Reeleição de Bolsonaro pode levar a desmatamento de mais de 27 mil km2 em 2026

Estimativa leva em conta crescimento linear com a mesma taxa observada nos últimos três anos; valor seria reversão de todo o avanço de combate ao desmate em gestões anteriores

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Giovana Girardi
São Paulo

A reeleição de Jair Bolsonaro (PL) pode fazer com o que o desmatamento da Amazônia retorne, nos próximos quatro anos, aos piores níveis já observados desde o início do monitoramento, em 1988. Se mantidas as mesmas políticas adotadas no primeiro mandato, a expectativa é que a devastação da floresta possa superar a barreira dos 20 mil km2 já em 2024, algo que não ocorre desde 2005.

O cálculo foi feito, a pedido da Folha, por um grupo de pesquisadores liderados por Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais). Eles consideraram o avanço do desmatamento na Amazônia nos três primeiros anos do governo Bolsonaro, a forma como o governo conduziu a questão até o momento, além da expectativa de pressão pela abertura de novas áreas.

Quando Bolsonaro assumiu o governo, em 2019, a taxa anual de desmatamento medida pelo sistema Prodes, do Inpe, estava em torno de 7.500 km2. Esse foi o valor observado no período de agosto de 2017 a julho de 2018.

Vista aérea da fumaça e de árvores
Incêndio em área da Amazônia em Apuí, no sul do Amazonas - Michael Dantas - 21.set.2022/AFP

Já na taxa seguinte —de agosto de 2018 a julho de 2019—, o desmatamento saltou para 10.129 km2 (alta de 34%). Foram três altas consecutivas e, em 2021, a taxa chegou a 13 mil km2, o maior valor desde 2006. O aumento médio no período foi de 20% ao ano.

Ainda não foram divulgados os dados referentes a 2022, previstos para novembro. Mas a estimativa da equipe e de alguns outros pesquisadores do país que trabalham com monitoramento do que acontece na Amazônia é que haverá mais um aumento, chegando a 15 mil km2.

"O governo Bolsonaro desmontou os principais órgãos de fiscalização ambiental, reduziu o orçamento do Inpe a 20% do que o instituto recebia em 2010, além de demitir seu diretor [Ricardo Galvão, em 2019]. O cumprimento do que é disposto no Código Florestal foi adiado", escreveu Câmara em uma nota técnica divulgada em formato de preprint, ainda sem revisão de outros cientistas.

"Entre 2016 e 2021, houve queda de 40% nos autos de infração do Ibama na Amazônia. O embargo de áreas desmatadas caiu em 85% em 2020 comparado com 2018. Em 2021, o Ibama só liquidou 41% de seu orçamento. Apoiou projetos de lei que reduzem a proteção ambiental, como o projeto de lei 191/20, que permite mineração em terras indígenas", completa.

Na visão do pesquisador, "o governo atual sinalizou para os desmatadores que o governo não agiria para coibir sua ação".

"Passou a incentivar abertamente a ocupação de terras indígenas e a grilagem de terras públicas não destinadas. Os assentamentos e propriedades da agricultura familiar nessas regiões estão sendo ocupadas por violento movimento especulativo, com novos desmatamentos para pecuária e grãos. Como resultado, o desmatamento na Amazônia voltou a crescer significativamente", diz ainda Câmara.

Diante da ausência de sinalização de que essa política possa mudar em um eventual segundo mandato, os pesquisadores trabalharam com uma estimativa de crescimento linear do desmatamento, semelhante ao que ocorreu nos últimos três anos, entre 15% e 20% por ano.

Além da modelagem numérica, os cientistas estimaram uma distribuição espacial desse desmate —ou seja, onde ele deve ocorrer (veja os mapas abaixo).

Nesse cenário, a taxa ao fim do segundo mandato, em 2026, pode passar de 27 mil km2, o equivalente à área do estado de Alagoas, ou a 18 vezes à da cidade de São Paulo.

Esse foi o valor observado em 2004, o segundo pior da série histórica, no início do primeiro mandato de Lula. Naquele mesmo ano, o governo do petista pôs em ação um plano de combate ao desmatamento, o PPCDAm, que derrubou as taxas nos anos subsequentes, até chegar à menor já registrada, em 2012, de 4.600 km2 —uma redução de 83%.

"Todo o enorme esforço realizado pelo Brasil em proteger a floresta feito entre 2004 e 2014 terá sido anulado", analisa Câmara.

Num esforço de imaginar onde pode ocorrer esse crescimento, os pesquisadores também fizeram uma simulação no sistema de modelagem espacial dinâmica LuccME/TerraME, desenvolvido pelo Inpe, que permite projetar como pode se dar a distribuição desse potencial desmatamento no mapa. O sistema considera dados biofísicos e socioeconômicos —por exemplo, as pressões por novas aberturas de terra para a agropecuária, a proximidade com áreas já desmatadas e também com estradas e polos madeireiros.

O mapa gerado para o ano de 2026 mostra a intensificação de um processo que vem ganhando força nos últimos dois anos: o desmatamento pela região conhecida como Amacro (na fronteira entre o sul do Amazonas, leste do Acre e nordeste de Rondônia).

Desde 2021 a motosserra vem avançando nessa região, tanto por influência da expectativa de asfaltamento da BR-319, que liga Porto Velho a Manaus, quanto por avanço da fronteira do agronegócio.

"Nos últimos cinco anos essa região concentrou 77% do desmatamento de Rondônia, 63% dos cortes no Acre e 82% dos cortes no Amazonas. O estado é agora o segundo que mais desmata. Essa região, relativamente preservada até meados da década de 2010, hoje está sob controle de grileiros organizados, que ocupam terras públicas não destinadas sem qualquer controle do Estado brasileiro", afirma Câmara.

"Caso o processo de ocupação na região Amacro não seja imediatamente contido com forte ação de comando e controle no próximo governo, parte importante da Amazônia será destruída", diz.

O pesquisador ressalta, porém, que a simulação não tem como objetivo fazer uma previsão, mas sim apoiar políticas públicas, indicando o que é necessário fazer para cada região da floresta.

Um cenário menos pessimista também aventado é de que possa ocorrer, num eventual segundo mandato, uma certa estabilidade do desmatamento, com uma manutenção da taxa média dos últimos três anos em torno de 11 mil km2.

Um outro grupo de pesquisadores, liderados por Aline Soterroni, que hoje atua na Universidade de Oxford e também é filiada ao Inpe, estimou essa possibilidade frente às expectativas futuras do mercado das commodities brasileiras, com menores taxas de crescimento na demanda global por carne e soja.

A campanha de Bolsonaro foi procurada para comentar as estimativas, mas não se manifestou até a publicação da reportagem.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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