que não teve sorte nas urnas foi Beto Ourominas (PSC-AP), que na urna usou o nome da mineradora que fundou —suspeita de explorar ouro ilegalmente na Terra Indígena Yanomami.

Ele declarou ao TSE ter mais de R$ 100 milhões em bens. Apesar de usar o nome Ourominas nas eleições, ele deixou de ser sócio formal da empresa.

Atualmente, a empresa é comandada por seu irmão Juarez Soares, que responde na Justiça, junto com sua firma, por crimes contra o ambiente, lavagem de dinheiro e contrabando.

Beto tentou se eleger pelo Amapá, estado onde tenta conseguir aval para construir um garimpo próprio.

"Sou apaixonado pelo Amapá e pelo ouro", afirmou ele à Folha, antes das eleições. "A relação que tenho com a Ourominas é familiar e uma índole muito forte que defende a atividade. É possível restaurar o dano ambiental causado pelo garimpo até hoje, mas o preconceito impede o trabalho dos garimpeiros, que são estimulados à clandestinidade."

A reportagem tentou novamente entrar em contato com ele após o resultado das urnas, porém não conseguiu.

Outro nome que fracassou nas eleições foi Rodrigo Cataratas (PL-RR), líder do movimento Garimpo É Legal e suspeito de organizar um grupo que já movimentou R$ 200 milhões com ouro ilegal e foi alvo de ações da PF.

Às vésperas das eleições, ele foi preso por suspeita de compra de votos. Ao TSE, declarou ser dono de R$ 4,5 milhões em dinheiro vivo e foi um dos principais nomes do partido no seu estado —concorreu com o número 2222. Mas terminou com menos de 10 mil votos e não foi eleito.

Ele afirmou que, apesar do resultado nas urnas, achou positivo o saldo de pessoas que acreditam na necessidade de ter um representante dos garimpeiros em Brasília.

"Continuaremos levando a mensagem da necessidade de solucionar esse conflito entre garimpeiros e órgãos federais. Essa missão fica agora com os parlamentares eleitos e peço que eles olhem para essa parcela significativa da população, que segue sendo vítima de abuso de autoridade por parte dos órgãos federais", disse.

Já o deputado eleito Hugo Leal (PSD-RJ) detém ações em uma mineradora há mais de sete anos. Questionado sobre sua posição quanto, por exemplo, ao garimpo, ele defendeu que a atividade seja regulamentada.

"Defendo uma regulamentação efetiva, para que o produto encontrado fique no país regularizado e gerando divisas. Garimpo não é uma atividade que tenha condições ideais para uma efetiva fiscalização", afirmou.

Outro que é titular de processos de mineração na ANM é Antônio Doido (MDB-PA), eleito deputado federal. Ele é ex-prefeito de São Miguel do Guamá, no Pará, e tem 19 solicitações para uso do solo em seu nome, todas no estado, um dos mais afetados pelas atividades extrativistas no país. Procurado por meio do número informado ao TSE como o de sua campanha, ele não respondeu.

Silas Câmara (Republicanos-AM), reeleito, foi um dos parlamentares que votaram a favor da urgência para o projeto de lei que libera a mineração em Terras Indígenas. No final de 2021, ele chamou de "terrorismo" a ação da PF que destruiu balsas garimpeiras no rio Madeira.

Também foi reeleito o deputado Éder Mauro (PL-PA), autor de um projeto que libera garimpo em reservas extrativistas e de outro texto que transfere o poder de fiscalização contra garimpos aos órgãos municipais. Como mostrou o site Repórter Brasil, o ex-policial é assassino confesso e responde por crimes de homicídio, invasão de propriedade e tortura.

Mauro e Nicoletti (União Brasil-RR), outro que foi reconduzido ao cargo por mais quatro anos, votaram a favor da urgência para a votação da proposta que libera o garimpo em TIs. Este último é também ex-presidente do PSL em seu estado e defende a regularização da extração nos territórios indígenas.

Silas Câmara e Éder Mauro foram procurados por mensagem e ligação, mas não responderam. A assessoria do deputado Nicoletti entrou em contato com a reportagem, porém não enviou um posicionamento até a publicação deste texto.

No Senado, o mandato foi conquistado por Wilder Morais (PL-GO), dono de cinco processos minerários na base de dados da ANM —um deles para pesquisa (primeira fase antes da extração) de minério de ouro em Quirinópolis (GO). Ele não respondeu aos questionamentos da reportagem, feitos desde a última quarta (5) por meio de seu advogado.

Será colega dele no Senado Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que, apesar de não ter registros na ANM nem defender publicamente a atividade, costuma abrir sua agenda para receber representantes do setor.

Como mostrou o site Observatório da Mineração, Mourão teve, durante o governo, uma série de encontros com lideranças do movimento garimpeiro, como José Altino, fundador da União Nacional dos Garimpeiros; e Dirceu Frederico Sobrinho, presidente da Associação Nacional do Ouro (Anoro), preso em setembro.

Mourão também já veio a público contestar o número de garimpeiros atuando na TI Yanomami —número que gira em torno de 20 mil, segundo o MPF (Ministério Público Federal), mas que, para ele, não passa de 3.500. Em 2021, anunciou uma operação da PF para combater garimpeiros no rio Madeira (AM), o que, segundo lideranças locais, permitiu que infratores fugissem antes da chegada das forças de segurança.

Questionado também desde a última quarta, por meio de sua assessoria, o atual vice-presidente não respondeu.


Candidatos eleitos ligados, direta ou indiretamente, ao garimpo e à mineração de ouro

Câmara

  • Antônio Doido (MDB-PA)
  • José Medeiros (PL-MT)
  • Joaquim Passarinho (PL-PA)
  • Delegado Eder Mauro (PL-PA)
  • Hugo Leal (PSD-RJ)
  • Silas Câmara (Republicanos-AM)
  • Nicoletti (União Brasil-RR)

Senado

  • Wilder Morais (PL-GO)

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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