Polarização no Twitter sobre mudança climática se consolida na COP26, aponta estudo

Perfis que compartilham dúvidas sobre questões climáticas cresceram e padrão continuou na COP27

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São Paulo

A consolidação de um campo que questiona as mudanças climáticas no Twitter ocorreu a partir da COP26, a conferência da ONU para o clima realizada em 2021 em Glasgow. Nas edições anteriores, o cenário de polarização acerca das questões climáticas era inexistente na rede social. A descoberta acende um alerta do que o cenário significa para o debate em torno das emergências climáticas.

A conclusão consta de um estudo publicado na última quinta (24) na revista Nature Climate Change. Na investigação, os pesquisadores tinham o objetivo de entender a discussão sobre mudanças climáticas no Twitter durante seis conferências do clima: da COP21, em que foi firmada o Acordo de Paris, até a COP26.

Ativistas climáticos protestam durante a COP27, no Egito. Estudo observou que um campo polarizado sobre mudança climática no Twitter se consolidou a partir da COP26 - Mohamed Abd El Ghany - 19.nov.2022/Reuters

Para concluir que as mudanças ocorreram, a pesquisa observou a relevância de posições contrárias e a favor sobre mudanças climáticas na rede social.

"Nós vimos que, até a COP26, não havia tanta polarização, porque muitas pessoas discutindo sobre a conferência tendiam a concordar que as mudanças climáticas são uma emergência. No entanto, existe uma grande mudança na COP26 que confirmamos ao procurar tuítes genéricos sobre [o assunto]", afirma Andrea Baronchelli, professor associado do Departamento de Matemática da City, Universidade de Londres e pesquisador do Instituto Alan Turing.

Baronchelli também faz parte da Iris, rede que investiga a infodemia e a divulgação de informações falsas na internet em meio a emergências mundiais. A pesquisa recém-publicada é assinada por ele e por outros pesquisadores do grupo.

A maior mudança que os cientistas observaram entre as conferências foi o surgimento de um campo ideológico que propaga dúvidas acerca das alterações no clima no Twitter. Por exemplo, na COP21, foram três contas de pessoas com um histórico em debates sobre clima que questionavam o tema. Fora essas, havia ainda uma conta pertencente ao político britânico Roger Helmer.

Por outro lado, na COP26, esse número de perfis descrentes subiu para 56 e alcançaram maior relevância. Mesmo assim, ainda são uma minoria comparada às contas do espectro que confirmam a emergência climática.

Max Falkenberg, pesquisador associado do Departamento de Matemática da City, Universidade de Londres e um dos autores do artigo, explica que, enquanto na conferência de 2015 a maior parte dos perfis com opiniões contrárias já debatia sobre meio ambiente –eram somente seis desse tipo—, na COP26 isso mudou .

"Grande parte [dos perfis] tem um foco amplo. Por exemplo, muitos falavam contra as restrições da Covid-19. Havia muita discussão sobre isso, ao mesmo tempo em que ocorria aquelas das questões climáticas", diz.

Outro aspecto observado foi a posição ideológica dos políticos que se contrapunham às discussões climáticas. No caso, eles eram de direita. A constatação, no entanto, não é necessariamente uma verdade para todos os outros perfis.

"Nós não fomos a fundo em cada uma das contas. Então, só podemos falar dos políticos, que podemos identificar que são de direita", afirma Falkenberg.

COP27

O levantamento não considerou dados da última conferência do clima, a COP27, ocorrida em novembro deste ano, no Egito. Porém, informações não presentes no artigo já foram levantadas a fim de observar se a polarização da COP26 se manteve na mais recente –algo que aconteceu.

Baronchelli explica que a repetição pode ser um um indício "do começo de uma nova tendência" com um padrão de polarização entre os dois campos sobre as mudanças climáticas.

Outro ponto observado sobre a COP27 é em relação ao Brasil. O artigo não considerou o país, pois se restringiu a nações de língua inglesa, como Estados Unidos e Austrália. Mesmo assim, a vitória do presidente eleito Lula ocorreu pouco tempo antes da última conferência, o que já foi discutido no Twitter tendo em vista a conferência.

"Muitas pessoas estavam falando ‘Lula trouxe esperança sobre o desmatamento [da Amazônia]’", afirma Falkenberg, referindo-se à importância do Brasil para a preservação da floresta.

Um ponto em comum

A polarização sobre as questões climáticas no Twitter guarda uma peculiaridade em comparação a outros casos parecidos. Existe um assunto que é compartilhado tanto por detratores quanto por apoiadores da importância de tomar medidas favoráveis ao meio ambiente.

"Existe um tópico que unifica os dois que é acusação sobre hipocrisia, especialmente de políticos", afirma Baronchelli.

Ele exemplifica com o caso de políticos que utilizam jatos particulares para irem às conferências. As críticas, nesse caso, podem vir de ambos os lados do espectro polarizado. De início, o cenário pode até ser visto como positivo, mas não é dessa forma que os autores enxergam.

"Isso é um novo sinal de alerta da diminuição da confiança em políticos e, ao fim, na democracia. [...] Depois de entender que existe uma polarização, mas que existe algo que os une, vamos ver o que é isso. Pode ser uma boa notícia, mas é a pior. É a notícia de que não existe confiança em políticos", completa Baronchelli.

Falkenberg também chama a atenção de que, por ter esse assunto em comum, uma pessoa estaria mais suscetível a ser exposta ao outro lado polarizado da discussão. Ou seja, seria mais fácil para alguém começar a pensar que as mudanças climáticas não existem, por exemplo.

A situação é complexa e o que seria uma solução certeira para ela é inexistente. "Como parar isso não é óbvio e nem conhecido", conclui Falkenberg.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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