Sob Bolsonaro, Brasil assina cooperação por florestas com República Democrática do Congo e Indonésia

Declaração conjunta não traz definições de como a parceria deve funcionar

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São Paulo e Sharm el-Sheikh (Egito)

Brasil, Indonésia e RDC (República Democrática do Congo) assinaram nesta segunda-feira (14) uma declaração conjunta de cooperação pelas florestas tropicais e pela ação climática.

Donos das maiores florestas tropicais do mundo, os três países negociam desde a COP26 do Clima –há um ano, na Escócia– a formação de um bloco para fortalecer suas posições em negociações do clima e da biodiversidade.

Três pessoas posam para foto com as mãos juntas ao centro
Marcus Paranaguá (à dir.), secretário de clima e relações internacionais do Ministério do Meio Ambiente, com representantes dos governos da República Democrática do Congo e da Indonésia na COP27, em evento sobre parceria de florestas realizado no estande da Indonésia - Daniela Luquini/Divulgação

Conforme a Folha antecipou, os países buscaram lançar a parceria ainda durante a COP27 - que vai até o dia 18, no Egito.

Boa parte das mensagens-chave do trio, no entanto, miram as negociações da COP15 de biodiversidade, que deve acontecer em dezembro, no Canadá.

A ONU pretende tratar o desafio de conservar a biodiversidade com um acordo de força equivalente ao Acordo de Paris de mudanças climáticas. Os donos das grandes florestas, no entanto, recebem com desconfiança a proposta de uma meta de conservação dos territórios –algo que poderia esbarrar na soberania nacional– e preferem falar em incentivos financeiros para a conservação.

A declaração de cinco páginas adianta alguns posicionamentos conjuntos da parceria. Um deles é a criação de um novo fundo internacional dedicado à biodiversidade –proposta brasileira apoiada pela Indonésia e por países africanos nas reuniões preparatórias da COP15.

O texto também prevê cooperação para implementar o mecanismo de pagamentos por resultados na conservação –o chamado Redd, sigla em inglês que significa redução de emissões por desmatamento e degradação evitados.

O exemplo mais bem sucedido do mecanismo é o Fundo Amazônia, que recebeu doações da Noruega e da Alemanha na última década a cada verificação de redução das taxas de desmatamento.

O instrumento foi paralisado pelo governo Bolsonaro, mas Indonésia e República Democrática do Congo contam com a cooperação brasileira para que a proposta decole também nos seus territórios.

A declaração conjunta, no entanto, não traz definições de como a parceria deve funcionar.

"Procuramos aprofundar a cooperação entre nossos países, a fim de desenvolver e promover florestas tropicais e ações climáticas que podem incluir, mas não se limitando, às seguintes áreas: manejo sustentável e conservação da floresta tropical; bioeconomia para florestas e pessoas saudáveis e restauração de ecossistemas críticos e florestas", diz o texto.

"A implementação da cooperação nas áreas acima mencionadas será realizada através de acordos específicos a serem discutidos e acordados oportunamente", finaliza a declaração.

Embora foque nos posicionamentos conjuntos, o texto deixa passar uma diferença entre os três países sobre o conceito de justiça climática.

"[Sublinha] a importância para alguns do conceito de ‘justiça climática’". Segundo um representante do Ministério do Meio Ambiente ouvido pela reportagem, o termo ‘para alguns’ foi inserido no texto porque não havia consenso sobre o tema.

No entanto, a frase ‘a importância para alguns do conceito de justiça climática’ tem essa exata escrita também no preâmbulo do Pacto de Glasgow. Para observadores das negociações da COP27, os três países assinaram um texto com trechos mal copiados de acordos internacionais.

As gestões do PT já buscavam negociar com detentores de grandes florestas e, durante a campanha eleitoral, a equipe de Lula expressou o desejo de trabalhar em bloco com Indonésia e RDC. Sob Bolsonaro, no entanto, a parceria ganha como contorno o foco em financiamento e a recusa por compromissos mais ambiciosos de preservação.

Em setembro, no encontro ministerial do G20, os três países assinaram uma manifestação com outras 11 nações contrárias à legislação aprovada pelo Parlamento Europeu que proíbe a importação de commodities ligadas a desmatamento.

A declaração faz uma referência indireta à legislação europeia ao apoiar esforços que beneficiem mutuamente os países.

"Salientamos a importância de fortalecer esforços para facilitar o comércio e políticas de desenvolvimento, internacional e nacionalmente, que promovam o desenvolvimento sustentável e a produção e consumo sustentáveis de commodities, que funcionam para benefício mútuo dos países, e que não conduzem ao desmatamento", diz o texto.

"Embora contenha elementos encorajadores, também há mensagens preocupantes para a comunidade internacional e para os povos indígenas e comunidades locais", afirma Oscar Soría, diretor de campanhas da ONG Avaaz, que advogou pela parceria com vistas a engajar o governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva.

A parceria foi criticada por focar no pedido por recursos internacionais no âmbito dos estoques de carbono garantidos pelas florestas, sem citar compromisso com os direitos humanos e as metas de conservação da biodiversidade.

"Esta Opep das florestas está parecendo mais um cartel de carbono do que uma aliança moderna que responde às necessidades de um bilhão de pessoas. Esperamos que o próximo governo Lula possa corrigir a direção dessa aliança", diz Soría.

A parceria foi assinada em Bali, na Indonésia, que sedia nesta semana o encontro do G20.

Em nome do Ministério do Meio Ambiente do Brasil, assina o embaixador José Amir Dornelles. Também assinam o ministro de Investimentos da Indonésia, Luhut Pandjaitan, e a vice-primeira-ministra e ainda ministra do Meio Ambiente da República Democrática do Congo, Ève Bazaiba.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations

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